terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Grandes e Pequenos


Vivemos num mundo tão estranho, não vivemos? A forma como cada um de nós olha pro mundo, cada um com os próprios olhos - e, por trás deles, todas as nossas concepções de vida, os nossos preconceitos...


Eu tive uma amiga na minha infância - minha melhor amiga - de quem eu gostava muito: seu nome era Sandra e eu queria muito ser como ela... Tinha os cabelos castanhos bem claros, quase loiros, com cachos longos e arrumadinhos como se tivesse acabado de sair da cabeleireira, os olhos bem verdes, os dentes bem certinhos... Os garotos da rua eram todos bobos por ela, sempre gentis - comigo eram apelidos jocosos por eu ser branca como um fantasma,  magricela, dentucinha...

Apesar dela ser muito bonita, não era muito inteligente. Como tínhamos a mesma idade, estávamos no mesmo ano na escola, então aprendíamos as mesmas matérias, mesmo frequentando escolas públicas diferentes: eu estudava no Barão de Ramalho e ela no Esther Frankel Sampaio. No terceiro ano primário ela foi reprovada em matemática - sua irmã gêmea, que não se parecia em nada com ela, também foi... - e os pais resolveram colocar as duas num colégio particular, com um uniforme lindo azul marinho e branco e eu passei a ajudá-las com as lições de matemática, especialmente frações.

Elas duas viviam na minha casa, comendo do que eu comia, assistindo desenhos, conversando sobre meninos. Eu nunca ia na casa delas, mesmo ficando na mesma quadra que a minha. No final do dia elas se despediam, a babá vinha buscá-las prá tomar banho e terminar a lição das outras matérias - pois as lições de matemática já levavam feitas com a minha ajuda.

Um belo dia minha amiga Sandra ganhou de presente um jogo de bonecas - seis, prá ser mais precisa. Eram bonecas temáticas, cada uma com uma roupinha diferente e acessórios combinando - perucas, jóias, sapatos, etc. Quando eu pedi prá ela trazer na minha casa, prá gente brincar, ela me disse que a mãe não deixava tirar da caixa, que se eu quisesse ver tinha que ir na casa dela - e lá fui eu.

Quando cheguei no portão a mãe dela lá estava - Dona Angelina - conversando com uma vizinha e, com a maior naturalidade, barrou minha entrada. Puxou a filha pela mão, se despediu no supetão da vizinha e eu fiquei ali parada na calçada, catatônica, sem entender bulhufas...

Uns dois minutos depois minha amiga Sandra apareceu carregando as bonecas na mão, dentro das caixas, prá me mostrar SEM PEGAR - eu só podia ver de longe. Boba como eu sou às vezes (nem sempre a ficha cai de imediato...) eu perguntei à minha amiga se eu podia entrar no quintal dela, prá gente sentar e apreciar as bonecas - que não eram nada de tão maravilhoso assim: eram bonecas baratinhas de plástico exatamente como esta:



Braços e pernas quase sem articulação nenhuma, olhos pintados, perucas presas com alfinetes na cabeça e roupas distintas de noiva, bailarina, índia, espanhola, portuguesa e japonesa - e ela me respondeu, com a maior naturalidade do mundo, que eu não podia entrar no quintal dela porque sua mãe havia dito que eu era pobre e tinha os pés sujos.

"Deus!" - eu pensei - "é óbvio que meus pés são sujos! Eu ando descalça na rua o dia todo, brinco no terreno baldio no fundo da minha casa - mas sempre tomo banho antes de dormir..." . Eu - como meus irmãos e irmãs - só tinha um par de sapatos prá ir à escola e à missa; não tínhamos dinheiro nem prá comer direito, quanto mais prá nos dar ao luxo de ter chinelos!!! (aliás só vim a ter costume de usar chinelos quando me casei, pois o Marildo dizia que a gente ficava doente de andar descalço e eu não contestei, pois concordava com ele apaixonadamente...).

Eu pedi prá ela chamar a mãe - prá eu explicar, com toda a propriedade de quem tem razão - como ela estava enganada por me considerar suja. Que meus pés nem estavam tão sujos assim, pois eu tinha acabado de chegar da escola e almoçado, nem tinha brincado ainda...

Dona Angelina me olhou feio como sempre fazia, torcendo o nariz como se eu cheirasse algo podre e, no mesmo dia, foi dizer prá minha mãe que eu era malcriada e que estava proibida de ser amiga das filhas dela...

Eu tinha nove prá dez anos e minha amiga Sandra só falou comigo mais uma única vez, quando fui à casa dela entregar uma costura que minha mãe havia feito prá uma tia dela - eu estava com 14 anos. Me recebeu no portão, pegou a costura e disse que depois sua tia ia lá na minha casa acertar o preço.

Até hoje eu me pergunto o que aconteceu...


Dia 7 de dezembro do ano passado ganhei do meu filhinho um presentão - nós todos ganhamos, prá falar a verdade: viajamos de avião pro Nordeste, onde passamos parte das férias em Porto de Galinhas, em Pernambuco e parte num povoado chamado Mosqueiro, em Aracaju, capital de Sergipe. No primeiro ficamos em uma pousada e no segundo ficamos num chalé na Colônia de férias do trabalho dele.

Foi maravilhoso - não podia deixar de ser, o Brasil é lindo, especialmente o nordeste. Tanta praia linda, tanta comida gostosa...



(Meu moleque, na Orla do Por do Sol em Aracaju...)

Porto de Galinhas podia ser melhor: atrai tanto turista, é tão famoso, tem a maior quantidade de pousadas que eu já vi na vida - mas as ruas não tem asfalto, as pousadas lançam na rua a água das piscinas e fica tudo um lameiro só... As praias são lindas, mas lotadas demais de gente... Você não consegue aproveitar direito, pois é abordada o tempo todo por vendedores de queijo na chapinha, espetinho de camarão, homens se oferecendo prá andar de buggy e andar de catamarã - sem contar as pessoas pedindo esmolas, que são inúmeras o dia todo. Água de coco a 6 reais - sendo que em São Paulo custa quatro e o coco vem do Nordeste!!! Só curtimos essa praia um dia - depois fomos conhecer outras praias, menos famosas e muito mais lindas. 

Maracaípe é linda. Pouca gente, restaurante à beira do mar...


(Tão vendo a transparência da água da Enseadinha? Limpinha - espia os peixinhos, que ficam rodeando a gente...).

Enseadinha de Serrambi foi a que eu mais gostei: os recifes prendem as ondas bem longe da praia, então a água é limpinha e bem calma, dá prá você nadar com os peixes - se souber. Meus filhos me ensinaram a boiar - e eu pensando que ia morrer sem saber!

Mas tem uma coisa chata: prá entrar nessa praia o acesso é controlado através de uma guarita. Você tem que se identificar pro guarda prá poder passar prá área da praia... Mesmo assim não pediram nenhum documento, deixaram a gente passar tranquilamente todos os dias que lá fomos.

A praia - como eu já disse - é lindíssima. Na beira dela somente mansões - nenhum prédio de apartamento, nenhum bar ou restaurante, nenhum quiosque. Área totalmente residencial de alto nível, somente para "os escolhidos"... Policiamento ostensivo o dia todo, com seguranças de moto andando na areia - na qual a cada 300, 400 metros tem pequenas muralhas de pedras enormes, prá impedir os tais passeios de buggy dos turistas de chegarem até ali... Entre a areia da praia e as mansões são plantadas flores que se espalham na areia, muito bonitas, com espinhos maiores que um dedo - prá impedir a aproximação dos curiosos...

Teve um dia - o penúltimo de nossa estada em Porto de Galinhas - que a gente quis aproveitar ao máximo: eu fiz sanduíches, levamos numa caixa de isopor suco de frutas e água e passamos o dia na praia, sem perder tempo saindo prá almoçar. Foi um pavor! O dono de uma das mansões nos viu acomodados na praia, ao alcance da vista dele sem estarmos perto de sua mansão e ficou gesticulando de longe, indignado - ligou prá um vizinho, que veio se unir à ele na indignação. "Imagina só! A gente paga milhões por uma casa na beira da praia e tem que aturar um bando de farofeiros!!!" - ele deve ter pensado... E a gente se comporta tão certinho - não deixamos uma migalha prá trás, não fizemos barulho nem bagunça... Tem gente que adora uma confusão, já perceberam?

Daí a gente comentou com o dono da pousada que a gente ia conhecer a praia de Toquinho, no dia seguinte, antes de ir embora  - e ele nos disse que a gente não ia conseguir entrar. Que tinham deixado a gente entrar em Enseadinha de Serrambi por sermos branquinhos, com cara de ricos, mas que na praia de Toquinho só entravam os próprios moradores - ele mesmo só havia entrado lá uma vez, alegando ter sido convidado prá passear de iate com um tal de Fernando...

Meu filho ficou revoltado: ia visitar a praia de qualquer jeito e queria ver quem ia impedir! Que ninguém pode possuir as praias, que está na Constituição que elas são públicas, pertencentes a todos...

Naquela noite eu falei pro Marildo que não queria ir naquela praia... Que mesmo os donos das mansões estando errados, se apropriando da praia, a gente não deveria ir lá criar confusão; que a gente só deve bater de frente com o mal quando é prá defender alguém, corrigir uma injustiça, impedir algo ruim de acontecer... Que tinha praias lindas de sobra prá gente frequentar sem precisar ir nessa, talvez estragar as férias com algum dissabor...

E não fomos - graças a Deus. Aproveitamos mais um último dia em Serrambi, pegamos o carro e viajamos prá Aracaju, aproveitar outra parte das férias. 

Que cidade maravilhosa! Amei demais Sergipe, se eu me mudasse pro Nordeste seria prá lá - praias lindas (com acesso prá todo mundo...), cidade arrumadinha, comida deliciosa. Condomínios de casas lindíssimas bem próximas da praia, bastando atravessar a rua - mas na praia mesmo só quiosques. Amei e vou sentir saudades prá vida toda. 

Aí ficamos apenas dez dias e voltamos de carro prá mesma pousada em Porto de Galinhas - aproveitar mais da praia de Enseadinha de Serrambi, em plena semana de Natal... O velho rabugento que ficou indignado com a nossa presença não estava lá - as casas estavam praticamente todas passando por manutenção, os donos em suas cidades ou passeando por outro lugar... Foi sossegado, uma delícia.

No dia de Natal meus filhos vieram novamente com a história de conhecer a praia de Toquinho e, dessa vez, eu concordei. Logo a gente ia voltar prá São Paulo e eu pensei: "Bom, seja o que Deus quiser. O máximo que pode acontecer é eles não deixarem a gente passar pela guarita, daí a gente volta e curte uma outra praia qualquer...".

Seguimos o caminho indicado pelo GPS do celular do meu moleque - escolhemos um de dois caminhos existentes.

Nos afastamos do litoral de Porto de Galinhas, atravessando uma área que até parecia o interior rural de São Paulo. Na beira da estrada, a espaços quase regulares, encontrávamos mulheres negras com crianças de colo e de peito, cercadas de outras crianças brincando, a vender bacias de mangas e cajus colhidas no próprio quintal - o jeito que encontram de ganhar algum dinheiro... O que sobra em calor e beleza no nordeste falta em oportunidades de trabalho, infelizmente.

Mais adiante saímos da estrada asfaltada e passamos a transitar por um estreito caminho de terra, atravessando um canavial e, quando ele acabou, apesar de vermos os coqueiros indicando a proximidade da praia, tudo era cercado e os acessos totalmente impedidos. Passamos por uma guarita alta, com meia dúzia de guardas - alguns no alto dela, com rádios e armas, outros no chão, de prontidão em suas motos - dava até um certo medo... Passamos por eles sem problemas, sem sermos questionados de nada e nem impedidos...

Margeando as praias - mas impedidos por cercas de ter acesso a elas - vimos que, desse lado fechado ficavam resorts de luxo. 

Do lado oposto, aberto ao mundo, viam-se aqui e ali algumas habitações... Casinhas feitas de madeirinhas entrelaçadas, cujos buracos são fechados com barro, sem infraestrutura nenhuma - nem luz elétrica, água encanada, esgoto... 


Nos quintais crianças pouco vestidas e cachorros magricelas... Homens e mulheres de aparência triste à nossa curiosa passagem, sentados conversando. Acho que se sentiam constrangidos de serem observados, como se o mundo fosse um zoológico e eles a atração menos querida... Me senti tão triste... Parecia que eu tinha viajado no tempo, de volta aos tempos da escravidão, espiando pequenas senzalas... Meu coração ficou pesado como se algo ruim estivesse prestes a acontecer...

Então chegamos na guarita principal da praia de Toquinho. Paramos o carro e um guarda, portando arma no coldre, um caderninho e uma caneta na mão veio falar conosco...

Meu marido disse: "Meu nome é tal e eu vim de São Paulo, gostaria de conhecer a praia com a minha família..."

Eu já estava esperando um redondo não, algo como "não se permite o acesso a quem não é morador da região" ou algo parecido quando o guarda sorriu e falou que tudo bem, que a gente fosse bem vindo e aproveitasse bem o passeio, que só não era permitido tirar fotos prá não perturbar a privacidade dos moradores!

Percebi envergonhada que nossa cor de pele foi mais uma vez nosso passaporte num lugar daqueles - foi nos garantida a entrada sem questionamento...

Adentramos num mundo que eu só achei que existisse em filmes: ruas belíssimas, com árvores e flores nas calçadas bem elaboradas; mansões que faziam as de Enseadinha de Serrambi parecerem de conjunto habitacional popular... Barcos ancorados ao lado de cada casa, com nomes como "Patrícia II", indicando que, em alguma outra praia, há uma "Patrícia I"...  Nenhuma cerca prá separar as casas: entre uma mansão e outra apenas gramados e caramanchões repletos de flores que nunca vi, embaixo dos quais jaziam estacionados buggys, quadriciclos motorizados, motos dos filhos dos moradores...

As casas eram de proporções absurdas, cada uma delas uma obra de arte antes de ser obra de arquitetura... Cercadas de varandas em toda a volta, repletas de espreguiçadeiras que fariam Cleópatra se sentir em casa... E  em todas elas - apesar de ser dia 25 de dezembro, pleno dia de Natal... - dezenas de homens e mulheres aparavam grama, enceravam piso, lustravam móveis, limpavam vidros, varriam a calçada e a rua: preparavam tudo para a chegada dos felizes donos... Alguns ali já se encontravam: uma Ferrari aqui, uma Mercedes acolá... Suas presenças eram mais sentidas ainda por cruzarmos com adolescentes andando de quadriciclo, propositadamente atravessando poças de água com as rodas prá molhar, por brincadeira, as empregadas que trabalhavam - e a seguir riam muito, felizes por ensopar as coitadinhas...

Apesar do meu desconforto, prá conhecer a praia em si paramos o carro no meio fio, descemos e começamos a caminhar no gramado entre duas lindíssimas casas, quando...

Eu era a segunda andando, logo atrás do meu filho. Na parte lateral da mansão à minha direita escutei vozes - que pensei serem dos empregados... - mas, andando mais uns passos, percebi serem de moradores...

Na lateral da casa havia um tipo de sala aberta, com sofás e mesinhas e diversas mulheres bebiam refrescos sentadas ali, todas amigas ou talvez parentes, rindo alto, conversando animadas...

Estanquei meu passo imediatamente - penso que como eu o faria se me desse frente a frente a um perigo ao qual eu me visse submetida... Virei-me de costas, disse que não ia prá praia por ali e minhas filhas - que vinham logo atrás de mim - me seguraram pelos ombros.

-"Que foi, mãezinha? O que aconteceu? Por que você não quer ir por aqui?"

Apavorada eu respondi:

-"Porque não quero, vamos em outro lugar, não quero ficar aqui..."

Elas não me largavam e então perceberam as mulheres...

-"Você não quer ir por causa dessas mulheres, mãezinha? Não precisa ter vergonha, você é linda, toda delicada, não deve nada prá elas!"

Meu filho veio e disse que a praia era pública, que a gente tinha tanto direito quanto eles de estar ali...

Minha cabeça rodava. Eles conversavam comigo calma e docemente, mas eu estava a ponto de surtar! Por um lado me senti entrando onde eu não havia sido convidada, invadindo a privacidade daquelas pessoas. Por outro lado me senti deslocada, fora do meu habitat, um peixe fora d'água, sufocando lentamente... Mas o pior, o pior de tudo... Ah... A tristeza que eu senti, maior ainda do que a tristeza por ter passado perto daquelas casinhas de taipa na beira da estrada...

Me soltei dos braços de minhas filhas e caminhei pro carro resolutamente - ninguém ia me forçar a ficar ali.

Aí minha Nana ficou brava comigo. Me disse que eu tava fazendo um papelão, sentindo vergonha das mulheres ricas daquelas casas. Que eu tava dando mal exemplo prá eles, por me portar daquele jeito. Que ela todo dia tinha que conviver com pessoas muito ricas na Faculdade de Medicina e que aceitava isso numa boa, mas que eu me recusava a enfrentar esse tipo de dificuldade...

E eu calada, as lágrimas escorrendo dos olhos, sem saber o que dizer. Milhões de pensamentos gritando dentro da minha cabeça: a razão dos meus filhos, a minha razão...

Enquanto chegava naquela praia me lembro de ter pensado que eu jamais poderia aproveitar de suas belezas, por mais maravilhosas que fossem, se eu tivesse que chegar até ali atravessando tanta miséria, encher meus olhos com as imagens de todas aquelas casinhas de taipa, daqueles rostos tristes...

Ao ver aquelas mulheres ricas bebendo refrescos e rindo despreocupadas eu senti vergonha de estar ali e de ser um ser humano: de viver num mundo tão cheio de contrastes doloridos, tanto claro e escuro, tanta alegria e dor desigualmente distribuídos! 

Eu quis fugir, quis esquecer que lugares como aquele existem, quis voltar prá minha zona de conforto, onde pessoas trabalham, sabem quanto custa um quilo de feijão e uma passagem de ônibus, compram o que precisam com planejamento e, fazendo economias, sonham em trocar o sofá da sala... 

Eu não senti vergonha delas por serem melhores do que eu em nada - pois são tão filhas do Pai que está nos céus quanto eu, embora usem perfumes que eu nem sei pronunciar o nome. 

Quer saber? Eu nem acho que elas são culpadas de alguma coisa, prá falar a verdade - como podem? Elas enxergam o mundo com os olhos delas, com os conceitos que aprenderam da vida que levaram - como poderiam enxergar como eu, se não viveram o que eu vivi? Não posso esperar que ninguém pense como eu, essa é a verdade.

E eu também não sei se alguém tem culpa de alguma coisa, afinal de contas... 

Eu apenas senti vergonha de viver num mundo onde o valor de uma pessoa está atrelado à sua conta bancária, onde a cor da pele tem uma importância que não deveria... 

A esta altura da minha vida eu penso da seguinte maneira: se o mundo fosse uma grande festa, onde existissem os donos de tudo, os convidados de honra, os convidados comuns e existissem as pessoas que estavam lá prá preparar os doces e salgados, servir os refrescos, é nessa última categoria que eu queria estar. Eu queria trabalhar incansável durante todo o dia, andando prá lá e prá cá enquanto as outras pessoas me viam passar e nem notavam a minha presença, nem sabiam o meu nome e, no final do dia, quando todas as luzes iam se apagando, por último sairia eu, deixando prá trás tudo arrumado e limpinho, colocando o lixo prá fora e indo finalmente descansar... Mas que ninguém pense que eu ia estar triste - de jeito nenhum!... Nos bastidores eu teria experimentado um tantinho de cada doce e salgado, teria bebido Coca Cola e tomado meu copinho de batida de maracujá e, com sorte, teria levado algumas sobrinhas prá casa...

Meus filhinhos: ninguém é melhor que ninguém e eu sei muito bem disso. Na vida tudo é passageiro: o rosto mais lindo vai se encher de rugas, o corpo mais lindo vai, cedo ou tarde, perder sua forma. O mais caro perfume perde sua essência prá falta de banho assim como os dentes mais brancos se enchem de cárie se não for feita a correta higiene e manutenção... Por mais dinheiro que se tenha a gente parte deste mundo sem um tostão sequer - e até as roupas que nos cobrem no caixão aqui ficam, roídas até os nossos ossos.

Tudo o que temos é aquilo que somos por dentro: cada decepção e cada vitória.

Eu não posso explicar a vocês como meus olhos veem a vida, por mais que eu tente. Posso gastar todas as palavras do dicionário e, mesmo assim, vai faltar um pouco do sentido naquilo que só eu consigo ver por causa de coisas que só eu vivi: cada um tem nos pés os calos que conquistou no caminho que andou, calçando os próprios sapatos... 

Já falei prá vocês que meus olhos enxergam as cores diferentes um do outro, não falei? Com meu olho esquerdo (tampando o direito) o céu tem um azul mais claro; com o olho direito eu enxergo um céu um tantinho mais escuro... Quando eu era pequena e percebi isso, pela primeira vez, foi que eu me dei conta de que, se numa pessoa, um olho não enxerga igual ao outro, como devem ser as visões de cada ser humano na Terra... 

É assim que eu vejo as pessoas: aquelas mulheres ricas, aqueles grandes empresários ou políticos ou seja lá o que forem os donos daquelas mansões não são melhores do que ninguém e também ninguém é melhor que eles - cada um é como é e como a vida o fez. Falo isso prá vocês não se sentirem decepcionados com as minhas fraquezas e que se, em algum momento, minha visão da vida for incompatível com a de vocês, peço que me perdoem. Não ambiciono ser perfeita, só quero ser amada por vocês, meus filhinhos...

Contei essa enoooorme história (aposto que a maioria desistiu de ler na metade...) meio que prá justificar minha ausência nessa viagem surpresa que meu filho deu prá gente e também porque senti que era algo que valia a pena compartilhar.

A foto do início da postagem eu tirei da janela do avião, sobrevoando o Nordeste: dá prá ver o oceano, a linha da praia, a terra acidentada por dentro - lindo, né? Vistos lá de cima todos nós temos o mesmíssimo tamanho, microscópico - dá o que pensar, não é mesmo?

A todas as pessoas que pegaram prá ler mais esta "mensagem na garrafa" eu desejo um bom começo de ano, um 2016 cheio de trabalho e alegria. Pão e rosas, como diz a música - precisamos dos dois prá sermos felizes, não é mesmo? 

Mas é assim: grandes ou pequenos, graças ao Pai somos todos infinitos por dentro em nossa capacidade de aprender coisas novas e, principalmente, em nossa capacidade de amar e nos reformar prá conseguirmos ser a melhor versão de nós mesmos. 

Quero isso prá mim. Quero pro mundo todo.


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21 comentários:

  1. Rosa,fico aliviada em saber que sua ausência foi por motivos felizes. É sempre ótimo estar em família. Sigo seu blog há muito tempo e só hoje encontrei coragem para comentá-lo.Seu pensamento aproxima-se muito ao meu.Neste mundo em que estamos vivendo, existem ainda muitas pessoas que parecem não enxergar o outro e suas necessidades. Os jovens parecem que já vem melhor equipados para encarar estas diferenças.Quem sabe se eles não conseguirão num futuro próximo iguala-las? E que Deus abençoe a todos nesta luta.Muita paz

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  2. Rosinha, seja bem vinda amiga, tantos preconceitos, tantos
    contrastes, infelizmente há pessoas muito snobs, só olham
    para o seu umbigo, isso também irrita-me, beijos flor.

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  3. No puedo traducir.
    Te deseo UN FELIZ 2016
    Lo mejor para ti y mucha salud.
    Un beso.

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  4. Que assim seja pra nós e para o mundo todo, e quanto maior for a necessidade maior seja a presença da misericórdia de Deus. Namaste

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  5. Rosa...a vida está sempre a surpreender_nos e cabe a nós a missão de saber aproveitar o que de gratificante nos acontece!
    Fico feliz pelo seu regresso e um ano excelente para si e para os seus!

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  6. Rosa...a vida está sempre a surpreender_nos e cabe a nós a missão de saber aproveitar o que de gratificante nos acontece!
    Fico feliz pelo seu regresso e um ano excelente para si e para os seus!

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  7. É assim mesmo, Rosinha!
    Todos diferentes, mas todos iguais.
    Feliz Ano Novo.
    Beijinhos da Nina


    Já passei umas maravilhosas férias no Nanai, Porto Galinhas.

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  8. Só vou comentar primeira parte , porque não posso ler muito em computador e porque aqui são duas e trinta da manhã.

    O que aconteceu é a mãe de sua amiga, como tanta gente ainda, era preconceituosa.


    As fotos estão lindas...e eu estive em Fortaleza, mas não conheço nada mais , infelizmente, do seu país,


    Desejo-lhe um feliz 2016

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  9. Ai Rosa, você sempre me emociona!
    Desejo um feliz ano novo com muita saúde e paz a você e aos seus!
    bjs Nina

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  10. Rosa

    Que bom que saíste do "castelo"!! ainda mais você que dizia querer ir ao nordeste. Fico feliz por receberem esse belo presente do filhão. Passear em família é muito bom, não importa onde se vá, perto ou longe, estar junto de quem amamos e nos ama é bom demais.

    Li até o fim seu relato e uffa...qta aventura rsrsrs a começar na maldade da mãe de sua "amiga". Que pena ter gente assim no mundo!! que se acha superior por ter $$$$$ mas não tem classe, educação alguma. Mas....o mundo é redondo, dá muitas voltas e um dia a gente acaba encontrando essas pessoas vivendo em outro contexto.

    Também conheço Porto de Galinhas, quando fui achei barulhenta no sentido de baladeira e tb vi esnobismo em alguns lugares. Na verdade, não sinto vontade de voltar apesar da beleza natural, prefiro locais mais tranquilos, mais escondidos, esquecidos do mundo e o nosso país está carregado desses lugares que poucos conhecem. Assim como você, não aprecio lugares esnobes, gente exibida, opulência...dispenso tudo isso por uma paisagem de vida comum, crianças brincando descalças na areia, famílias se divertindo, ninguém barrando passagem por motivo de classe social e etc...

    Quando puder coloca mais fotos do teu passeio, dos lugares em que se podia fotografar.

    Bom, Rosa querida, que tenham Feliz 2016 com infinitas bençãos divinas.

    Bjs

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  11. Rosa querida, que bom tê-la por aqui novamente, senti sua falta. Você sabe que gosto de ler seus textos, sempre tão humanos, tão reais. Fiquei feliz por sua viagem, tão merecida! Por outro lado é triste saber como as pessoas acham que são melhores que as outras, pela roupa que vestem, pelo calçado que calçam, pelo carro que têm, pela casa onde moram. Afinal de contas, como dizia minha mãe: - "Quando morrem cheiram mal igual à todos nós". Sei que quando somos crianças e algo nos machuca, a marca fica para o resto da vida. Mas você, uma mulher tão linda ainda fica preocupada com esse tipo de atitude das pessoas? Não faça isso com você pois não merece. Quem gosta de você que goste como você é, com dinheiro ou sem ele. Aqui onde moro, eu era tida como uma pessoa antipática, porque meu falecido marido teve muitos entreveros com os vizinhos, há dezenas de anos. Eu sou o que sou. Depois que comecei a conversar com um e com outro a minha imagem para os olhos deles mudou. Hoje em dia, quando fico sem ver meus vizinhos, porque estou sempre dentro de casa, eles dizem: -"Onde você está que ninguém a vê, precisa sair mais para nos encontrarmos!". De uns tempos para cá meus vizinhos dizem para mim que é uma bênção a hora em que toco órgão, porque eles se deliciam com a música. Eu fico preocupada em não incomodar ninguém, mas eles dizem que desse "incômodo" eles gostam e que não é para eu deixar de tocar órgão para que eles ouçam. É assim a vida, minha amiga. Tenho como exemplo o meu pai, pessoa simples. Quando ele era vivo, sempre, sempre, estava arrumando a casa da praia com serviços de pedreiro, encanador, pintor. Vestia-se com calça já bem surrada e o pior era que no lugar do cinto, usava barbante ou um pedaço de arame. Nós ficávamos bravos com ele porque ele ia ao comércio vestido daquele jeito, sem nenhum tipo de vergonha. Ele dizia que o que importava para os comerciantes era o dinheiro que ele levava para pagar o que comprasse e não com a roupa que estava vestindo. Depois disso não falamos mais nada, não havia o que argumentar. Por isso digo-lhe não tenha vergonha de ser como é.
    Desejo à você e aos seus queridos um ano de 2016 repleto de bem-aventuranças. Que o Senhor os cubra de bênçãos.
    Um abraço apertado e caloroso e muito beijos.

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  12. Feliz Ano Novo Rosa!
    Compartilho do mesmo sentimento que você, pensei até que eu não era normal. Não me sinto nada a vontade em certas situações como essa, sou um peixe fora d´água. É tudo muito triste, que pena que muitas coisas ainda prevalecem depois de tantos anos... :(

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  13. Puxa vida Rosa, que bom que vc voltou!!! Olha, Sou uma negra de 55 anos. Nasci em Santos/SP, vivi desde os 09 anos em São Paulo, na Zona Norte e em julho de 2015 me mudei com meu marido prá Itaparica/BA (minha mãe que é baiana, veio há quase três anos). O Nordeste é lindo sim mas, o preconceito é grande, tanto racial como econômico. Já vi e passei por muita coisa e me entristeço muito com isso mas, é Brasil e nosso Brasil é um pais extremamente racista, preconceituoso e discriminatório. Triste... Tenho 2 irmãs que moram fora do Brasil e lá o que conta é a índole, a vontade de estudar e trabalhar, sua luta diária por suas conquistas. Lá elas são mulheres lindas. Que 2016 traga um pouquinho mais de luz prá esse nosso Brasil, não é mesmo? E que possamos ver menos irmãos sofrendo. Muito feliz com seu retorno. Beijão.

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  14. Linda Rosa na janela. Transfiro a tí o desejo do meu futuro genro à mim : que em 2016 iniciemos a quebra de todas as correntes e semelhanças. Que assim seja. Porque assim é. Abraços de alma pra alma

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  15. Como não poderia ler até o final este seu lindo depoimento... com o qual me identifico muito.
    E vc é mesmo uma amiga muuuuito especial e querida por me dizer: "Mas é assim: grandes ou pequenos, graças ao Pai somos todos infinitos por dentro em nossa capacidade de aprender coisas novas e, principalmente, em nossa capacidade de amar e nos reformar prá conseguirmos ser a melhor versão de nós mesmos. "
    Um 2016 cheio de saúde e muitas felicidades para vc e para os seus.
    Te adoro minha amiga.
    Beijo.

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  16. Oi Rosa! Estava com saudades de você e de suas histórias...
    Viajei com você em meio aos detalhes tão bem contados!
    feliz 2016 pra você e sua família. bjss

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  17. Oi Rosa! Estava com saudades de você e de suas histórias...
    Viajei com você em meio aos detalhes tão bem contados!
    feliz 2016 pra você e sua família. bjss

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  18. Que relato maravilhoso! Que pessoa linda é você, Rosa. E suas amigas, aqui no blog, também! Estava à procura de um molde simples de kaftan e, deparo-me com pessoas de tanta grandeza de alma, de modo de ser. Que prazer ter encontrado todas vocês!

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