sexta-feira, 7 de junho de 2013

O Preço do Bem


Tudo na vida tem um preço - nossas ações, nossas omissões, até nossos pensamentos (dizia Jesus...). 


Quando a gente ama, por exemplo: tem que abrir mão de uma porção de coisas em nome desse amor (se engana quem pensa que não...).

Quando a gente faz algo errado, mesmo se não pagar o preço da dor na consciência e continuar seguindo a vida, leve e solto, um dia - cedo ou tarde - é alcançado pela sombra do que fez (e aí paga, não há dúvida, nesta vida ou na outra...).

Até mesmo fazer o bem tem um preço...

Já contei prá vocês que acordo muito cedo - levo minha filha Nana até o metrô antes das 5 e meia da manhã, tudo escuro, noite mesmo. Passeio pelas ruas do meu bairro, na ida e na volta, anotando mentalmente as lâmpadas que estão apagadas prá cobrar a troca pela Prefeitura, rezo pelos desabrigados que dormem nas imediações da estação, sob os toldos das lojas fechadas, do lado de fora da biblioteca pública. Faço minha ronda da madrugada - inútil 99,99% das vezes. 

Fora a satisfação de passar no dia seguinte e ver as lâmpadas acesas para os pedestres se sentirem mais seguros, rezar resolve em quê, não é mesmo? 

Deus já está tomando conta de todos, independente das minhas orações - até dos pardais Ele toma conta, que fará dos desabrigados... Mas eu rezo, aprendi assim... Deus não precisa de mim, das minhas orações prá se lembrar que é Pai - eu é que preciso rezar, prá entrar em contato com Ele, alimentar minha fé, não sentir que estou sozinha dentro de mim.

Duas madrugadas atrás, voltando de levar a Naninha, vi uma senhora de uns 60 anos, moradora de rua, baixar a calça prá fazer suas necessidades no Largo do Rosário, bem em frente à Biblioteca da Penha. Pobrezinha - eu pensei - já é tão difícil passar as noites no abandono total e ainda tem que sofrer uma situação dessas... Prá homem não deve ser fácil, mas prás mulheres - meu Deus! - sem privacidade, sem papel higiênico, sem banho... Fiquei muito triste.

E me lembrei de algo que aconteceu alguns meses atrás - que, às vezes, eu preferia esquecer...

Como sempre voltando de levar a Nana paramos de carro, o "Marildo" e eu, no farol em frente ao Shopping Penha - local ultra iluminado graças à Drogaria São Paulo 24 horas que tem ali. Todas as madrugadas passando por ali tinha reparado num morador de rua dormindo sob o toldo da loja ao lado da farmácia, com seu carrinho de catador de papelão estacionado na guia. Mas, dessa vez, não foi só oração e seguir em frente: o desabrigado se mexeu, se levantou e eram dois: um homem e uma garotinha de uns 5 anos de idade, que provavelmente foi quem acordou o pai a fim de pedir na farmácia prá usar o banheiro, talvez...

Era uma madrugada fria...

Enquanto adentravam na farmácia (onde deviam ser conhecidos dos funcionários do turno da noite...) deixaram largados no chão seus cobertores xadrezes, amontoados num canto. 

Segui prá casa, já nem sabendo como rezar, atormentada... A oração sozinha não ia aquietar meu coração, eu precisava fazer alguma coisa!!!

Entrei na internet ao chegar em casa e mandei emails a torto e a direito: Prefeitura, Governo do Estado, Ongs, telejornais - alguém tinha que fazer alguma coisa por mim (egoísta eu, a dor virou minha...).

A garota tinha que ter um teto sobre a cabeça, comida quente, cama prá dormir, banheiro prá tomar banho, sanitário, escola, remédio!!!

Bom, uns 3 dias depois o morador de rua desapareceu dali, reaparecendo uma quadra mais à frente, sozinho. Na certa ressentiu-se dos funcionários da farmácia, a quem deve ter atribuído a denúncia. A garota agora está como deveria ser: abrigada, alimentada, recebendo os cuidados básicos que um ser humano precisa - e está só, bem como seu pai. Aquele pai que partilhava com ela da noite fria, que dividia com ela os trocados que arrecadava com a venda das latinhas de alumínio e dos papelões. Como deve se sentir só o pai! Pensa: a qualquer momento ele podia tê-la levado até a Fundação Casa, ter solicitado abrigo prá filha, mas ficava com ela - sua única companhia... 

Foi melhor prá ela, não tenho dúvida quanto a isso (pelo menos materialmente falando...). 

Mas não posso deixar de me perguntar: terei feito mesmo o meu melhor? Qual será o rumo da vida dela longe de seu único parente, longe de quem a ama na pobreza, na doença, na fome?

E me pergunto também: será que à noite, quando ela se deita numa cama limpa, protegida por quatro paredes, ela se recorda do pai no relento lá fora? Quando come um prato de arroz com feijão ela se pergunta se ele está se alimentando? 

Talvez eles nunca mais se vejam - e isso me entristece... Por eles e por - em parte - ser culpa minha. Muito barulho por nada? Sei lá...

Parece que, às vezes, fazer o bem tem um preço muito alto e deixa na alma da gente um gosto  amargo... 
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30 comentários:

  1. Rosa, você fez o melhor que pode, com a melhor das intenções. Mas mesmo assim, nem sempre ficamos satisfeitas com o resultado, não é mesmo? Mas pense bem, esse pai pode visitar a filha onde ela estiver, e quem sabe isso o incentive a se esforçar ainda mais( apesar das dificuldades, eu sei) para poder tê-la da volta...na rua a gente sabe como seria o futuro dela, nada bom com toda certeza!! Fique em paz amiga, você fez o que devia e o que seu coração mandou!! Vamos continuar fazendo nossas orações por eles.
    beijos

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    1. Obrigada, Luci, vamos continuar orando por todos e confiando em Deus, sempre! Um lindo final de semana prá você. Beijos.

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  2. d rosa é triste mesmo, lendo seu relato e conheço o local, nossa....... mas a senhora fez o que lhe ocorreu de melhor e como dizem no lugar onde frequento( sou espírita kardecista) nada mas nada mesmo neste mundo acontece sem que deus permita que aconteça, se foi assim com certeza foi melhor. que deus abençoe esta menina, o pai dela e a senhora com esse coração bondoso bjs.

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    1. Também acredito que a mão de Deus está em tudo, sem sua permissão nada acontece... Obrigada por se preocupar em me consolar, minha querida. Beijos e um lindo final de semana.

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  3. Olá Rosa, coloco-me em seu lugar, talvez tivesse feito a mesma coisa e passando pelos mesmos tormentos d'alma. "Fazer o bem, sem olhar a quem." Sempre nos foi ensinado, mas hoje em dia, realmente não sabemos se fazemos o bem ou nos omitimos. Mas, acalme-se, você fez julgando fazer o melhor. Se tiver dúvidas, converse com o homem que lá ficou, para saber o que houve com a criança. Talvez assim seu coração se acalme. Beijinhos, amiga.

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  4. É, Lígia querida, esse mundo nosso tá mesmo cheio de coisas para as quais não vemos solução e isso nos entristece... Obrigada pelo comentário tão cabível e, ao mesmo tempo, carinhoso. Beijos.

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  5. Oi Rosa! Não foi essa manta que fiz pro meu neto, foi a dos ursinhos que foi postada há muito tempo.Bjs. Não tem bebê pra chegar por enquanto pra ter a oportunidade de fazer essa.bjs

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    1. Eu sei, li de novo tua postagem e entendi... Mas ficaria linda uma mantinha de corujinhas. Beijos.

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  6. Rosa, querida, como sabes bem melhor do que eu, a vida é feita de opções. Nunca se ganha tudo, nunca a opção é 100% certa. Mas tentamos escolher o melhor. E não tenho a menor dúvida de que, ainda que afastada do pai, essa menina ganhou muito com o contexto social que adquiriu. Por favor não te questiones, por favor, não te culpes. Culpada seria a indiferença, minha amiga linda! Tenho muito orgulho em ti, em te conhecer, em te querer bem.
    Beijo

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    1. Acho que você disse tudo, querida Nina - culpada seria a indiferença. Creio que foi mesmo o melhor prá ela, mesmo com a solidão dos dois envolvidos. Beijos e obrigada por palavras tão lindas!

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  7. Oh, D. Rosa, você fez o que pensou ser o melhor para a criança, pois ela merecia um futuro melhor.
    Acho que foi um gesto muito bonito da sua parte, em ter-se preocupado e tentado fazer alguma coisa para mudar a situação daquela menina.
    Se não tivesse feito nada, seria muito pior, acredite.
    Era bom que toda a gente fosse assim como você e reparasse e se preocupasse mais com o que se passa à sua volta.
    Infelizmente na cidade, parece que andamos todos de costas voltadas uns para os outros, cada um fechado no seu 'buraquinho' e só a olhar para o seu umbigo :(. É esta a sensação que tenho, ainda mais porque fui criada numa aldeia, onde tudo se sabe e tudo se comenta.
    Muitos beijinhos e continue assim, mantendo o seu bom coração :*

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    1. Realmente, Marta querida, parece que a vida de hoje é tão corrida que deixamos escapar muita coisa... Nesse aspecto acho que sou sortuda: apesar da correria, sou meio contemplativa, espio o mundo da minha janelinha e tô sempre parando prá pensar... O coração, na verdade, não é bom, é que as coisas me atormentam mesmo... Beijos e obrigada pelo carinho.

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  8. Você veja como são as coisas. Desde que vc postou que coloca todas as noites às 22hs o leite pra ser feito e que acorda no mesmo horário que eu, tenho me questionado com o meu cansaço (ontem mesmo às 22hs resisti ao cansaço e terminei de arrumar a cozinha pensando em ti). Agora me vens com outra história que vem de encontro ao que vejo todos os dias... Há quase 2 anos, quando comecei a trabalhar no centro de SP, até fiquei deprimida. Sinto isso que vc sente a semana toda. É muita gente nas ruas. Lembro-me sempre disso quando me cubro a noite em minha cama e o tempo está muito frio. Tanta gente dormindo na rua, no frio... e quando chove então? É difícil Rosa ver e seguir adiante. Pq que podemos fazer de certo? Ora, as instituições públicas não têm boa fama. E bate mesmo a dúvida: Fiz o melhor? Fez. Sabe por quê? Porque você seguiu o seu coração. Creio que Deus fala ao nosso coração. E quando Ele fala, não há nada melhor do que seguir esse chamado. Ele permitiu que você tivesse essa ação. Nesse momento talvez você não saiba o porquê e, talvez nunca venha a saber, mas o mais importante é que você tem um coração tão bom que consegue ultrapassar a barreira da indiferença, do medo e da dúvida. Fique em paz Rosa, acho que você fez o seu melhor. Que Deus lhe conserve sempre assim, pura e aberta ao Seu chamado.
    Bjs
    Mara

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    1. Ah, Mara, então você também é uma madrugadora como eu? Mas olha: eu só vou dormir tarde (primeiro) porque não consigo dormir se tiver gente acordada andando pela casa (e como os filhos ficam estudando até tarde, tenho que esperar por eles...) e também porque tenho insônia. Adoraria deitar cedo, me enrolar no edredom, dormir feito pedra... Custo a pegar no sono, se acordo prá ir ao banheiro ou beber água - muitas vezes - não torno a dormir. É uma meléca ficar velha...

      Quanto ao centro da cidade de São Paulo tive uma experiência muito dura lá: anos atrás, quando meu filho entrou na USP e ainda não tinha carro, fui com ele fazer todos os caminhos possíveis de transporte público prá monitorar tempo, facilidade... Num desses caminhos a gente descia no metrô Sé, caminhava pela praça e pegava um circular - não me lembro se na Benjamim Constant ou Quintino Bocaiúva. Tanta gente dormindo na rua! O pior eram os desabrigados com problemas psiquiátrico, perambulando gritando, perdidos entre os prédios... Essa vida é muito dura com algumas pessoas... Se a gente for ficar só pensando nisso acaba até doente... Fico imaginando como é que Deus tem sossego, com tantos e tantos filhos prá tomar conta.

      A gente, que é pequeno, faz um pouquinho de nada e se sente menor ainda - eu também penso nos que dormem nas calçadas, sujos, com fome...

      Tudo o que temos, às vezes, é a oração.

      Que Deus te abençoe nessa sua bondade, minha amiga. Beijos.

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  9. Boa noite Rosa.
    Nunca iremos saber. Mas ninguém pode ser recriminado por tentar ajudar.
    Na rua ela também não estava bem.
    E se acontecesse algo ao pai, ficava só e abandonada.
    É difícil saber quando se deve intervir, e quando se deve deixar tudo como está.
    Beijinhos e bom fds

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    1. É, temos que pensar mesmo assim, pois no final das contas é Deus quem cuida, não nós. Às vezes damos sorte de sermos um instrumento Dele, não é mesmo? Beijos e obrigada.

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  10. Oi Rosa Boa noite!
    È difícil tomar uma decisão, não ficar em cima do muro, porque requer responsabilidade, você tomou a decisão que julgou certa,então acho que o universo conspira a favor.
    Que deus a abençoe.
    Káren

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    1. Realmente, ficar em cima do muro seria o pior, eu iria passar por ali toda madrugada e ver a menina ao relento, sem tomar nenhuma atitude... Não conseguiria. Reo para que tudo dê certo prá menina e seu pai, pois estão nas mãos de Deus, que são infinitamente bondosas.

      Obrigada pelo comentário e que Deus abençoe a você também, minha querida. Beijos!

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  11. Olá boa noite !!!
    Tomar certas decisões não é fácil,
    mas podemos fazer um mundo melhor
    para todos.basta querer

    Abraços de bom final de semana
    Bjuss
    Rita!!!!!
    (¯`v´¯)
    `·. ¸.·´
    ☻/
    /▌

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    1. Acredito que sim, querida amiga Rita: podemos fazer do mundo um lugar melhor, uma atitude por vez, cada pessoa fazendo seu tantinho. Um beijo e uma linda semana prá você.

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  12. Você seguiu seu coração e assim não tem erro. DEUS vai ajudar... fica em paz.
    Lindo domingo para todos aí...
    Beijo.

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    1. Obrigada, Rosangela querida, fica com Deus também e um lindo começo de semana prá você. Beijos!

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  13. Rosa, você fez sim uma boa ação. No seu lugar faria o mesmo. O pai poderá visitar a filha e se for um bom pai, vai se sentir aliviado porque alguém está cuidando e alimentando sua filha.
    Fique bem.
    Beijos

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    1. Imagino que você teria feito mais, Helena querida... Imagino você tão poderosa, acho que você teria descido do carro, levado a menina e o pai prá algum abrigo - os dois - e eles ficariam abrigados e juntos... Beijos e obrigada pelo comentário.

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  14. Rosinha DEUS está atento ás suas boas ações e acredite
    a vai recompensar ,mil beijos ,boa semana

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    1. Obrigada, querida Mira. Beijos e uma linda semana.

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  15. Rosa, querida. fizeste o certo. tenho certeza de que o pai está com o coração mais sossegado, apesar da saudade, sabe que a filha está abrigada e alimentada. interferiste numa história, mudando o seu curso, para melhor com certeza. vamos orar pelo pai, e por um futuro bonito pra garotinha. um dia ela será feliz, e jamais saberá quem foi o anjo que interferiu no seu caminho.

    bjs

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    1. Anjo não, que um anjo teria ajudado os dois e os mantido juntos. Só uma mulher intrometida cheia de boas intenções (e muitas dúvidas no coração...). Beijos e obrigada pelo carinho.

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  16. Rosa

    Que situação! e como é difícil saber o que é melhor para outro ser humano, não é? mas você fez o que achou ser o melhor. O pai deve saber onde está a filha mas ele não pode ficar com ela, deve visitá-la e não creio que eles perderão o contato. Assim espero!!

    Bjs e fique em paz pois Deus está cuidando deles também.

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    1. Obrigada, Fatinha, eu também rezo prá que Deus esteja com eles. Beijos.

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