quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Prioridades


Pela terceira vez consecutiva ligaram desmarcando a consulta da minha mãe no AMA. 

Desta vez, felizmente, ligaram um dia antes - as duas outras ligaram NO DIA da consulta - estão muito ocupados prá ligarem com antecedência...


Em uma das vezes a ligação chegou quando minha mãe já estava quase chegando no Posto - quem atendeu foi minha irmã e ficou uma fera, pois minha velhinha já tinha saído de casa há tempos e pagou táxi prá chegar lá. Na outra, por sorte, a consulta era à tarde e a ligação foi feita pela manhã. Mesmo assim, o estrago já estava feito: sempre que tem consulta no dia seguinte, ela não dorme de ansiedade - medo de perder a hora, medo do médico que for atendê-la a tratar como um pedaço de carne velha...

As desculpas são sempre uma piada: o médico parou de trabalhar ali, o médico teve um imprevisto, tá num congresso, ficou doente, viajou prá lua...

Tá difícil ficar doente no Brasil - daqui a pouco vamos ter que voltar no tempo e procurar benzedeiras...

Daí meu filho chega e comenta: 

"Mãe, sabia que o Haddad (prá quem não sabe é o ilustríssimo prefeito da cidade de São Paulo) tá querendo criar "salas seguras" pro consumo de crack, imitando o que já acontece na Holanda? E lá o drogado vai poder consumir droga de primeira, sem adição de nada que seja prejudicial à saúde, com acompanhamento de médico...".

Beleza! Tá decidido: minha velhinha tem que começar a usar crack. 

Primeiro porque tá mais do que na hora dela ter alguma felicidade na vida, enquanto ainda pode - pelo menos acho que é prá isso que as drogas servem, prá fornecer felicidade instantânea... Oitenta anos de vida, trabalhando feito um burro de carga, nunca viajou de férias na vida - há não ser pro sítio da filha: tá mais que na hora de fazer uma "viagem", vocês não acham? Mesmo que seja daquelas em que a pessoa não sai do lugar - mais barato, impossível! Não precisa se preocupar com passagens, hospedagem, malas, refeição... 

Segundo e mais importante que tudo: ela vai conseguir ser atendida por um médico! E não é um médico qualquer: é um médico que vai trabalhar seguindo os moldes de um país de primeiro mundo - Holanda!

Os motivos do Haddad são até louváveis - não, eu não fiquei louca e também meu coração não é de pedra. Esse tipo de abordagem do vício em drogas realmente deve funcionar, trazendo o usuário prá junto do Poder Público, garantindo a ele acesso a tratamento médico, drogas que passarão por um controle de qualidade, assegurando que não sejam "batizadas" por substâncias tóxicas (?); aqueles que quiserem abandonar o vício terão toda a Assistência - e quem quiser usar seguramente, pelo resto da vida, também pode. Vai diminuir a criminalidade associada às drogas - como furtos e roubos - e vai deixar a cidade menos perigosa e mais limpa: o uso delas vai continuar sendo proibido nas ruas, mas permitido nas salas. 

Lindo, maravilhoso, necessário prá assegurar uma condição mais humana aos drogados - que também são filhos de Deus. Acho difícil alguma família não ter passado - mesmo que raspando - nesse problema. Tenho um sobrinho que trabalhava, foi demitido por causa disso, recebeu três mil e quinhentos reais da empresa e se hospedou num hotel, curtindo esse doideira por quase uma semana. Não avisou ninguém, a mãe e a avó ficaram feito loucas procurando em hospitais, IML, etc... Só apareceu em casa quando o dinheiro acabou.

Temos sim que pensar nos drogados. 

Mas, antes de tudo, temos que pensar nessa nossa população, que trabalha, pega condução lotada - parecendo sardinhas numa lata - que paga seus impostos, faz prestação nas Casas Bahia e que, quando adoece, não tem a quem recorrer - somente filas sem fim prá um atendimento meia-boca numa consulta que demora - às vezes - um ano prá acontecer. 

Pior que isso? Emergência - vá você sofrer um acidente prá ver o que é bom! 

Tenho um irmão que é pedreiro. Quando estava cortando um piso no trabalho, usando aquela máquina chamada maquita, ela escorregou e quase decepou a mão dele: ficou durante 3 dias no PS do Tatuapé (que é da Prefeitura) sentado numa cadeira - porque não tinha nem cama, nem mesmo uma maca pro coitado ficar deitado!!! Depois da cirurgia, ficou na enfermaria e não tinha lençol prá cama - tinha que trazer de casa!!! O sanitário do quarto não tinha nem assento nem porta - você "resolve seus assuntos" sentando na louça gelada e com platéia...

Vão fornecer drogas de primeira qualidade pros drogados? Maravilha - mas e os remédios de pressão e tireóide que nunca tem no Posto e que são de uso contínuo da minha velha?

Tá na hora de priorizar as coisas. 

Ninguém obriga ninguém a se drogar - a pessoa é que escolhe experimentar e fica presa. Tem que ajudar? Tem.

Mas que tal primeiro ajudar aqueles que não escolheram ficar doentes? Fazer as cirurgias necessárias prá lhes restaurar a saúde, prá que voltem a trabalhar e contribuir pro crescimento do país pagando impostos; assegurar-lhes a dignidade que merecem com um atendimento humano nos AMAs, Postos de Saúde e Prontos-Socorros?

Senão fica uma coisa meio assim, "prá inglês ver" - "Olha como o Brasil tá evoluído! Tem sala de crack pros drogados, igualzinho na Holanda!"

Aposto que, muito antes de existirem na Holanda essas salas, ninguém lá tinha sua consulta remarcada três vezes e o atendimento médico não era o lixo que é aqui - duvido que alguém tenha ficado "internado" numa cadeira...


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8 comentários:

  1. Rosa...por aqui a nossa saúde também não anda nada boa e deveria ser prioridade em todo o país!
    Ainda hoje ao ouvir notícias de gente que partiu ou que quase partiu por negligência médica...pensei:
    _Termos a sorte de encontrar o médico certo...na hora exata...e seremos bem sortudas!!!
    Bj

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    1. Realmente - quando a gente dá sorte de encontrar um médico bom, tem que dar graças a Deus...

      Beijos, Maria da Graça querida!

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  2. olha d rosa eu já passei por isso, aqui no posto perto de casa fiz ate reclamação na ouvidoria e resolveu meu problema, agora quando eu chego la sou muitíssimo bem tratada. reclamei do diretor que nunca tava la pra resolver os problemas, ele mesmo me reagendou a consulta do meu sogro, pra dois dias depois.tenta conversar com a enfermeira chefe ou mesmo o diretor da unidade, pois eu sei que é revoltante mesmo.e quanto ao hospital municipal do Tatuapé desculpe a expressão mas aquilo é um açougue e nos as carnes.olha se precisar de atendimento de emergência sei que é um pouco longe da sua casa mas falado pela própria medica do meu sogro o hospital vila alpina é muito bom meu marido ficou la e realmente eu concordo com ela, e também o Inácio Proença de Gouveia ( antigo joão XXIII) na mooca.

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    1. Ah, eu já reclamei pessoalmente, por telefone, por email... Recebi o telefonema da chefe do tal AMA em casa, muita conversa e pouca solução. E tudo tem a ver com o endereço onde a pessoa mora, eles não aceitam se não for da zona de atendimento deles...

      Mas obrigada pela atenção, Elisabete querida.

      Beijos!

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  3. Rosa

    Essa história de Haddad e as "salas seguras" é revoltante!!
    Deduzo que é melhor ser viciado do que pobre?

    Também é inaceitável a criação do Bolsa Crack. E nós e mais tantos outros paulistanos, que somos caretas é que financiamos a atual Haddadlândia (ex Cracolândia).

    Esse prefeito de SP não me representa!!

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    1. Ai, nem quero mais falar sobre isso, dá uma revolta...

      Beijos, Fatinha querida!

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  4. Rosa tenho só uma coisa pra dizer " PO-LI-TI-CA", são tds do mesmo saco de gato, prometem mundos e fundos, ficam devendo uma vela pra cada santo e quando se elegem tem que desviar mt dinheiro pra pagar, relegam o resto todo pra segundo plano...
    Boa sorte pra tua mãe, só com sorte mesmo pra ser atendida!
    Bjus!

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    1. É, precisa de muita sorte mesmo... Enquanto isso, prá eles, é o albert Einstein ou Hospital no exterior...

      Beijos, Liege querida!

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