quarta-feira, 25 de maio de 2016

De tudo um pouco


Igual é a vida: alegria, tristeza, um bocado de derrotas, uma vitória aqui e ali empurrando a gente, não deixando a gente derrubar a peteca...


Outro dia minha Lolinha falou assim prá mim:

-"Mãe, você tem que parar de ficar contando histórias tristes no blog, fica parecendo que na tua vida só teve tristeza - cruz credo! Conta algo engraçado, prá variar..."

Eu não vejo assim - prá mim as coisas que eu conto, mesmo quando são tristes, tem aquele saborzinho doce que mistura superação com saudade...

Bom, mas... sei lá... 

Vasculhei o baú de memórias prá trazer uma totalmente feliz, na qual desafio alguém a chorar!

Eu cursava o primeiro ano do segundo grau na Escola Estadual Nossa Senhora da Penha - aqui no meu bairro carinhosamente conhecido como "O Estadual" - muito embora todas as outras escolas também sejam estaduais (o Barão de Ramalho, o Esther Frankel, o Guilherme de Almeida... - todos bem próximos, aliás...).

Eu era praticamente inseparável de três meninas - minhas melhores amigas do Universo inteiro:

Wilma - que era altona, tinha enormes olhos verdes, uma cabeleira castanha exuberante e era muito boa em vôlei. Era pobre como eu, de marré-marré...

Hercília - descendente de japoneses. Tinha um senso de humor único, tava sempre rindo, fazendo graça, de bem com a vida como eu nunca vi...

Marisa - pequenininha e muito bonitinha, a mascote. Era meio patricinha, o pai era diretor de uma escola perto da casa dela (que era enorme e linda!), a mãe era professora. Era super paparicada pelos pais e mais pensava em namorar do que em qualquer outra coisa. Era dois anos mais nova do que a gente pois, como os pais eram professores, colocaram a pobrezinha na escola dois anos antes...

Tudo a gente fazia juntas: estudar, assistir a educação física dos meninos, cabular aulas prá ir no cinema (matinê do cine São Geraldo, dois filmes pelo preço de um - e, quando calhava de um deles ser pornô, com peitos e bundas aparecendo, aí é que a gente se divertia: ríamos de tudo e a bagunça era tanta que era sempre por um triz que a gente não era expulsa do cinema...).

E a coisa era mais ou menos assim: eu era o gênio da turma, a das ideias, a das notas altas. Puxava as outras, ajudando a estudar e passando colas. Mas o fato é que, sem elas, eu não era nada: entrava muda e saía calada. Tímida de fazer dó, uma timidez patológica.

Bom, chegou o dia da gente fazer um trabalho de Inglês misto com Educação Artística: as duas professoras se uniram e decidiram que a nota daquele bimestre ia ser a gente escrever e interpretar uma peça EM INGLÊS.

-"Danou-se!" - a gente pensou! "Como é que a gente vai fazer isso, meu Deusinho do Céu!!!"

Eu pensei, pensei... E pensei. Tinha duas coisas que iam ser um entrave: primeiro de tudo tinha que ser algo que fosse fácil de ser decorado. Não podiam ter falas longas, palavras complicadas...

Segundo: a pronúncia. A gente não podia pedir ajuda prá ninguém - prá ensinar a gente a pronunciar palavras que a gente não conhecia. Isso parece coisa boba, mas não era: eu escrevi a peça em português e, com a ajuda do dicionário, fui traduzindo tudo - e algumas palavras eu nunca tinha ouvido ninguém pronunciar...

Levamos semanas lendo e relendo, decorando tudo. Era difícil, minhas amigas ora se apavoravam, ora não levavam a sério...

A peça que eu escrevi era um conto de fadas: havia uma bruxa muito má e feia (interpretada magistralmente por mim - diga-se de passagem...), havia um ogro corcunda, braço direito da bruxa (minha amiga Wilma, arrastando a perna e apenas dizendo "Dãããã" o tempo todo - não consegui fazer ela decorar nada...), um príncipe (minha amiga Hercília, que só tinha uma fala na peça toda...) e uma princesinha (a Marisa disse que preferia tirar nota zero do que fazer papel de feia, então ganhou prá ser princesa na marra... ela namorava um dos garotos da sala e queria que ele a visse vestida de princesa - pode???).

Nossa caracterização foi ótima: A Wilma vestiu um terno velho do pai dela, que lhe deixava à mostra as canelas finas, enquanto calçava nos pés um sapato masculino tamanho 40. Pintei a cara dela com pomada hipoglós, desenhei de canetinha por cima um montão de rugas e escondi seus cabelos numa touca preta, bem apertadinha - ela ficou ótima... Ainda lhe prendi uma almofada nas costas, por dentro do paletó, prá servir de corcunda... 

A Marisa, que não abria mão da beleza, vestiu seu vestido longo de formatura de ginásio, todo branco e rendado, se maquiou lindamente e usou na cabeça um chapéu longo e pontudo forrado de cetim branco (feito por mim), com um pedaço de véu esvoaçando da ponta, bem medieval... 

A Hercília vestiu uma meia-calça de lã, um par de sapatos brancos de bico fino da mãe dela, o calção vermelho franzido da educação física e uma capa, também vermelha, mais um chapéuzinho estilo Robin Hood - mas o melhor mesmo foi a peruca. Como eu falei antes, a Hercília era japonesinha: colocamos nela uma peruca loira curta, de cabelos encaracolados, que pertencia à mãe da Marisa - ficou incrível, bem principesca mesmo. 

Mas não tem como negar que o melhor disfarce foi meu: usei um vestido preto de luto que minha mãe tinha, que me ficava na metade das canelas (que precisava de cinto prá ajustar na cintura - fiquei sem cinto, com o vestido todo soltinho mesmo). Meu amigo Carlinhos tinha uma tia que era cabeleireira: ele arrumou emprestado uma peruca longa e negra, de cabelos naturais, que quase chegava no meu bumbum, de tão grande... Fiz prá mim, de papel machê, um longo nariz curvado prá baixo e um queixo longo e pontudo - pintei no tom mais próximo da minha pele e fiz furinhos de cada lado de cada peça, nos quais coloquei elástico fininho branco - lastex (de longe não dava prá se ver o elástico e escondia meu rostinho tímido completamente...). Fiz um chapéu de bruxa todo requenguela e pintei de preto, pequei emprestado (com o Carlinhos também...) um óculos escuro de gatinho cheio de strass e assim escondi até meus olhos. Calcei duas meias listradas de cores diferentes e, por fim, usei dois sapatos velhos do meu pai. Fiquei irreconhecível e, estando assim, mandei a timidez prá casa de chapéu!

Noventa e nove por cento das falas eram minhas: eu precisava de um coração de princesa, das bem bonitas, prá fazer um feitiço e reverter minha velhice e feiúra, então eu capturava a Marisa, amarrava numa árvore enquanto aquecia o caldeirão. Eu murmurava feitiços, jogava pragas ao vento, mexia o caldeirão, dava risadas longas e fantasmagóricas e pulava pelo palco igual uma macaca... A Marisa gritava "Help!" o tempo todo, fazendo caras e bocas e o príncipe, que só apareceu na hora H (quando eu ia fincar uma faca no peito da Donzela e finalmente arrancar o coração dela...), gritou "Stop!" e, depois de me perseguir pelo palco alguns segundos, me matou sem dó nem piedade com sua espada (também feita por mim... ).

A hora da minha morte foi um caso à parte: estrebuchei que foi uma beleza. Era só gente gritando: "Morre, desgraçada!", porque eu volta e meia dava uma tremelicada, soltava um grito e o príncipe vinha me golpear mais uma vez...

A peça foi um sucesso tão estrondoso, mas tão estrondoso, que as duas professoras nos deram a nota máxima e nos pediram prá apresentar pro colégio inteiro, prá todas as classes, de todos os períodos! 

Recebemos tantas palmas, tinha gente assobiando, gritando - foi tão bom...

Uns poucos dias depois as pessoas ainda falavam da peça, cumprimentavam a Marisa nos corredores quando a encontravam, davam parabéns prá ela...

Alguns garotos da nossa classe, que ficaram em segundo lugar, tentaram fazer as professoras revogarem nossa nota: disseram que a nossa peça era uma palhaçada, que só uma das alunas realmente tinha falas (enquanto as outras meramente balbuciavam uma coisa ou outra...) e que, no contexto geral, a peça deles era mais inteligente.

Pior que era. A peça deles era uma coisa de mistério, meio Sherlock Holmes, com um assassinato, vários suspeitos, falas longas bem pronunciadas, todo mundo trabalhando em uníssono - muito boa. Só que era chata. Quem não entendia de inglês ficava divagando, conversando besteira com a pessoa do lado, não prendia a atenção.

Não puderam competir com as minhas macaquices... A nota máxima foi nossa mesmo.

Mais ou menos uma semana depois eu estava subindo a rampa do colégio junto com minhas amigas e ouvi alguém dizendo assim:

-"Gente, olha a turma da princesa! A japonesinha que tava de peruca, a comprida só pode ser o ogro e... Gente, aquela ali é a bruxa!!!" "Bruxa, você foi genial!!"

Me descobriram - meléca. Graças a Deus meus 15 minutinhos de fama não ultrapassaram os portões do colégio e se foram rapidinho - cansei de ficar vermelha igual um pimentão...

Ah, que grande atriz perdeu o mundo por causa da minha timidez...

Só prá você lembrar, Lolinha da minha vida, que nem só de lágrimas foi o caminho da tua velhinha...
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11 comentários:

  1. Pois foi muito divertido mesmo! Também tive os meus momentos de sucesso, pouquinhos que era muito envergonhada, mas nenhum como esse, querida.
    Beijinhos

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  2. A questão, eu acho, não são as histórias tristes, mas de que são contadas com bom humor. Eu sei bem como é, pois sou assim também, a casa tá caindo eu eu estou vivendo como no filme A Vida É Bela. O bom humor é um dos maiores tesouros da vida!

    Sobre a peça, no momento da estrebuchada, eu ri muito, de lacrimejar os olhos ahahaha. Ótimo de ler, de sentir, Rosa. Beijo.

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  3. Que delícia rir!! :-D
    Eu sou uma pessoa séria, sempre fui séria mas não triste, não depressiva. Apenas séria! Porém a vida faz um contrabalanço para equilibrar. Estou dizendo isso pois aqui em casa é o meu maridão que gosta de fazer brincadeiras, contar piadas, de achar graça nas coisas, de nos fazer rir. E como é bom rir!! ter bom humor.

    Que pena na época do vosso teatro não ter filmagens. Já pensou vc se ver atuando naquela época?

    No colégio, eu tb gostava de teatro mas preferia as funções por detrás das cortinas, na cenografia, figurino, essas coisas e tal. Mas tb tive que atuar uma vez como trabalho escolar, no ginásio, e fizemos a estorinha "Pluft, o Fantasminha" e foi muito legal. Adoraria ter essas lembranças em imagens e fotos mas...não tenho.

    Amanha estaremos viajando e desejo pata vocês um excelente feriadão.

    Sua experiência teatral foi hilátia demais mas... e às vezes concordo mesmo com a tua Lolinha.

    Grande beijo.

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  4. Uma pena não ter fotos dessa peça né? Mas que tempo Bon era a nossa infância, antigamente às crianças e jovens sabiam se divertir.

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  5. Eu sabia que morava uma bruxa em você....só assim para ser tão criativa e fazer tantas coisas encantadoras!
    Adorei sua história!
    Bja

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  6. E assim que vi a bruxinha, logo me interessei pela história... Não sei o porquê! Sintonia de bruxa, será? kkkkk Amei, Rosa! Dei boas risadas com seu texto, que está deliciosamente recheado de boas recordações. Beijo grande pra vc!

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  7. Mas mesmo com a tua timidez conseguiste apresentar uma peça de teatro! Maravilhoso, deve ter sido tão giro, imaginei tudinho :)
    Beijinhos grandes, um bom fim-de-semana!

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  8. Rosa...curiosamente não tenho jeito para o teatro e na vida atuei uma vez em criança e outra em adulta!
    Mas ensaiei inúmeras vezes os meus alunos!
    Gostei do seu texto...como sempre cheios de vida! Bj

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  9. Rosa...curiosamente não tenho jeito para o teatro e na vida atuei uma vez em criança e outra em adulta!
    Mas ensaiei inúmeras vezes os meus alunos!
    Gostei do seu texto...como sempre cheios de vida! Bj

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  10. Deve ter sido bem divertida mesmo a peça teatral Rosa! Tenho certeza de que o mundo perdeu uma excelente atriz, mas em compensação nós ganhamos uma maravilhosa escritora!!
    bjss

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  11. Rosa querida que peça cheio de vida, uma penar a timidez não deixado ir a frente, seria uma excelente atriz! Bjinhos

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