sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Alçando voo


O primeiro dia de aula da minha Lola foi assim: eu avisei minha chefe no trabalho que eu ia acompanhar minha filhinha que estava entrando na escola (ela odiou, me fez repor o horário atrasado...). Fomos eu e o "Marildo" levar a bambina na escola - um colégio muito bom em Guarulhos, chamado Juvenal de Campos... - e uma das professoras a pegou pela mão e levou até o pátio, junto das outras crianças. Eu fiquei de longe espiando minha magrelinha, tão minúscula no meio do mundaréu de crianças - ela, de longe, me procurando nervosa com seus olhinhos de índia, toda tímida... Num palco uma das professoras falava coisas engraçadas prá quebrar o gelo, tocaram músicas e meu marido foi me levando pela mão, embora dali, prá longe do meu bebê...


Cheguei no trabalho atrasada, a fila de gente prá eu atender estava enorme... Minha amiga Carolina, Assistente Social, cobria a minha falta o melhor que podia, mas a fila crescia e crescia... Assumi meu posto, atendi um segurado após o outro - e fiquei só...

Avisei minha chefe que precisava ir no banheiro e saí, apressada como se fosse ter um piriri daqueles...

Minha amiga Neusa - também Assistente Social... - veio atrás de mim, com aquela intuição de amiga, sabendo que eu não estava bem...

-"Ah, Neusinha!!!" - eu disse, desabando nos braços dela, chorando feito criança... - "O que vai ser dela, da minha Lolinha? Hoje ela tá entrando pro mundo e eu não vou estar do lado dela prá proteger... E se alguma criança for má com ela, se alguém a tratar mal, o que que eu faço???"

E a Neusa, como boa católica que é, me lembrou que o Pai dela, que está nos céus, tava tomando conta...

Até hoje ela lembra disso e zomba de mim, da minha choradeira, rindo de mim sem dó nem piedade, essa malvada... Outro dia, a gente conversando por telefone, ela tava toda insegura da vida, pois seu único filho está se formando em Engenharia de Computação mas vai ser mesmo é piloto de avião. Com a herança que recebeu pela morte do pai o rapaz pagou um curso atrás do outro e já sobrevoa a cidade de avião toda semana - e ela apavorada, olhando pro céu, cheia de medo. Daí foi a minha vez de dizer prá ela confiar no Pai do Céu...

Mas - verdade seja dita - existem todos os tipos de mãe. Eu e ela somos do tipo preocupada ao extremo, que participa de tudo o que pode, que tá sempre presente (até quando eles nem precisam tanto...). Sofri quando voltei das licenças maternidades de cada um deles. Cada um que entrou na escola. Cada dentinho que ajudei a arrancar com o fio de linha amarrado na maçaneta da porta...

Assisti com eles todos os desenhos que eles assistiram. Li os mesmos livros (a maioria eu mesma que li prá eles...), ouvi as mesmas músicas, assisti os mesmos filmes... Conheci todos os amigos, as professoras...

Eu sempre soube quando eles gostavam de alguém, quando alguém gostava deles - antes deles mesmos saberem disso (coração de mãe tem bola de cristal embutido, sabe como é...).

Quando a Lola decidiu que ia estudar Artes Visuais (ao invés de Publicidade), contra a vontade do pai, eu não apenas a apoiei: comprei guache, aquarela, nanquim, carvão e ensinei a usar os materiais, prá ela ir bem na prova prática - e ela arrasou!

Sempre ajudei meu Ike a estudar prás provas - especialmente História e Geografia, matérias mais decorativas que, com sua mentalidade mais prás matérias exatas, ele tinha mais dificuldade de fixar. Passou em Mecatrônica na USP de primeira, sem cursinho - e se formou segundo da turma...

Quando ele tirou carta de motorista foi assim: carta na mão e nenhuma prática - meu marido nunca achou tempo de ensinar os filhos a aprenderem a dirigir, então eles entravam na Auto-escola e aprendiam mal-e-porcamente o básico. Saiu de carta na mão e medo de pegar estrada...

Na primeira semana eu fui com ele prá faculdade todo dia. Nuns dias eu deixava tudo encaminhado em casa e ficava com ele o dia todo no carro, esperando a aula acabar prá voltar com ele prá casa, ouvindo música e fazendo tricô... Outros dias eu deixava ele lá, pegava ônibus e metrô prá voltar prá casa, fazia o almoço e voltava prá USP, prá ser co-piloto dele de novo no final do dia... 

Nestas últimas semanas, depois que a gente voltou da viagem pro Nordeste, minha Naninha precisou adquirir prática no volante, pois só sabia andar pelas ruas tranquilas aqui do bairro. Foi um mês muito difícil prá mim, repleto de pesadelos com a minha menina indo da Penha prá Santo André sozinha, sendo que nem até o centro do nosso bairro ela sabia ir...

Meu marido e meu filho se incumbiram de andar com ela de carro prá pegar prática no final do expediente de trabalho e nos finais de semana - "Ótimo - eu pensei - eles sabem dirigir, precisam fazer isso dar certo o quanto antes...".

E lá estava eu varrendo a garagem - e eles passavam de carro na nossa rua, devagarinho, a Nana com a cara de estressada, dando volta após volta no quarteirão. Quando eu dizia pro "Marildo" porque ele não andava com ela pro centro da Penha, porque não ia dar umas voltas na Amador Bueno ou na Av. São Miguel ele - ultra nervoso e irritado! - me respondia que a menina tava crua de tudo, não tinha condição de dirigir prá canto nenhum, que deixava o carro morrer o tempo todo, que não sabia mudar de marcha, estacionar, não sabia nada! Que ia ter que continuar indo prá faculdade de ônibus-metrô-trem-ônibus. Perder quase cinco horas por dia no transporte público, como tem feito há 4 anos...

Só que neste quinto ano da Faculdade de Medicina as coisas ficaram muito mais difíceis prá ela... Agora começa o internado, com plantões absurdos das sete da noite às sete da manhã, das 3 da tarde até as 3 da madrugada - do jeito que for sorteado. Madrugadas em hospitais públicos, com plantões nas Unidades Básicas de Saúde logo em seguida - chegando até a ter plantões de 36 horas consecutivas!!! Como ela conseguiria fazer isso sem dirigir carro? Não tem transporte público às 3 da madrugada! Não tem como chegar na UBS a tempo do plantão depois de sair do Hospital sem ter carro!!!

Tem horas que só a chorona mãe super-protetora, aquela que não sabe dirigir nem carrinho de sorvete, sabe a atitude certa a ser tomada...

Avisei meu marido que ela precisava treinar durante o dia e que o serviço de casa ia ficar prá depois, que minha prioridade era ajudar a menina a treinar sendo co-piloto - a casa ficou de pernas pro ar...

Ele achou bom, quem sabe com o aumento de "voltas pelo quarteirão" a menina pegava prática...

Já no primeiro dia eu falei assim prá ela: "Você já não tá cansada de dar voltas pelo quarteirão? Porque eu acho que você já deve tá craque, se houvesse um campeonato de voltas pelo quarteirão você ganhava, filha... Que tal se a gente experimentasse algo novo..."

E ela, insegura, achava melhor não - mas acabou topando (porque eu sou insistente...).

Levei ela prá andar pela Carvalho Pinto, com seu trânsito sempre intenso, e disse assim prá ela:

-"Tá vendo esse monte de carros em volta de nós? Toda essa gente quer chegar em segurança no seu local de destino, nenhum deles quer bater no carro de ninguém, nem mesmo arranhar o próprio carro, prá não ter dor de cabeça, ter prejuízo, estragar o dia... Todo mundo quer fazer o seu melhor (exceto quem é maluco ou tá bêbado ou drogado, mas com esses a gente não pode fazer nada, seja o que Deus quiser...).

Tá vendo a pista mais da esquerda? É prá quem tem pressa. Deixa essa pista pros outros, pois você ainda não tem prática nem segurança prá ter pressa. 

Já viu aquelas velhinhas de oitenta anos que ainda dirigem? Andando devagarinho, segurando o volante com força com as mãozinhas todas enrugadinhas - e o povo passando por elas buzinando, reclamando... Agora, no comecinho, você é uma velhinha de oitenta anos no volante, filha... Vai dirigir abaixo da velocidade permitida, prestando atenção em tudo à tua volta, dando espaço pros outros te ultrapassarem, não ligando prás buzinadas dos que reclamam, seguindo em paz o teu caminho.

Aliás, teu pai reclama demais sem motivo. Tenho certeza que todo mundo, quando começou a dirigir, deixava o carro morrer e só foi pegando o jeito mesmo com a prática. Quem critica se esqueceu como foi no seu próprio comecinho - então não liga. Faz o teu melhor que tudo vai dar certo!"

A mesma conversa que tive com meu garoto, anos antes, quando foi a vez dele...

Naquele dia fiz ela dirigir até o Shopping Penha, entrar, estacionar, sair, ir até o metrô, voltar prá casa, pegar todas as ladeiras do nosso bairro - até fiz a tadinha andar um trecho na contra-mão, que eu não sabia que tinha mudado (mas deu tudo certo, graças a Deus...).

Dois dias depois fiz ela me levar, pela Radial Leste, até o bairro da Liberdade - lá ela estacionou, a gente passeou a pé por meia hora, voltamos prá casa novamente pela Radial Leste lotada de carros...

Segunda-feira passada foi seu retorno às aulas - e eu fui com ela. Passei o dia no carro, sentada lendo (que não estou podendo fazer tricô nem crochê, minhas mãos andam muito ruins da artrite...). Na terça e na quarta meu marido fez a Lola ir com ela por insistência minha - pois eu tinha medo dela não saber lidar direito com o novo GPS e a Lola está em casa estudando prá prestar concurso, pode estudar sentadinha na Faculdade e acompanhar a irmã - família é prá essas coisas.

Ontem ela foi e voltou sozinha - até pôs gasolina no posto sozinha. Tá se virando muito bem, diga-se de passagem. Tira e coloca o carro da garagem em um único movimento (garagem estreita prá dois carros...) coisa que o pai dela, que a critica tanto, não consegue fazer com todos os seus anos de prática.

A Lola me contou que, quando a Naninha soube que ia ter que andar de carro comigo prá pegar prática, ficou com medo de críticas - pois já estava cheia das que recebia do pai e do irmão... A Lola disse que falou prá ela: "se você acha que a mamãe vai te fazer andar pelo quarteirão pode tirar o cavalinho da chuva... A mamãe vai te fazer rodar por aí de verdade...

Sempre tem um filho que nos conhece mais... 

Mesmo assim eu mal tenho dormido de preocupação. Quando estou sozinha, dou aquelas choradinhas básicas prá esvaziar os olhos e o coração de tanta coisa que fica rodando e rodando dentro de mim...

É meio surreal ver minha menininha no volante do carro...

Mais uma vez sinto o coração apertado - "minha filha está ganhando o mundo, o que vai ser dela, meu Senhor...".

Mas me lembro que é nas dificuldades que a gente demonstra a fé - e vamos seguindo nosso caminho, um dia depois do outro, ela se esforçando e eu rezando o tempo todo...

Mais surreal ainda ver como, em poucos dias, com o empurrão da velha, ela adquiriu desenvoltura e segurança. 



Se eu fosse uma mamãe-pássaro, eu seria do tipo que protege até onde dá prá proteger, mas na hora de aprender a voar, ajudo os filhinhos a pularem prá fora do ninho (já que não tem jeito mesmo e eu não vou viver prá sempre prá carregá-los comigo...).

Ainda não estou obsoleta. Ainda precisam de mim, ainda sou útil. 

Sou tão feliz...


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21 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Ah filhos, como não tê-los?

      Bjs

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    2. Eu não sei, só consigo agradecer a Deus por tê-los, Fatinha querida... Beijos!

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  2. Rosinha querida, mãe é sempre, mas sempre útil, nunca fica obsoleta, mãe é única, mesmo aquelas que não são tão
    amorosas, beijo amiga, bom fim de semana amiga

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  3. Rosinha és uma linda! Mãezinha querida desses meninos!
    Entendo essa felicidade.
    Beijinhos

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  4. Rosa, você é mesmo uma mãezona isso sim!! Prepara os filhos para viverem a vida plenamente, livres e confiantes, mesmo que pra isso, você tenha que sofrer. Parabéns! bjss

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    1. Você também é assim que eu sei, Luci querida... A gente não consegue ser diferente, né? A gente vive prá eles... Beijos!

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  5. Oiee amore ... vim conhecer seu bloguinho ... quero te convidar a conhecer meu cantinho e me seguir se desejar ok ?? Tenha um lindo dia super abençoado ... bjus com Carinho Nana

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  6. Fala pra Nana que a gente só bate o carro depois que aprendeu a dirigir bem, porque fica sem vergonha e taca o carro sem pensar. Enquanto tá aprendendo não bate, porque presta mais atenção.
    Eu também aprendi a dirigir na marra e minha mãe também ia comigo, tadinha, morrendo de medo mas ia.

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    1. Ai, minha querida, então dá um abração na tua mãezinha por mim... Fala prá ela que a gente tá junta, fazendo deste mundo um lugar mais bonito amando demais nossos filhinhos... Beijos!

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  7. Eu também minha querida amiga, sou tão feliz com minhas duas princesas. Leio tua história e estou lendo a minha própria, já te disse isso... Você está um pouquinho na minha frente em anos, estão estou vendo meu futuro...rsrsrs.
    É sempre muito bom te visitar.
    Fica com DEUS.
    Beijo.

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  8. Ô Rosa, tô aqui, já faz um tempão lendo seus últimos textos. Ultimamente não tenho lido os blogs que gosto, ou por falta de tempo ou por pura preguiça mesmo, acredita? Mas hoje deixei meus afazeres lá na cozinha me esperarem. Ri em muitos trechos. "Esse é um dos meus mais graves defeitos: trabalhar como juíza do mundo, sem receber salário nenhum e nem ter capacidade ou preparo para o cargo." Eu vivo fazendo isso!!!
    Eu sei o que é ver um filho se tornar independente, o quanto ficamos de mãos vazias, de coração partido. Também estamos ajudando a nossa menina a pegar prática na direção. Surreal mesmo vê-la ao volante. E mais surreal ainda foi vê-la tomar um chopp com o pai. Ela que até ontem só bebia leite!!! Não seria o caso de uma cirurgia, Rosa? A minha cunhada já fez duas operações no quadril que foram muito bem sucedidas. O que o seu médico acha? Já conversou com ele sobre isso?
    Fique bem. É sempre muito prazeroso vir aqui. Aprendo sempre. Beijos

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  9. Exatamente o que eu procurava sobre segurança residencial da Ideal Segurança Eletrônica

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