sexta-feira, 24 de maio de 2013

Coisas de valor

Este par de brincos tem uma história - como tudo tem, não é mesmo?


A gente tava na maior dificuldade financeira - dinheiro, só prás necessidades básicas mesmo, e olhe lá... Morávamos de aluguel, filhos pequenos...

Daí eu fui pagar uma conta no centro da Penha e, passando à pé pela Av. Penha de França, vi um balcão de jóias, ao lado da loja do Baú da Felicidade. Parei prá olhar só prá babar - porque não tinha dinheiro prá comprar e... me apaixonei. 

Tava lá esse brinco de prata, com pequenas ametistas no centro e rodeado de marcassitas - minha paixão. Tão caro pro meu poder aquisitivo da época! 

Fui prá casa tão triste... Até sonhei com eles nas minhas orelhas... Nem comentei com o Marildo - ele ia ficar triste por não poder me dar.

Daí comecei a juntar cada moedinha, de cada troco - padaria, feira, contas pagas no banco. Fui juntando tudo - e Deus ajudou, as moedas pareciam gostar de mim, vinham parar nas minhas mãos como que atraídas pelo meu desejo de possuir o brinco. 

Levei quase dois meses ajuntando...

Ainda lembro do dia em que pedi permissão da minha chefe, no trabalho, prá ir até o Bradesco trocar as moedas... A moça do caixa me olhou com uma cara, esbugalhou os olhos...

Na saída subi a ladeira da Penha, fui a pé até a loja e comprei os brincos - tão feliz!!! Fiz o caminho prá casa como se estivesse carregando as jóias da Rainha da Inglaterra na bolsa...

Da mesma forma comprei este anel ...



Hoje tenho um montão de brincos e anéis - mas estes são especiais, por terem sido tão desejados e tão batalhados... Quando os uso me sinto especial, uma campeã - só quem já batalhou muito por algo e conseguiu sabe do que eu tô falando...

"Ah, lá está Dona Rosa se gabando de seus penduricalhos...". Jamais. Qual a razão de me gabar por coisas que qualquer pessoa pode ter, se juntar moedinhas como eu?

Eis o que eu falo pros meus filhos: o que a gente batalha prá ter, dá mais valor. Estudar muito prá entrar na faculdade faz o curso ter um significado maior do que apenas obter uma profissão: faz a faculdade ser mesmo um sonho que vira realidade - porque Deus ajuda, mas também porque a gente se ajuda... Ou então estudar prá passar num concurso... Conquistar aos poucos o amor de uma pessoa - como eu fiz com o pai deles...

Mas, em contrapartida, não é só o que a gente batalha que vale: tem coisas que a gente ganha de bandeja da vida e que tem um valor muito maior do que o dinheiro... Por exemplo, esta medalha de Santa Rita:

Também prata e marcassitas, com madrepérola esculpida no meio. Meu tio favorito, tio Antonio (que Deus o tenha em bom lugar), irmão mais velho da minha mãe, era um homem bom demais. Imagina só: tinha o tempo tão corrido, trabalhava tanto mas, em dia de feira, passava lá correndo, vinha na minha casa, descascava apressado mamão, banana, maçã, picava tudo, jogava um pouco de açúcar e ia enfiando as colheradas na boca da gente, como se fôssemos um bando de passarinhos... Ou passava no açougue, trazia uns bifes, fritava correndo e, desfiando os pedacinhos da carne, entuchava na nossa boca (até na da minha mãe e da minha avó!), meio bruto - sabia que a gente passava fome e resolvia de pronto, do jeito dele, inteiro coração de ouro... Até choro lembrando disso...

Ele tinha padaria perto da minha casa e mandava todo dia, quando eu era pequena, pão e leite prá gente. O ruim era que a mulher dele, minha tia Lucília, é que fazia questão de trazer  o pão e o leite e ela não era uma pessoa muito boa. Sempre dizia coisas ruins quando vinha em casa e não sossegou até fazer meu tio vender a padaria e comprar outra bem longe, só prá não ter que ajudar... 

Bom, quando ela morreu, meu tio "ajuntou" com outra mulher, que ninguém na família - a não ser minha mãe - reconheceu como mulher dele, porque não casaram no papel. Os filhos dele não deixaram casar, tinham medo de dividir a herança com ela - pura mesquinharia. Não cuidavam dele e nem aceitavam quem queria cuidar...

Bom, acontece que ela era muito boa, muito bacana prá mim, prá minha mãe... Fazia um biscoito delicioso com caldo de galinha Knorr - pena que não passou a receita prá ninguém... Sempre trazia costura prá minha mãe fazer e pagava direitinho - não como a maioria dos parentes, que queriam de graça porque eram família... Tava sempre de bom humor, tudo sempre tava bom prá ela - tinha o riso fácil, uma gargalhada quase infantil... Quando ela morreu, deixou essa medalha prá mim, que só uso em ocasiões especiais, com reverência - porque lhe pertenceu...

Ou então - a história da minha aliança de casamento. 

Quando meu avô morreu, minha avó levou a aliança dele num ourives e pediu prá juntar com a dela, ao invés de ficar usando duas juntas - eram tão fininhas!!!. Daí, quando minha avó morreu, minha mãe guardou a tal aliança como a relíquia mais preciosa de todas... Sobreviveu aos apertos, às penhoras, às vendas de tudo o que minha velha tinha... 

Quando eu resolvi me casar, pedi a aliança da minha avó prá mim, prá dar sorte - e minha mãe, sem piscar, me deu. Meu irmão trabalhava numa joalheria na época, ajudando nas montagens das peças e me deu de presente a divisão da aliança - de uma, novamente virou duas... E me deu tanta sorte - crença boba minha, né? Mas é a única coisa de ouro que eu tenho - prefiro prata... Ela é única em seu valor e seu significado - pequena, fininha - de pobre - mas  inestimável...


Assim é que é... 

A gente vive a nossa vida até quando Deus quer e um dia vai embora: não leva nada - nem o que batalhou muito prá comprar, nem o que ganhou e muito menos o que tirou de alguém... Nem mesmo levamos as roupas que envolvem nosso corpo, quando deitamos no caixão - essas também ficam, prá apodrecer e sumir com o tempo... 

Mas gosto de acreditar que nossas lutas, nossas conquistas, nossas derrotas e tropeços nas pedras da estrada da vida, tudo o que aprendemos e passamos adiante e o modo como tocamos as vidas das pessoas que deixamos prá trás  - essas coisas nós levamos, adornando nossa alma. 

Essas coisas também  são as únicas que realmente deixamos de herança real na Terra, como aquele lampejo de luz que brilha nos nossos olhos fechados, depois que a gente olha muito pro sol, ou prá uma lâmpada forte... Essas sim, prá mim, são as coisas que tem valor.

Todo o resto acaba perdido numa gaveta, esquecido no fundo de um armário, é vendido ou vai pro lixo...
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26 comentários:

  1. Rosa,
    o que dizer??
    que estou emocionada??? é pouco!!!
    estou arrepiada com a sua história...
    de uma batalhadora...
    bela história que muita gente devia ler para parar de reclamar da vida...

    abraços cá de longe de Maria Filomena

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  2. Eu fico mais emocionada ainda, querida Filomena, por saber que minha pequena história tocou teu coração. É muito bom sentir carinho vindo do outro lado do oceano... Obrigada pela sua bondade e um ótimo final de semana. Beijos!

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  3. a historia da senhora e muito parecida com a da minha vo e minha sogra que deus as tenha em bom lugar( não e porque ela morreu que estou escrevendo isso...) como a senhora disse e o que fazemos de bom que passa para as próximas gerações. agradeço a deus por ter colocado ela em meu camino pois se sou uma boa mae e d de casa e porque aprendi muito com ela, e suas historias emocionam e ensinam a gente principalmente hj em dia que se as pessoas sabem o preço de tudo e o valor de nada.... bjs.

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    1. Essa é mesmo a verdadeira herança, não é? Aquele tesouro que os ladrões não podem roubar, que a gente não precisa cavar um buraco na terra e esconder - mas que pode usar ostensivamente e com um orgulho até abençoado... Achei bonito isso de "saber o preço de tudo e o valor de nada"... Disse tudo. Beijos.

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  4. Olá Rosa.
    As boas memórias ficam sempre com a gente, nos fazendo recordar, e nos transportando para os momentos mais maravilhosos das nossas vidas.
    Muito bonitos os brincos e o anel.
    Beijinhos e um super fds para vocÊs

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    1. É, são elas que fazem a gente ser quem somos. Beijos e obrigada pela visita!

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  5. Obrigada, dona Rosa pela história que me ofereceu. Sinto que falas só p'ra mim ... olha a pretensão! Que estamos sentadas juntas e tu começas a desenrolar o novelo das tuas memórias. E eu ouço. E sorrio. Às vezes lacrimejo. Outras, choro mesmo. Mas na maioria das vezes rio muito.
    São momentos que viram horas perdurando na memória.
    Rosa, linda!
    Linda, Rosa!
    Fica bem. Vive intensamente o teu fim de semana. Aproveita o sábado em que folgas da cozinha.
    Beijinhos

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    1. Obrigada, Nina querida - quem disse que não penso em você também quando escrevo? Beijos e um lindo final de semana prá você também!

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  6. Adorei! muito linda, história de vida...a melhor das histórias.
    Beijos

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  7. Olá Rosa! Obrigada pela dica e pela força. Eu não tenho intenção de vender nada do que faço, até pq ,como vc não teria tempo.Já faço parte de um grupo do Yahoo, vou tentar. O que quero são as opiniões de quem vê o que posto, ver que talvez sirva como inspiração para alguém.
    linda sua história, gosto de ver o valor que vc dá a família, e o valor que vc dá ao que conseguiu na vida.Tem gente que tem tudo e não liga pra nada. Eu fui uma dessas e hoje olhando pra trás é que reconheço isso. A idade ffez com que eu me conhecesse melhor.Bjs

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    1. Eu sei como é que é, Célia querida: é como quando nossos filhos são pequenos e a gente sai com eles prá passear - e gosta quando dizem como são lindos! Nossos artesanatos são um tiquinho nossos filhos - a gente gosta que sejam apreciados... Beijos e pode deixar que eu vou sempre passar lá prá apreciar as tuas belezuras.

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  8. A vida nos dá a oportunidade de formar e contar histórias lindas, como a sua! Seja na pobreza ou na riqueza, nós trazemos na bagagem nossas esperanças e vivências e nelas está o passado, que lembramos muitas vezes com saudades ou tristeza! Obrigada por dividir uma parte de sua história! bjs e bom fim de semana!
    Nina

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    1. É isso mesmo, Nina querida: somos como colchas de retalhos, todos nós, mosaicos formados de todas as nossas pequenas e grandes aventuras na vida. Beijos e um lindo domingo prá você.

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  9. Rosinha você merece isso e muito mais ,por isso DEUS ajudou
    para que você fique ainda mais linda ,bom fim de semana
    beijo

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    1. Que linda, Mira querida! Me acha linda pelo que escrevo, sem nunca ter me visto... Ainda vai me achar linda se eu tiver cara de sapo? (hi, hi, hi!) Beijos e um lindo domingo aí em Portugal!

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  10. Rosa, querida,

    Nossas histórias de vida, tem passagens tão nossas, tão intensas, pois foram vividas cada segundo, com esperanças de dias melhores e o mais bonito, partilhados com outras pessoas boas ou não, mas, que nos ajudaram no nosso crescimento e evolução como pessoas.

    Você tem razão, Rosa, nada é "nosso" nessa vida...e...ao longo dos anos, temos fases, desejos, interesses e companhias de outros que vão sumindo, mudando, apagando, se renovando ou não...as novas gerações vão construindo suas histórias também...e a vida segue...sempre segue...

    Menina, admiro muito quem sabe trabalhar nas máquinas de tricô...vão surgindo peças lindas,tecidas, com seus segredinhos, que você habilmente domina!!

    Querida, obrigada pelo carinho de suas palavras, obrigada.

    Rosa, não fui eu que inventei não. Eu li no site da Palmirinha há algum tempo atrás a receita dela de bolo de maçã com calda de groselha, copiei a ideia da calda, na minha receita de bolo. Acho boa essa calda, pois a gente varia um pouco...antes eu fazia calda só com açúcar (caramelo).

    Tenha um ótimo final de semana, com muitas inspirações...

    beijinhos,

    Lígia e =^^=
    ✿⊱╮

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    1. É isso mesmo, Lígia querida - o convívio com as pessoas, boas ou não, é que vai formando a nossa personalidade, sem a gente perceber. Que seria de nós se não fossem os outros, não é verdade? Aqueles que cuidam de nós, nos dando segurança... Aqueles que nos atrapalham, nos derrubam - e que nos fazem fortes, quando aprendemos e quando reagimos... Um lindo domingo prá você, prá mãezinha e o paizinho queridos. Beijos!

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  11. Rosinha, o sábado foi liiiindo!
    Amanhã conto.
    Estou estafada!
    beijinhos

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  12. Ai Rosa, que histórias bonitas. Que histórias lindas!
    Que privilégio das pessoas ao seu redor de conviver com você.

    Lendo o seu post me senti na sua cozinha, tomando uma xícara de café e ouvindo... hum.... só um pouquinho intrometida! Eu adoro te "ouvir"

    bom findi!!
    ps1: sua mão é bem bonita
    ps2: depois queria ouvir a história da conquista do Marildo... hehehe!

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    1. Que bom que você gosta de me "ouvir", Elisana querida - me faz tão feliz poder compartilhar as minhas historinhas!!!

      ps1: a mão tá velha, cheia de manchas...
      ps2: é uma outra história - logo eu conto!

      Beijos e um lindo domingo!

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  13. Fazer a gente chorar não vale... você é uma pessoa muuuito iluminada. Que DEUS sempre lhe abençoe imensamente.
    E reforçando o que a Elisana disse, adoro vir aqui te ver e ouvir suas histórias, suas mãos são realmente belas e também quero saber como foi para conquistar o Marildo... rsrsrs.
    E como sou feliz por mesmo que virtualmente ser sua amiga.
    Lindo domingo para todos aí.
    Fiquem com DEUS.
    Beijo.

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    1. Ai, obrigada Rosangela querida! Também fico muito feliz de ter sua amizade na minha vida, receber esses comentários tão carinhosos sempre me alegram o dia... Quanto à conquista do Marildo, é uma história que eu ainda conto, se Deus quiser... Beijos!

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  14. É Rosa, uma história digna da propaganda “não tem preço”. O valor do que temos e guardamos é dado pela lembrança que o objeto nos trás. Também não sou de ouro nem prata... De ouro só a aliança e de prata só um par de brincos que o marido me trouxe todo feliz e depois ficou decepcionado porque não o achei mais bonito do que os meus de 2 reais... rsrs Fazer o quê ele perguntou, quando vi já tinha falado... Me arrependi, é claro, porque o gesto foi valioso... Voltei atrás, fiz dengo, carinho, café, usei em ocasiões especiais... acho que a gafe foi perdoada...rsrs
    Bjs no seu coração
    Mara

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    1. Tenho uma caixa cheia de brincos de 1, 2 reais, que costumo comprar, desde os meus 15 anos, do mesmo camelô na av. Penha de França... Adoro. Beijos e obrigada pela visitinha.

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