Recentemente assisti uma matéria na televisão acerca de um cavalo, covardemente espancado por alguns adolescentes - simplesmente porque não obedeceu as ordens deles...
Que triste espécie nós somos, às vezes...
Parecemos destinados a cometer atrocidades, não apenas com nossos semelhantes como também (ou principalmente) com as criaturas que o Senhor colocou no planeta prá nos servirem de companhia e ajudarem na nossa evolução...
Quando vejo esse tipo de notícia sinto uma tristeza tão grande, quase física - como se uma mão enorme ultrapassasse meu peito, agarrasse meu coração e o espremesse, como se faz com um trapinho molhado...
Então a Bondade Divina - que age das mais diversas formas, em todas as vidas - traz na minha memória imagens de uma história há muito tempo presenciada, de lágrimas que o tempo secou e de pessoas que, há muito tempo, já não estão mais aqui.
Eu era uma menina pequena, com cerca de 6 anos de idade - e uma das minhas alegrias era um cavalo velho que pastava no fundo do meu quintal, que dava em um terreno baldio enorme coberto de mato, sem cerca - e que tinha saída prá duas ruas. Esse terreno ficava nos fundos de duas casas pertencentes ao meu avô - aquela na qual ele morava com minha avó e a minha.
Dentro do terreno uma porção de árvores - pé de laranja, de amora, de pitanga, de abacate e goiaba... O mundo era tão pequeno que cabia naquela quadra e um dia de sol era um concerto de pássaros, um desfile de borboletas, besouros e abelhas... E, no centro de tudo - o cavalo. Não me lembro mais o nome dele - mas ele tinha um e atendia por ele quando era chamado, caminhando mansinho - e mansinho pegava, delicadamente, os fiapos de capim da minha mão... Podia ter capim por todo lado, mas ele parecia adorar a companhia humana - um animal doce e muito, muito velho.
Remanescente dos tempos de verdureiro de meu avô - porque portugueses são pessoas trabalhadoras: mesmo quando já ajuntaram um belo pé de meia continuam trabalhando porque, afinal, o trabalho faz parte do curso da vida. Com a idade, ambos - meu avô e seu cavalo - abandonaram a lida, cada um para seu merecido descanso. O do cavalo era pastar nesse terreno - e escapar prá rua, em busca de outros pastos, porque eram tempos de antigamente, de rua recém asfaltada e de jardins muito grandes de cercas baixas...
Na minha rua morava um garoto - uns 8 anos mais velho do que eu, chamado Gilson. Se os filmes de terror estivessem certos e um dia o capeta fosse mesmo ter um filho, esse filho seria ele. Era arrogante, desrespeitoso, de riso sempre fácil e totalmente debochado. Mesmo uma criança tão pequena quanto eu já sabia que tinha que ficar longe dele... Estava sempre metido nas brigas, estava sempre zombando do mundo.
E seu alvo favorito era o cavalo... O pobre animal pressentia a presença do moleque e nem aparecia. Acho que conhecia a voz dele...
Naquele tempo os moleques jogavam futebol na rua - e coitado de quem passasse por ali na hora do jogo: se o Gilson se apossasse da bola, chutava sem dó em quem estivesse passando - homem, mulher, criança, gente de idade...
Houve enfim uma tarde abafada, daquelas em que a gente não vê a hora do sol ir embora prá poder brincar - mas que ia acabar em chuva... Na rua, aproveitando o dia, moleques andavam em seus carrinhos de rolimã - um barulho ensurdecedor, as rodinhas raspando sem parar no asfalto.
O cavalo subiu pela lateral do terreno, do lado direito da casa do meu avô, naquele passo vagaroso de bicho velho e entrou na rua, em busca de outros jardins, porque o mato no terreno estava muito seco...
Aconteceu muito rápido. Quem estava num dos carrinhos era o Gilson - e o riso que ele tinha no rosto nunca saiu da minha mente. Nunca na minha vida ouvi uma risada como aquela, um grito de alegria sem sentido e de maldade sem porquê - mas direcionada ao pobre animal. Acertou as pernas do cavalo em cheio, o cavalo se desequilibrou e caiu, gritando assustado.
Dali em diante não me lembro muito mais desse dia. Sei que o cavalo quebrou a perna, sei que sofreu muito e que foi sacrificado - mas não vi nada disso acontecer, minha mãe e minha avó me levaram prá dentro de casa. Da janela ouvi muita discussão, gente da minha família conversando com a família dele... Em casa, revoltada, minha mãe e minha avó pareciam não acreditar: ele dizia que a culpa era do cavalo, que havia se metido na frente do carrinho...
Lembro que choveu muito naquele dia, a árvore que a gente tinha na calçada foi derrubada pela força do vento. O céu cinzento ainda fez tudo ficar ainda mais triste...
Assim foi: família bem de vida, nada de freio nas tendências ruins do rapaz e se passaram uns dois anos de gloriosa inconsequência...
Ele estava então com 16 anos - e já sabia dirigir - "salve-se quem puder" quando ele pegava o carro do pai.
E aconteceu.
Dirigindo em alta velocidade ele se envolveu num acidente com o carro - no qual a única pessoa ferida, graças a Deus, foi ele. Quebrou a perna direita em vários lugares, quebrou o braço direito, se machucou feio mesmo. Muito tempo internado, fisioterapia... Sobreviveu.
No entanto, como estava ainda em idade de crescimento, ficou com um defeito na perna: a quebrada parou de crescer. Se tornou um jovem adulto com dificuldade prá andar, usando um sapato especial com um solado enorme e, mesmo assim, ficou dependente de uma muleta pro resto da vida.
Toda aquela pressa, o riso alto e debochado, o desrespeito - tudo na vida dele teve que se amoldar à sua nova e vagarosa condição...
É... E ainda tem gente que pensa que Deus está dormindo...
Não importa o que a gente faça - Ele testemunha sempre.
Onde quer que a gente se esconda, a vida nos acha - o que a gente planta, cedo ou tarde, a gente colhe...
Mesmo um cavalo velho não está abandonado dos olhos de Deus.
Pobre cavalo, vítima da maldade descontrolada do menino! Mas pensando no menino, acho que o acidente foi a forma que Deus achou de controlar sua maldade e indisciplina, assim ficou mais difícil de machucar outros seres bons! Não é mesmo? Lindo dia bjs Nina
ResponderExcluirÉ, não diz que Deus escreve certo por linhas tortas? Talvez esse acidente tenha ajudado a reescrever a história dele... Beijos e um lindo dia prá você também, Nina querida!
Excluir...quando falta educação amorosa, falta tudo!!
ResponderExcluirÉ quando Deus delicadamente em sua infinita justiça, dá um jeitinho!!
Querida Rosa, tenha um lindo dia chuvosinho!!
beijinhos,
Lígia e=ˆˆ=
Ai, Ligia, esses dias chuvosos acabam comigo - gosto de céu azul... Ainda bem que eu me ocupo... Tenha um lindo final de semana, minha querida - espero que o tempo melhore!
ExcluirMinha querida, choro cada vez que leio uma história assim (não pelo rapaz, mas pelo cavalo). Choro cada vez que vejo um cão, um gato, enfim um animal vagando pela rua, sem destino, sem dono, sem amor. O que será que pessoas que tiveram esses animais abandonados têm no lugar do coração? Acredito que seja pedra ou esteja vazio. Vazio de sentimentos, vazio de amor, vazio de vida. Outro dia estava indo para a Igreja, e passava pela marginal do Tietê, aqui no município onde moro. Por baixo do guard rail pastava uma capivara, de tantas que moram às margens dos rios. Assustei-me quando a vi, mas desviei e pedi ao Senhor que a protegesse, pois eu desviei e os outros que vieram atrás de mim, fariam o mesmo? Todos os animais me encantam. Fico olhando os sabiás comendo mamão sob o pé de limão no meu quintal, fico olhando os cambacicas tomarem banho num prato de planta que mantenho com água, os sabiás bebendo água, pois não há mais locais para os bichinhos aplacarem sua sede. A natureza é tão rica, com tanta vida, que o ser humano, o pior animal sobre a face da Terra, quer acabar. Amei a sua história, sua experiência de vida e de como o Senhor cuida de cada uma de suas criaturas. O cidadão deve ser tão estúpido que não relacionou a sua situação com o que ele provocou na infância. Não é a lei de Talião, mas a lei da vida: aqui se faz, aqui se paga. Beijos carinhosos.
ResponderExcluirEu também! Sabe que, ultimamente, ando mais emotiva ainda e até não tenho gostado mais de sair de casa - cada cãozinho que eu vejo andando na rua, perto de trânsito, corta meu coração; os gatinhos abandonados na porta dos fundos do Cemitério da Penha me chocam... Acho que foi Leonardo da Vinci que disse que, um dia, o homem entenderia a linguagem dos animais e todo crime contra eles seria um crime contra a humanidade - e eu acredito que isso é verdade. Os animais não são coisas - tem sentimentos, ficam alegres, ficam triste, tem fome, sede, frio, medo... Nós, como a espécie mais evoluída do planeta, tínhamos que agir como seus tutores e não como seus feitores e carrascos...
ExcluirEnfim, tenho fé que, um dia, Deus nos ajude a evoluir e nos tornarmos melhores...
Beijos e um lindo final de semana, minha querida.
Ojala haya en el mundo no importa donde habitemos mas gente con el corazon abierto al amor por los animales siento tu mismo pesar :( Linda historia un abrazo fuerte <3
ResponderExcluirObrigada, Eli querida. Fico feliz que você veio de tão longe ler minha historinha e gostou. Beijos!
ExcluirOlha Rosa, eu acho que pessoas que fazem coisas como essa não são humanos. São monstros. Acho que não merecem viver. Eu era contra certas punições radicais, achava que sempre há esperança de redenção...etc... até que fiz um curso com um professor da USP onde estudamos a fratura de espírito de forma muito profunda e aprendi que é irrecuperável.
ResponderExcluirEntão, uma pessoa que chega a esse ponto, de não respeitar a vida de um animal (o que ele fez foi uma forma de assassinato) também não respeita a de ninguém, nem a sua própria.
Pelo mal que irá causar, não deveria permanecer na sociedade de maneira nenhuma: ou passar a vida toda reclusa ou então deixar de existir.
Isso é o que eu penso. Ando meio desiludida com a raça humana. Acho que como espécie somos algo ruim para o mundo, ando meio revoltada.
Desculpe o desabafo querida
Bjs
Às vezes eu atravesso períodos assim também, Doutora querida, de desilusão e tristeza. É fase, não se preocupe. A fé na humanidade é o que nos faz seguir em frente, senão a vida não teria sentido.
ExcluirBeijos e um ótimo fim de semana.
Colhemos tudo que plantamos, não é mesmo?
ResponderExcluirDurma com os anjos.
Beijo.
Obrigada, Rosangela querida! Tenha um lindo final de semana!
ExcluirOi Rosa,
ResponderExcluirLi seu comentário, muito bonito e comovente, um dia te conto a minha história também.
Não publiquei pois achei que você contava coisas muito pessoais e não queria que se sentisse exposta.
Muito Obrigada pelo carinho querida, você mora no meu coração. Pessoas como você me fazem pensar que ainda há esperança.
Bjs
Obrigada, Doutora. Não gosto de te ver triste, você é uma pessoa tão boa, que batalha por um mundo melhor e merece estar sempre feliz e em paz. Beijos.
ExcluirRosa, estou chorando, inevitável... Que história triste. Me consola constatar que Deus não dorme. Temos algo intrínseco no bom ser humano, que é o desejo de ver as pessoas más sendo punidas de alguma forma. Tenho vergonha de pensar assim, mas é isso que sinto e penso:'teve o que merecia'.
ResponderExcluirTodo temos histórias tristes para contar, e quando são da época de criança, elas tendem a se esvair com o tempo, ou a sábia natureza do coração, faz com que suportemos conviver com elas. Escreves muito bem, deverias ser escritora. Escreves com alma. Se falas de comida é com a alma, se falas de costuras, é com a alma, é assim com tudo. Gosto demais de ti, minha amiga.
Sei do sofrimento do teu coraçãozinho de criança tendo que conviver com o menino malvado, eu sei.
bjs
Ah, Lia, tão lindo tudo o que você me disse - você é muito boa. Também gosto muito de você, minha querida. Quanto a tudo o que eu escrevo - são só desabafos, lembranças, nada que tenha valor como literatura... O teu coração é que é bom.
ExcluirBeijos.