terça-feira, 5 de julho de 2016

A inventora do mundo



Já contei prá vocês o sufôco que foi comprar (e pagar...) a minha casinha, não contei? Bom, pelo menos praquelas pessoas que tiveram paciência de ler minha enxurrada de palavras...


Mas tudo o que se dá valor na vida é obtido com trabalho, sacrifício - garanto prá vocês que minhas bolsas de 50 reais são mais queridas e apreciadas do que as bolsas de 40 mil que a mulher do Cunha usa...

Um tempo depois de quitar a casa, de trocar aos pouquinhos uma mobília aqui, outra ali (substituindo aquelas feitas de serragem e cuspe originais por outras melhorzinhas...) eis que o Marildo resolveu passar adiante nosso chevetinho bege cansado de guerra e comprou um outro poizé, mais novinho, mais seguro prá carregar prá escola os filhinhos...

E esse poizé tinha lugar certo prá se pagar a prestação - não é como hoje, que tudo se resolve na internet: tinha que se deslocar até onde o Judas perdeu as cuecas prá pagar as contas.

Meu marido me pegava às 13 horas, na saída do meu trabalho de meio expediente, já com as crianças no carro, recém saídas da escola. 

Ele, naquele tempo, não almoçava: dava aula no período da manhã, sempre se atrasando pro serviço, então compensava o horário no almoço - pegava correndo as crianças na escola, pegava eu e nos largava seguros na porta de casa - ou, em dia de pagar conta, no metrô Penha.

A Financeira ficava numa travessa da rua da Consolação - me lembro que eu descia do metrô, caminhava um pedação, levando a filharada pelas mãos (todos de mãozinhas dadas, prá ninguém se perder...), passava em frente a uma joalheria onde havia uma vendedora meio velhona (mas inteirona...) que me olhava debochado de cima de seus saltos altos, olhos carregadíssimos de maquiagem, baforando sensualmente o cigarro meio de lado - ela pertencendo a um mundo, eu a outro... 

Subíamos de elevador até o quarto andar, eu pegava uma senha e - graças a Deus! - preparava um chocolate quente prás crianças (e um capuccino prá mim, obviamente...) na maquininha que eles tinham lá, grátis. Era hora do almoço, tava todo mundo morrendo de fome (às vezes, quando ninguém ficava me encarando, eu preparava mais um...).

Meus filhos adoravam esse dia - era uma aventura! Sempre foram crianças maravilhosas, tudo tava bom prá eles... 

Adoravam pegar metrô, andar de ônibus... Sentavam quietinhos, conversando entre eles, sem fazer alarde (vocês não acham chato estarem num lugar público e ter criança correndo prá todo lado, gritando, sendo malcriada? Nas férias passadas, no aeroporto, tinha uma família bem grande, gente aparentemente de muito dinheiro, que viajava com umas crianças horríveis, que ficavam pulando nos bancos, atrapalhando pessoas estranhas e falavam palavrões absurdos até pros próprios pais e eles continuavam conversando normalmente!). 

Eu dei muita sorte com os meus... 

Eu dizia uma vez: "Olha, pessoal, dentro de casa pode brincar à vontade, falar alto, se divertir, mas prá fora da porta tem que respeitar o espaço dos outros: tem que se comportar direitinho, falar baixo... A gente não tem raio x nos olhos, não sabe se a pessoa tá doente, tá triste e a gente pode acabar incomodando ela, tá bom? Sejam bonzinhos..." e eles entendiam e eram - exemplares...

Daí, toda vez que eu acabava de pagar, eles me perguntavam: "Mãe, hoje é dia de chá e pão de queijo, não é?" com aqueles olhinhos doces que me derretiam o coração e eu, mesmo com o dinheiro curto, sempre dava um jeito...

Pegávamos metrô até a estação República, íamos no Mister Mate (nem sei se ainda existe...) e cada um deles ganhava 10 pãezinhos de queijo e um chá gelado (o dinheiro nunca dava prá eu comprar prá mim, por mais que eu quisesse...).

Eles adoravam, se sentavam naqueles bancos compridos na borda do balcão, punham catchup, mostarda, pimenta (que os três adoram desde bem pequenos...) e me ofereciam: "Come também, mãezinha, tá uma delícia!" e eu respondia, mentindo prá eles: "Ich, não pessoal, a mamãe tá de barriga cheia! Uma mulher lá no trabalho levou bolo hoje, eu comi à beça!" - quando, na verdade, mal tinha tomado um golinho de café e filado um biscoito água e sal da mesa de alguém...

Outro dia mesmo eles estavam conversando entre eles, lembrando da delícia que eram esses dias - e eu pensei, dentro de mim, que eram deliciosos mesmo, abrir mão de um pão de queijo que eu podia ganhar de cada um só prá observar o prazer com que eles comiam até o último pedacinho de cada um deles...

Eu olho o mundo de hoje e vejo tanta gente criando os filhos de qualquer jeito - gente até que se arrepende de tê-los!

Vi na televisão outro dia que existe um site onde os pais podem desabafar anonimamente uns com os outros da tragédia e da desgraça que é, na vida deles, serem pais - do fato de terem mais gastos, mais preocupação, menos tempo prá si mesmos e eu pensei que isso era uma das coisas mais monstruosas que eu já ouvi na vida: gente do céu, existem anticoncepcionais, existem preservativos, existem cirurgias - prá quê ter filhos se não se quer tê-los?!!! Quem está obrigando essa gente a ter filhos, alguém sabe me dizer? 

De verdade: tem muita coisa que eu não entendo neste mundo...

Graças a Deus a grande maioria dos pais são exemplos de abnegação e de amor - os maus são moscas brancas, exceções da regra.

Agora: eu também sou uma exceção, mas no lado oposto (e espero mais brilhante...) desse espectro...

Meus filhos eram pequenos e eu percebia que gostavam de uma música - daí eu dizia: "Você gosta dessa música, amor? A mamãe que compôs ela prá você!" e eles, sempre inteligentes, diziam: "Mas essa música não foi o Queen quem fez, mamãe? Você tá mentindo..." ...

E eu respondia assim:

-"Ah, mas é que, no futuro, a mamãe vai inventar a máquina de viajar no tempo, vai voltar pro passado e vai largar essa música bonitinha na mesa do Freddy Mercury e ele vai cantar ela prá fazer vocês felizes...".

E foi assim que eu escrevi todas as músicas que eles gostam, cada livro que eles leram (ou que li prá eles, como todas as sagas do Harry Potter, do Senhor dos Anéis, Eragon, Guerra de Tronos, os livros da Agatha Christie...), desenhei cada anime e cada cartoon, escrevi o roteiro de cada filme que já assistiram ou vão assistir na vida!

Algumas vezes eu respondo que a mamãe Rosa de um outro Universo paralelo é que veio até este nosso Universo aqui prá fazer tudo isso - só porque lá no Universo dela ela não tem filhos e também acabou se apaixonando pelos meus, que seriam dela se ela tivesse tido a sorte de nascer no meu lugar...

Outras vezes eu digo que daqui cem anos, quando eu morrer, Deus vai me transformar num anjo e, em troca dos meus bons serviços prestados, vai me deixar viajar pelo tempo e inspirar os inventores e criadores de tudo o que eles gostam: a química da atmosfera prá fazer os mais belos nascer e pôr do sol, o perfume de cada uma das flores que eles apreciam, as frutas, os chocolates - sou eu que vou criar geneticamente o primeiro pé de batata prá eles poderem se deliciar comendo elas fritinhas...

Eu é que vou juntar os casais que vão gerar os filhos e filhas por quem eles vão se apaixonar, que vão fazê-los felizes...

E não é porque não são verdades, que todas essas coisas chegam a ser mentiras: são apenas os mais caros desejos do meu coração de participar de tudo o que eles gostam na vida, de ter uma pontinha de responsabilidade que seja minha em tudo o que eles considerarem felicidade.

Deus me perdoa por esta falta - se é que se pode chamar de falta algo tão bobinho... Jamais lucrei com nada disso - só sorrisos lindos dos meus bebezinhos, rindo das bobagens da sua mãezinha... 

Meus filhos sempre souberam a verdade, afinal de contas.

Pelo menos a verdade que realmente importa: que eles três são minha vida. 
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11 comentários:

  1. Rosa, grande abraço para si.
    Como eu compreendo a sua filosofia de mãe. MÃE pobre, e tão Rica de valores morais, e de amor maternal. Prescindia até do alimento, para que os filhinhos o comêssem no todo.
    Que ternura, que mãe maravilhosa. Por isso os seus filhos também são uns amores, lá está nos genes, a boa "poção."

    Conheço mais algumas mães como a Rosa, mas infelizmente não muitas. E actualmente, só se ouve contar tristezas, em que o amor maternal é muito reduzido.

    Minha mãe também passou muito, e para que eu tivesse, prescindia ela. Eu era criança, e para mim era sempre o melhor bocadinho, enquanto ela dava desculpa que preferia só a sopa.

    Rosa, querida senhora,mais um abraço, e bem forte.
    Dilita

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  2. Rosinha, boa tarde!
    Ontem parei na postagem anterior e voltei só hoje, para reler este post e te dizer que se o pão de queijo me pedisse em casamento, eu casava com ele. Eu me mato por um pão de queijo e me vi, assim como os teus filhotes amados, sentadinha, comendo um pãozinho de queijo.
    Antigamente, passear 'na cidade', como se dizia, era um evento.
    E olhe só, até hoje, eu me lembro colorido, como se fosse ao vivo, dos passeios no centro de São Paulo com a minha mãe, e depois de tudo resolvido por lá, inclusive a ida na Botica ao Veado D'oro, antes de voltarmos para casa, ela me levava em uma pastelaria. E eu comia assim mesmo, no banco do balcão. Como era bom... estas lembranças que os pais nos proporcionam na vida não tem preço que pague. Ficam eternizadas nas células dos filhos!
    Beijos querida, ótimos e alegres dias.

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  3. Rosinha querida, um desfio para ti - publica as tuas memórias. Tens a candura do que é autêntico e um coração do tamanho o mundo.
    Os talentos, na minha opinião, chamam talentos. Assim, costureira, cozinheira, electricista, enfermeira, economista, cabeleireira ... por que não escritora?
    Comprarei o livro, com a condição de que a auora o autografe para mim!
    Beijinhos, linda!

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  4. Que linda declaração de amor aos seus filhos...
    Educar filhos é uma verdadeira arte, hoje em dia o pessoal anda terceirizando os filhos...ficam ao cargo da escola, da empregada e da televisão (ou computador)...e acho que não está dando certo não...
    Rosa querida, espero que esteja melhor!
    Bjs

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  5. A maternidade é DIVINA!! Só Deus mesmo para criar, nos proporcionar algo tão bom na vida da gente! Como aprendemos com nossos filhos, nos ajudam a nos atualizar, a fazer escolhas melhores, mais sábias pensando neles. Eu sou eternamente grata a Deus por ter me confiado os meus filhos.

    Lindas as suas histórias de vida, de suas experiências como mulher e como mãe.

    Bjs

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  6. Rosa...um dia serás uma estrelinha do firmamento...continuando atenta ao caminhar dos teus amores...recordada com amor...carinho e respeito e sinceramente...espero que eu também possa ser assim!
    És uma pessoa maravilhosa e teus textos envolvem_nos e emocionam_nos!!! Bj amigo

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  7. Rosa...um dia serás uma estrelinha do firmamento...continuando atenta ao caminhar dos teus amores...recordada com amor...carinho e respeito e sinceramente...espero que eu também possa ser assim!
    És uma pessoa maravilhosa e teus textos envolvem_nos e emocionam_nos!!! Bj amigo

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  8. Rosa você é um anjo ! Só que você não se deu conta ainda !Tem gente que nasce para fazer o bem para emanar coisas boas . essa é você . Um abraço grande .

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  9. Oh Rosa, quanta amor a gente consegue sentir em suas palavras. Seus filhos também são muito sortudos em ter você como mãe. A química de vocês é perfeita, não é atoa que eles são uma benção para você e vice versa. Tem gente que nasceu para ser mãe e que tem um coração lindo, uma dessa é você! Amo demais suas histórias de vida, me faz refletir, rir, analisar, me emocionar... Obrigada por compartilhar conosco! bjsssss

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  10. Emocionante!
    Encantante rsrs
    Que lindooo!!!
    Tocou minha alma nessa manhã!
    Estava procurando crochê e encontrei uma preciosidade!
    Não existe sentimento tão sublime, como o de amar nossos filhos!
    Deus abençoe!!!

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  11. Emocionante!
    Encantante rsrs
    Que lindooo!!!
    Tocou minha alma nessa manhã!
    Estava procurando crochê e encontrei uma preciosidade!
    Não existe sentimento tão sublime, como o de amar nossos filhos!
    Deus abençoe!!!

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