quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Canto da Sereia

Dizem que as sereias habitavam os rochedos entre a ilha de Capri e o norte da Itália. Eram tão lindas e o seu canto tão doce que atraíam os tripulantes dos navios que por ali passavam, fazendo-os colidirem com os rochedos e afundarem...


A primeira vez que eu vi Ariadne nem reparei direito - fui apresentada a tanta gente, que nem guardei muito seu rosto, apesar de bonito - até encontrá-la, por acaso, no sanitário lá do trabalho. 

Era minha segunda semana no emprego - na primeira eu havia trabalhado no outro prédio, mostrando minhas capacidades, até ser disponibilizada para um setor específico (que, no meu caso, acabou sendo o Serviço Social...). 

Naquele tempo não existiam desodorantes 24 horas - no meio do expediente dos dias calorentos a gente tinha que ir com a bolsa até o sanitário e reaplicar nas axilas, senão era um Deus-nos-acuda. E lá estavam Ariadne e Camile - seus nomes, na verdade, eram outros, mas não posso dizê-los, pois não quero ser processada por qualquer uma delas ou por ambas... 

Como eu ia dizendo, lá estava eu no sanitário, reaplicando meu desodorantezinho Vinólia roxo (que nem fabrica mais...) quando entraram as duas, olharam prá mim, mediram meu tipo (magrela e quietinha), minhas roupas (pobres) e, aspirando o perfume do meu desodorante (de farmácia) começaram a dizer: 

- "Ui! Credo! Que fedor é esse? Que perfume barato, que desodorante de doméstica!!!

- "Tá sentindo? Parece que a fossa séptica tá com problema de novo, acho que a chefia vai ter que chamar o encanador mais uma vez...". 

E riram da minha cara... Uns dias antes eu tinha sido apresentada em todos os setores como funcionária nova e não houve nenhuma simpatia da parte dessas duas - muito bonitas, diga-se de passagem. A Camile parecia a cantora Rihana, mas com olhos negros - muito linda mesmo. E a Ariadne nem tem com quem comparar, era a mais bonita das duas: corpo perfeito apesar de já ter um filho (mãe solteira aos 13 anos...), cabelo lindo, dentes maravilhosamente certinhos e brancos... E ela sabia disso: entre o meu setor e o dela havia um salão de distância, repleto de bancos onde os segurados pudessem aguardar sua vez, guichês repletos de filas - e ela atravessava esse salão, rebolando e, volta e meia, ouvia-se o grito de um segurado mais ou menos assim: "Ai, meu Deus! A gente vem aqui requerer benefício porque tá doente e essa mulher chega prá acabar de matar a gente..." - e ela ria alto, dona do mundo...

Além de bonita, sabia exatamente como conversar e encantar os homens... Vocês devem conhecer mulheres assim: quando eles estão por perto, quando conversam com eles, elas tem um timbre de voz todo especial, uns trejeitos, uma forma de olhar... Daí, quando eles saem de perto e elas tem que conversar com a gente, até parecem outra pessoa! 

Um dia, indo até o setor em que ela trabalhava - verificar se havia chegado o pagamento de um segurado - lá estava ela cercada de amigas, de cabelo molhado - recém saída de um hotel que ficava numa rua próxima (mas vocês bem sabem que tipo de hotel era, daqueles que cobram a diária por hora...), se gabando de ter acabado de sair dali com um rapaz que havia conhecido no final de semana e que não havia aguentado ficar longe dela - tinha ido ali, matar a saudade, em pleno expediente... 

A chefe do Setor era uma das amigas da rodinha, escutando e rindo da conversa animada. 

Depois de esperar que alguém me ajudasse - e tendo concluído que eu deveria estar num dos meus "dias invisíveis", pois parecia que ninguém estava me vendo ali - fui eu mesma procurar nos arquivos o benefício do segurado. Ariadne estava dizendo que o relacionamento não ia durar muito, do jeito que ia: ela detestava quando o homem ficava pegajoso demais, dizendo que ia largar a esposa se ela pedisse, prá ficar com ela - no termômetro dos seus relacionamentos, essa era a hora mais perto do fim...

-"Ai, a melhor coisa do mundo é andar com homem casado... Fico imaginando que, quando ele volta prá casa depois de me ver, deve ficar tãããão desapontado, olhando prá mulher dele! Já pensou? Quem vai conseguir se comparar comigo - aquelas donas de casa com mão cheirando a cloro de lavar a privada, cabelo cheirando a fritura, desodorante vagabundo de farmácia? Se ele chegar a dormir com ela depois de me conhecer, vai estar fazendo isso de olhos fechados, desejando que fosse eu..."

Daí uma delas perguntou se ela tinha azar de só conhecer homem casado e ela respondeu que não era azar não - era de propósito... 

- "Homens solteiros logo querem casar - e imagina eu aqui fazendo comida, lavando cueca - Eu, hein! O bom do homem casado é ganhar presente, sair prá comer em restaurante, ser tratada como rainha. Aliança no dedo é igual coleira no pescoço - eu não quero ter dono, minha dona sou eu mesma...".

Uma das amigas dela, talvez querendo lembrá-la de que ela não era assim tão irresistível, disse: "Vai me dizer que todo homem casado cai na tua conversa? Aposto que tem uns e outros que não estão nem aí prá você...".

Ela deu risada, mediu a amiga e disse que, quando isso acontecia, ela dava prá eles uma boa dose de "paraíso doméstico". Ninguém entendeu o que ela quis dizer com isso - então ela, abrindo a primeira gaveta de sua mesa, pegou um batom rosa forte de dentro de uma bolsinha, abriu o batom e, passando na ponta do dedo indicador, mostrou prá todas e disse assim:

"Prá esses idiotas que se negam a admitir que eu sou seu sonho de consumo, esses palhaços que desprezam a melhor oportunidade de serem felizes que já tiveram na vida, eu faço isso: no meio da conversa, coloco a mão no ombro dele como quem não quer nada e esfrego o dedo na gola da camisa, da camiseta, sem ele perceber... Quando ele chega em casa a mulherzinha dá prá ele o que ele merece, depois que vê essa marquinha...!"

E riram todas - ela mais ainda, olhando prá minha cara...

Eu sempre ouvi dizer que quem vê cara, não vê coração - mas essa foi a primeira vez em que me dei conta do sentido verdadeiro dessas palavras... As noções de certo e errado, do Bem e do Mal, pareciam não existir naquela cabecinha! Não existia remorso, não existia amor, não existia nem mesmo a mais leve noção de respeito nas palavras ou nas atitudes dela e, nesse ponto, comecei a pensar no quanto era injusto alguém ser tão linda e essa beleza ser usada prá fazer o mal...

E então, um dia, apareceu o João...

(continua em uma outra postagem - esta já tá comprida demais...)
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16 comentários:

  1. Ahh Rosa, sua danadinha!! Já no começo eu tava louca querendo saber o final dessa história, e agora vou ter que esperar até amanhã? Mas tenho certeza de que vai valer a pena!! Você conheceu todo tipo de gente nesse seu trabalho, né! Muita coisa prá contar...
    beijo

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    1. Em todo canto a gente conhece todo tipo de gente, não é mesmo, Luci querida? Pode ler que hoje tem o final. Beijos.

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  2. Vou querer saber quem é o joão.
    Você conta histórias muito bem.
    Beijinhos

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  3. Ahhhhh! Agora que estava começando a ficar boa a história!!!! Seguirei o próximo capítulo. Não falhe!
    Gosto de ler as suas histórias, tão cheias de experiências de vida e verdades. Beijos, beijos.

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    1. Então já pode ler, Ligia querida, que hoje tem o desfecho. Espero que você goste. Beijos!

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  4. Rosinha, sua feia, como foi parar logo agora?
    Quero ouvir o resto da história!
    Beijinhos

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  5. Oi Rosa, eu dei uma passadinha rápida na internet e quando vi que tinha post seu vim correndo…agora estou me roendo de curiosidade para saber o final da história.
    Bjs

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    1. Obrigada por arrumar um tempinho, Doutora querida. Beijos!

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  6. Rosa...bela história...pelo meandro da fantasia e da magia...com realidade à mistura...onde toda a concentração é necessária!
    Venha daí o final! Bj

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    1. Já pode ler, Maria da Graça querida. Beijão e obrigada!

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  7. Infelizmente, conheço moças assim, com tal deformação de caráter.
    Dá uma curiosidade para saber como ela vive hoje em dia. Espero que bem. Gosto de saber que as pessoas melhoram com o passar dos anos. Se bem que as vezes, a lição vem com dor.
    Vou ler o resto da história, minha escritora preferida!

    bjs

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    1. Ai, que linda, me chamando de escritora - e preferida!!! quanta responsabilidade a minha...

      Beijos, Lia querida!

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  8. A descrição que você faz dessa mulher bonita apena por fora me faz perceber que ela não passa de uma psicopata.

    Estou curiosa para saber a parte da história que entra o Joao!!

    Bjs

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    1. O final é triste, como em muitas situações e circunstâncias da vida, Fatinha querida. Mas espero que você goste.

      Beijos!

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