quarta-feira, 15 de junho de 2016

Fresta de luz



Não sei se já contei prá vocês, mas Deus nunca me deixa na mão. 


Primeiro me deu a melhor mãe e a melhor avó do mundo, fazendo com que, mesmo em meio à miséria e a fome, nunca me faltasse carinho e encorajamento. 

Depois porque fez de mim uma solucionadora de problemas nata: quando quebra uma coisa, quando algo precisa ser feito, começa um tic-tac dentro da minha cabeça, cronometrando em quanto tempo eu conserto, resolvo ou faço o que precisa ser feito. Não espero ninguém tomar a frente: arregaço as mangas e parto prá solução. Tanto que, geralmente aqui em casa, meu marido e meus filhos me chamam sempre em qualquer coisa que vão fazer, mesmo se envolver força física (qualidade que, infelizmente, me falta...) só prá eu ficar sentada num banquinho dando ideias. É isso que Deus fez de mim: uma fonte inesgotável de ideias.

Mas se fosse só isso que Deus fez de mim, que vantagem eu teria? Porque - convenhamos... - existem problemas sem  solução na vida, para os quais a melhor das cabeças fica totalmente vazia. 

A tristeza que se abate sobre nós, às vezes, por exemplo - especialmente a tristeza que vem da impotência em poder resolver um problema que aflige a quem amamos ou aquela que nos atormenta quando olhamos o mundo à nossa volta e vemos tanto por fazer, tanto sofrimento, tanta dor... 

Às vezes a vida parece um problema absurdo, absolutamente sem solução...

Pois justamente nessas horas surge a mão do Pai do Céu a guiar minhas mãos e meus pés, me levando de volta pro caminho certo, me pondo no rumo.

Sábado passado eu saí com o Marildo prá comprar meu presente de Dia dos Namorados - não me perguntem o que dei prá ele, pois eu digo mesmo assim: nada. A máquina de tricô tá fechadinha por causa da reforma, então estou devendo  (até agora) dois presentes: o do aniversário dele (que foi dia 31 de maio passado) e o do Dia dos Namorados. Bom, quem mandou ser casado com uma "reles" dona de casa, sem dinheiro no banco nem nada: tem que esperar pelo presentinho feito por mim - fazer o quê, né?

Continuando: eu escolhi de presente comprar tecido prá fazer uma cortina nova pro meu novo quarto - pois me mudei prá parte de baixo da casa prá não ter que descer de bengalinha as escadas durante a noite, prá ir no banheiro... Meu atual quarto já tinha sido meu quarto antes, quando a gente mudou prá esta casa - mas aí ela aumentou de tamanho e construímos prá nós um quarto com o dobro do tamanho no andar de cima, com uma parede inteira de janela, igual nos filmes, com vidro de porta de banco (que é pros bandidos não quebrarem e entrarem...).

Esse quarto agora vai ser dos filhos - sim, o rapaz e as duas mocinhas vão dividir o mesmo espaço, pois se adoram e não reclamam de ficarem juntos. Aliás, parecem até uma pessoa dividida em três, de tão bem que se dão. Vão poder jogar vídeo game por horas e horas, vão poder varar a noite fazendo corujão de filmes, pois no quarto cabem com sobra os guarda-roupas, as camas, um sofazão reclinável que estica as pernas e uma TV de telão - que eles merecem. Maior que muito apartamento por aí, só que sem paredes prá separar os espaços - tudo fruto de muito trabalho e prestações, aliás, como é tudo que gente trabalhadora consegue na vida. 

Voltando ao sábado passado: lá estávamos nós no centro da Penha lotado - devido ao Dia dos Namorados no dia seguinte - o trânsito escorrendo lento, o Marildo nervoso, buzinando (nunca tá tranquilo esse homem, detesta sair de casa...). 

Quando a gente chegou com o carro no Largo do Rosário ele decidiu que a gente não devia estacionar no Shopping Penha, que devia estar lotado: me mandou descer do carro e ir comer minhas burundangas na lanchonete de chinês que eu gosto, que fica do ladinho das Pernambucanas. Disse que ia estacionar na igreja e que vinha me encontrar.

Me deu dinheiro e lá fui eu, sozinha (detesto andar sozinha...). Entrei na lanchonete, pedi minha empadona de palmito (que o Marildo chama de empadona de alho, pois não se acha um palmito sequer dentro, só mingau de alho com leite e maisena - ele tá certo mesmo, mas eu gosto mesmo assim, pois sou uma velha mixuruca) e uma fogazza de queijo, uma Coca Cola de 600 ml e me sento prá comer numa banquetinha no balcão. Fico comendo devagarinho, reparando no ambiente, no senhor chinês que lava os copos cantarolando uma música que eu nunca ouvi, nos dois rapazes que fritam os salgados, conversando em chinês um com o outro, na senhora chinesa que atende - a única que fala um pouco de português (e aqui me permitam um aparte: eu poderia contar diversas histórias somente desse pouco tempo em que fiquei ali, na lanchonete, sobre coisas que reparei nos donos, nos fregueses... Se eu sair prá comprar banana na feira, vai ter história - dizem meus filhos. Mas eu não tenho culpa, nasci prestando atenção em tudo...).

Comi meus salgados e nada do Marildo. Paguei. Fui prá porta, decidida a pegar o celular e ligar prá ele, com minha Coca Cola na mão (eu sempre como os salgados primeiro e vou me deliciando devagarinho com a minha coquinha, dando bicadinhas no canudinho) quando...

Lembram que eu contei, umas postagens prá trás, de um rapaz de quem o Marildo "comprou" umas balinhas e deixou prá pegar outro dia? Pois então: o mesmo rapaz, me vendo parada ali na porta, chegou prá mim prá vender chocolates. 

Bom, eu tinha acabado de receber um troquinho de 7 reais na lanchonete: uma nota de cinco e um punhado de moedas, que joguei de qualquer jeito no bolsinho de frente da minha bolsa. Como um dos chocolates custava dois reais eu parei e comecei a remexer no fundo do bolsinho, a fim de achar as moedas e comprar um chocolatinho de sobremesa (vejam a diferença entre a minha bondade e a do Marildo: ele paga 5 reais e não leva nada, eu ia pagar só dois e queria o docinho... Zoiúda...).

As moedinhas escapavam dos meus dedos, a Coca cola balançava na minha outra mão... O rapaz ficava dizendo: "Quer que eu segure a Coca Cola prá senhora?" e eu dizia que não e o celular começou a tocar e eu não achava as moedas!

Ele deve ter visto a nota de cinco passeando prá lá e prá cá no bolsinho e me disse assim:

-"Moça, por favor, me compra três chocolates por cinco..."

E só aí eu olhei pros chocolates: só tinha Prestígio. Detesto Prestígio, me faz mal, fico arrotando côco o dia todo, um horror na minha vida. Falei prá ele que não gostava desse chocolate e ele, se desculpando, disse prá mim:

-"Perdão, moça, é que os guardas me tomaram todos os outros doces, só fiquei com estes...", aludindo aos policiais que fiscalizam o comércio ambulante ilegal...

De um estalo uma voz nos meus ouvidos me disse: "Rosa, você tem três filhos, leva um chocolate prá cada, que prá eles não faz mal..." e eu catei a nota de cinco e comprei. Daí um segundo estalo me deu e eu me toquei que o rapaz tinha repetido por várias vezes se podia me segurar a Coca Cola e eu disse assim:

-"Você quer acabar com essa Coca Cola prá mim? Eu não estou com sede" - uma mentira deslavada, pois Coca Cola é o meu "brebrotinho", minha coisinha gostosa da qual eu não abro mão na vida, que é uma delícia no primeiro gole que entra na boca, com aquelas pinicadinhas doces e ácidas pela minha língua toda, me fazendo feliz mesmo me fazendo mal... - e ele, todo feliz, me responde:

-"Posso mesmo, moça? Puxa, obrigada, tava morrendo de vontade, acho que sua Coca Cola corria até o risco de cair da sua mão, de tanto que eu tava secando ela...". 

Daí peguei os três chocolates, liguei pro Marildo - mas a história não acabou por aí...

O rapaz deu um gole satisfeito na Coca Cola e continuou parado ali, do meu lado, parecia estar criando coragem (e eu pensei, amedrontada, que não tinha dinheiro prá ele levar, caso quisesse me furtar - ou algo assim... Essa vida moderna, cheia de violência e insegurança, faz a gente temer cada coisa!)...

Ele olhou bem nos meus olhos, recuperou a voz depois dum golinho de Coca e me disse:

-"Eu já conheço a senhora, não conheço, moça?"

E eu respondi que costumava passar por ali, de vez em quando, uns dias atrás eu estava por ali com meu marido, mas ele disse que já tinha visto EU sozinha, no metrô Penha...

-"A senhora não tá lembrada de mim, moça? Uma vez - eu não me esqueço - a senhora me comprou um lanche lá no metrô..." e foi aí que caiu a ficha! 

Sempre que eu vou no médico eu acabo voltando de metrô até a Penha. Quando eu começo a descer as escadas rolantes, a fim de pegar o ônibus até em casa, nas escadas já me chega o cheirinho dos pães de queijo dos quiosques - que de queijo não tem nada (meu marido diz...) mas que eu acho tão cheirosos, tão fofinhos e macios - e tão baratinhos, com um, dois reais você compra um saquinho deles... E eu sempre compro, prá ir comendo no caminho...

Sempre tem alguém perto dos quiosques, pedindo um trocado - normalmente eu não dou, pois sei que vão comprar drogas (mais uma diferença gritante entre eu e o Marildo: ele dá o dinheiro SEMPRE, pois prá ele interessa o ato de dar: o que a pessoa vai fazer com o dinheiro fica entre ela e Deus - ele diz...). 

Uma vez tinha um garoto, muito mal agasalhado, descalço, sentado no pé do quiosque, sem pedir nada. Os olhos dele me chamaram muito a atenção - pareciam em brasa (sinal de ser usuário de drogas, com certeza...). Mas ele tremia - apesar de não fazer frio - e seu rosto era tão encovadinho, os olhos em fogo pareciam querer saltar da cara, injetados, era tão magrinho que parecia que ia quebrar no meio... 

Ele não pedia nada e eu não sei explicar porque cargas d'água eu fiz o que fiz: pedi prá atendente um copo de café com leite e uma coxinha (sempre compro coxinha, pois a gente não sabe o estado dos dentes da pessoa e coxinha é sempre macia de mastigar...) e entreguei nas mãos dele. Fui embora e me lembrei daquilo por muito tempo - até que esqueci. Até que ele me lembrou!

-"Me desculpa, menino, mas eu não me lembro muito bem, acho que tô ficando velha..." - eu menti, prá não constranger o rapaz com a minha lembrança.

-"Tá velha não, moça... Olha, eu agora tô bem melhor, tô indo na igreja, os padres tão me ajudando...".

E eu respondi "Que bom! Que Deus te abençoe..." e fui andando em direção ao Marildo, que vinha vindo na calçada oposta.

Meu passo estava mais leve, meu coração tinha asas!

Deus havia mandado uma fresta de luz atravessando as nuvens escuras dos meus pensamentos de dias anteriores... Nem contei pro Marildo, guardei só prá mim...

Comprei o tecido (lindo, como eu sonhava...):


e já fiz a cortina pro meu quarto:

Na hora de colocar a cortina...

A gente dá uma escondida no suporte do varão, desse jeito aí...

Não ficou linda? Bem florida, bem romântica! Ainda me sobrou tecido prá fazer 3 almofadas prá sala...


Fiz os forros das almofadas de modo bem simples de por e tirar, sem perder tempo com zíper, do jeito que se faz fronhas...

forrei a banqueta da minha penteadeira...


e ainda tenho pano prá fazer mais coisas. 

Bendito sábado maravilhoso! Amei tudo, amei meu Dia dos Namorados. Não fui comer em restaurante 5 estrelas - como meus filhos achavam que a gente deveria ir - mas alimentei o coração.

Foi dia de relembrar todos os presentes de Deus na minha vida - pois, às vezes, por estarem tão presentes, se tornam invisíveis... Além da minha mãe e da minha avó, tenho também os meus filhos e meu Marildo, a me darem carinho e encorajamento. 

Tenho projetos e mais projetos a me ocuparem o tempo, obrigando o tic tac a não parar nunca dentro da minha cabeça, multiplicando as ideias e fazendo a vida passar de modo produtivo - e o trabalho é sempre um bom remédio...

É assim que a bondade divina não permite que a tristeza faça usucapião da minha alma: ela me visita, eu choro abraçada nela, é até minha companheira (eu não seria quem sou sem a minha tristeza) - mas Deus não deixa ela ser dona de mim!
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13 comentários:

  1. Olá boa tarde
    Fiquei deliciada com a sua história. Parabéns, você é uma pessoa maravilhosa.
    Vou tentar não perder o seu blogue que só agora conheci.
    Um abraço aqui de Portugal
    Linda

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  2. Amiga querida, o que dizer diante do que você relatou? Rosa, seu nome é AMOR. Não há comentário que caiba aqui. Só amor. Grande beijo, neste coração imenso.

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  3. Minha querida, eu não sei se é Deus, se são as circunstâncias se é a Natureza - chamemos-lhe o que calhar. O que sei é que tudo acaba por se encaixar.
    Ler os seus textos é um profundo e completo deleite, Rosinha. Você insiste em dizer que eu sou chique e eu retribuo dizendo que você é única, literalmente . Não conheço ninguém igual!
    A cortina ficou maravilhosa. Gostei muito, muito. Não dá para fazer almofadas para a cama? (Olha eu dando opinião sem tu pedires!)
    Minha querida, obrigada pelo seu comentário sempre carinhoso e por este texto lindo.
    1000 beijos

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  4. Querida Rosa, a tempos tento te escrever alguma coisa e me faltam palavras. Devo confessar que escrever não é o meu forte. Até o começo do mês, eu trabalhava próximo ao metrô Penha e cheguei a sentir o cheirinho dos pães de queijo enquanto lia seu lindo texto. Me lembrei dos meus alunos que sempre iam comigo até o metrô fazendo questão de me acompanhar dizendo que depois de um certo horário aquele trecho entre a Major Ângelo Zanchi e o metrô Penha era perigoso. No inicio deste mês engrossei a fila dos desempregados e como admiro muito o seu trabalho, gostaria de pedir sua autorização para confeccionar os modelos que você posta no seu blog para que eu possa comercializá-los. Continuarei te acompanhando porque gosto demais do jeito que você escreve e já chorei e ri muito com você. Um grande abraço. Silvana.

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  5. Rosa, que linda história e que beleza de cortina!
    Ficou show!!! Adorei a estampa, bem feminina e romântica...
    Bjs

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  6. Rosa...suas descrições são maravilhosas pois acaba por nos envolver no enredo!
    Adorei o estampado florido...num estilo romântico e amei as almofadas e o assento do banquinho!
    Bj amigo e se gosta de doces...espreite as sugestões deliciosas de hoje!

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  7. Olá Rosa, eu sempre viajo e fico impressionada com suas histórias de vida! O tecido é lindo, a cortina ficou maravilhosa e as outras peças também. Que Deus continue te dando forças, ideias e ânimo para manter a tristeza bem longe!

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  8. Como é bom ler você, querida Rosa... Tudo que você faz é lindo, e você, uma pessoa maravilhosa, basta ler suas palavras, reflexo do seu bondoso coração.
    Um abraço emocionado
    Teresa

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  9. Oi, Rosa

    Achei linda a cortina e as almofadas na estampa estilo vintage, achei de muito bom gosto. Parabéns, o feitio está impecável.

    Pois é, Rosa, basta sairmos um pouco para as ruas para vermos quanto auxílio podemos oferecer, por mais simples que seja, por mais que pareça insignificante! aliás fazer o Bem nunca é insignificante e nos põe em um estado de alegria interior que não espera recompensa nem gratidão.

    Sobre o chocolate Prestígio...hummmm...ADORO!! um dos meus preferidos além de Diamante Negro, Galak, Kri, Malchoc, Língua de Gato e etc...Quanto a Coca-Cola...deixo todas p/você (rsrs) pois não aprecio o gosto e a sensação de estufamento que me dá no estômago. Mas ... o que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho, não?

    Boa semana para ti.
    Beijos

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  10. Oi Rosa, boa noite!
    Que história envolvente, para não parar de ler, do começo ao fim. E eu lembrei sim do rapaz, na outra postagem. Logo pensei nele.
    Tecidos com motivos florais me encantam, fico leve e parece que sinto o perfume das flores.
    A cortina, almofadas e a assento da banqueta, ficaram belíssimos e muito bem feitos, muito capricho e amor, com toda a certeza.
    Um beijo querida Rosa e dias felizes.

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  11. Ah Rosa, a nossa casinha pode ser o melhor lugar do mundo, mas fora dela é que a vida se mostra de verdade não é mesmo?
    Tenho que aprender com você a observar mais o que acontece á minha volta. Mas na correria contra o relógio fica tão difícil...
    As almofadas e cortinas são lindas, muito alegres mesmo!
    um beijo!

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  12. Rosa, somos mesmo parecidas. Li a seu relato de quando sonhava e comprou a casa - comigo foi a mesma coisa. Se contasse, daria até para dar um control c + control v em seu texto de tâo parecida a história e os sentimentos. Também adoro salgadinhos de palmito que é a mais pura verdade, de palmito só um creminho dentro. Também adoro coxinhas e quando saio para umas comprinhas - sempre de tecidos - paro para comer uma. Acho que se te encontrasse na rua, de longe te reconheceria sem nunca tê-la visto antes de tão familiar que já é para mim. Bjs

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  13. Rosa, somos mesmo parecidas. Li a seu relato de quando sonhava e comprou a casa - comigo foi a mesma coisa. Se contasse, daria até para dar um control c + control v em seu texto de tâo parecida a história e os sentimentos. Também adoro salgadinhos de palmito que é a mais pura verdade, de palmito só um creminho dentro. Também adoro coxinhas e quando saio para umas comprinhas - sempre de tecidos - paro para comer uma. Acho que se te encontrasse na rua, de longe te reconheceria sem nunca tê-la visto antes de tão familiar que já é para mim. Bjs

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