sexta-feira, 29 de maio de 2015

O segundo


A gente costuma trazer no coração com carinho uma porção de coisas - especialmente aquelas que a gente vive pela primeira vez. Lembro da minha primeira ida ao cinema, do meu primeiro dia na escola - usando vestidinho de crochê amarelo... -, da minha primeira caneta - que era tinteiro e por um triz não me estragou o uniforme...


O meu primeiro beijo...

Sério: o de vocês foi com que idade? Aposto que vocês eram adolescentes - e aposto que ainda se lembram dele...

O meu... eu tinha 19 anos...

Falar a verdade: não dava prá ter acontecido antes. 

Primeiro eu não estava preparada: parecia de propósito, eu só me apaixonava por quem não gostava de mim. 

E na feliz coincidência de descobrir que o garoto correspondia ao meu afeto, eu - na mesma hora - deixava de gostar dele, fugia igual o diabo foge da cruz. Não estava preparada mesmo, o meu departamento eram as paixões platônicas.

Me arrisco até a dizer que aquele garoto que partiu meu coração na adolescência - cuja patética história eu contei nesta postagem AQUI - só se arrastou por tanto tempo porque eu sentia, no miolo dos meus ossos, que não era correspondida. Se - em uma única vez - ele tivesse me olhado com carinho, tinha acabado naquela hora mesmo e nada daquilo teria acontecido...

Sei lá, acho que eu era medrosa, imatura... Complicada.

Daí, com 19 anos, fomos eu e minha irmã Cida passar as férias numa praia litoral de São Paulo, juntamente com nossa prima Beatriz - que era adotada e super-super rica. Ficamos no apartamento do meu tio João e da minha tia Nancy - que só nos levaram prá fazer companhia prá Beatriz, que era a sobrinha preferida deles e que estava passando com eles as férias de verão, pois os pais estavam viajando prá fora do Brasil.

Bom, lá estávamos nós: três adolescentes com praia a perder de vista, sol, garotos de montão prá todo lado - paraíso...

Na frente do prédio ficava parado um grupo um pouco mais velho do que nós, meninas de longas madeixas louras, de pele dourada, garotos de parafina nos cabelos - usuários de drogas, segundo nossa prima Beatriz, a sabidona dentre nós. Ficamos bem longe deles - pelo menos eu e a Cida...

Beatriz era assim: magra, busto manequim 50, extrovertida, biquini fio-dental (e isso ainda não era moda - mas meus tios não se atreviam a contrariar a menina, que fazia o que bem queria...). Trocava de roupas no quarto e ficava refrescando os seios na janela - daí gargalhava dizendo: "Há, há!!! O velho ali do oitavo andar deve tá tendo um infarto de olhar prás minhas belezas!!!". 

Eu e minha irmã usávamos maiôs de corpo inteiro, bem de velha - como nossa mãe havia comprado... Sobrava tanto pano no meu...

Uma certa noite saímos prá passear pela orla da praia, tava tendo uma festa qualquer - nem me lembro o motivo. Tinha um shopping que a gente queria conhecer - não existiam muitos naquele tempo e eu e a Cida nunca tínhamos ido em um na vida. Nos auto-falantes espalhados pela rua tocavam músicas em moda na época e eu me lembro especificamente de uma: On Broadway, do cantor George Benson. Até hoje associo essa música à verão e à praia...

Lá estávamos nós três caminhando pelo calçadão quando, de repente...

Apareceram pela nossa frente dois rapazes: um moreno baixinho, parecido com aquele ator latino John Leguizamo - nada de especial - e o outro (ah, o outro...).

Você começava a olhar prá ele pelos pés, ia subindo os olhos e tinha que pagar pedágio até chegar nos lindos cabelos loiros - o garoto era um monumento, alto até dizer chega. Tudo nele era lindo: os olhos verdes, o sorriso todo certinho e branco, a camisa azul clara meio aberta... Na sola dos pés devia até ter uma incrição do autor: "feito por Deus". Muita areia pro meu caminhãozinho...

O baixinho veio jogar conversa fora com minha prima Beatriz - que não perdia uma oportunidade prá namorar - e o bonitinho veio se chegando pro meu lado e puxando papo co-mi-go! Com minha irmã Cida ali - a bonitona da minha família - e ele pareceu se interessar por mim!!! 

E tem gente que não acredita em milagres...

A velocidade da luz - já ouviu falar? Pois é passo de lesma perto da velocidade da minha imaginação... Em alguns segundos me imaginei namorando com ele, ele vindo me visitar na capital, a gente casando, morando num apartamento na praia - eu deixando de ser a encarnação humana de um pimentão e ficando linda e bronzeada... - tendo dois filhos (um menino e uma menina, ambos lindos como ele e inteligentes como eu...) e vivendo felizes para sempre... Ai, ai... Fui tão feliz - bodas de ouro e tudo...

Daí, enquanto eu viajava na maionese mentalmente, minha prima Beatriz já começou a beijar na boca o garoto moreno - que tinha acabado de conhecer... - e o rapaz que estava comigo me pegou pela mão, me levou até um banco de rua e nós nos sentamos - minha irmã Cida na outra ponta do banco...

-"Oi, eu me chamo Rosa..." - eu disse, toda mocoronga...

Ele ficou me olhando, um sorriso parecendo indeciso entre os olhos e os lábios...

-"Vicente" - me lembro como se fosse hoje: era o nome do melhor amigo do meu pai (eu até achei que era um bom presságio, esse tal amigo vivia consertando a TV de casa de graça...).

Eu pairando no ar, ar com cheiro de água salgada, tão bom de aspirar...

Quando - do nada, assim sem mais nem menos... - o Vicente me agarra e começa a me beijar - na boca - como se a gente estivesse meio assim, noivos prá casar já de data marcada, de aliança e tudo - e me desculpe quem me achar bobona, mas eu era uma menina muito certinha, tudo preto no branco na minha vida, nada dos tons de cinza do mundo de hoje em dia...

-"Que absurdo!" - eu pensei... "A gente nem se conhece, ainda nem decoramos os nossos nomes direito!!!" - um choque de realidade, isso é o que foi. "Que nojo, parece que tem uma lesma tentando escorregar pela minha garganta! ÉEEca" - e eu batalhando prá me livrar das mãos dele, tão enormes, me segurando com força. 

Com um esforço sobre-humano eu consegui me soltar, mas o beijo continuava e continuava, agora acompanhado por uma mão que queria se posicionar em partes do meu corpinho - infantil de tudo - sem a minha permissão!

-"Jesus, me acuda!" - eu disse (expressão que herdei da minha avó...), adquirindo uma força três vezes maior que o meu normal, me levantando dum salto, agarrando a Cida pela mão e me afastando dali o mais depressa que eu pude - mais rápido que a minha mundialmente famosa velocidade da imaginação...

Ele me olhando com um ódio totalmente injustificado - como se eu tivesse xingado a mãe dele, assassinado seu cachorro - eu assustada, olhando prá ele sem entender nada da vida e, entre nós, nossos dois filhos mortos, nosso casamento desfeito, nosso lindo apartamento na praia demolido em fase de construção...

Minha prima Beatriz - a muito custo - largou do seu amiguinho e foi embora conosco, por insistência nossa (diga-se de passagem). Marcou de se encontrar com ele de novo, outro dia e outra hora (e realmente fez isso, sem a nossa companhia). A favor dela tenho a dizer que, apesar da fama de "galinha", ela não zombou de mim. Me consolou, genuinamente comovida pela minha inocência.

Eu - fiquei traumatizada. Fiquei me achando uma aberração da natureza. Todo mundo no Universo adorando beijo na boca e eu odiando, achando que tinha gosto e cheiro de cuspe. Nojo. 

Dali prá diante cada vez que via um beijo em novela ou filme voltava todo o trauma...

Anos depois, com 22 anos, lá estávamos eu e o Marildo meio que engatando um relacionamento, andando juntos prá todo lado, dividindo lanches, ideias, confidências...

Um belo dia eu, desesperada, falei prá minha mãe assim:

-"O que que eu vou fazer, mãe? Se de repente ele vier me beijar, eu não vou gostar, vou reagir com nojo, o que vai acontecer? Gosto tanto dele, acho ele tão lindo, tão legal com as crianças, com os velhinhos, ele é tão bom - acho mesmo que eu o amo... O que vai ser de mim, mãezinha?"

Ela sorriu daquele jeito lindo que as mães sorriem prá consolar a gente, cheias de paciência e sabedoria de vida e disse assim:

-"Vai dar tudo certo, filha. Se você gosta mesmo dele, você vai gostar do beijo e vai dar tudo certo..."

E deu.

Um sábado lindo há mil anos atrás, a gente voltando de um dia repleto de trabalho voluntário, passavam das oito horas da noite... 

A gente cansado e feliz, tanta coisa linda tinha acontecido naquele dia! Tava um calor gostoso, o céu repleto de estrelas, a gente segurando um na mão do outro, sem um tostão prá tomar um sorvete... Na calçada de uma casa bonita, no centro da Penha, do lado de uma árvore muito antiga e cheia de história aconteceu meu segundo beijo - e foi mágico. Natural como colocar um pé diante do outro quando se anda, quando se tem um caminho lindo pela frente e não se tem medo de empreender essa jornada...

Muitas e muitas vezes pedi prá passear de carro por ali, só prá dar uma parada na porta e mostrar prás crianças a árvore onde aconteceu o primeiro beijo do papai e da mamãe - boba de tudo, eu sei. Piegas, isso é que eu sou...

Faz uns 3 anos alguém comprou a casa e cortou a árvore velha que ficava na calçada - chorei de tristeza, se eu tivesse dinheiro tinha comprado aquela casa prá mim...

Foi assim: embora eu nunca vá esquecer do primeiro, foi o segundo beijo que deu início à parte boa da minha história, ao conto de fadas cheio de lutas e de final feliz batalhado a cada dia.

Beijo - prá mim - é sagrado. Não consigo entender gente que namora só por namorar, que beija por beijar. Atores e atrizes beijando todo mundo e qualquer um - não consigo entender, não nasci prá isso...

Me lembro de três ocasiões no Evangelho mencionando beijos...

Jesus na casa de um homem rico, convidado para um jantar... De repente  uma moça entra na casa sem ser convidada e, sem se importar com os olhares reprovadores que a encaram, passa a banhar os pés de Jesus com suas lágrimas e a secá-los com seus cabelos... Mediante a estranheza do rico, Jesus menciona que ele (o rico) o havia recebido em casa sem o costumeiro e esperado beijo no rosto de boas vindas - enquanto que a moça, a quem todos olhavam de atravessado, não cessava de lhe beijar amorosamente os pés...

Lindo isso - beijar prá dar boas vindas. 

Mais lindo ainda, cobrir alguém de beijos por lhe ter muito amor - como ela fez...

Beijos são tão preciosos... São como palavras sem sílabas, de um som que só o coração escuta, que dizem tantas coisas sem pronunciar nada...

Mas também me lembro de uma outra vez em que houve um beijo - um outro beijo bíblico, usado como marca, um carimbo mudando o rumo de uma linda história:

"-Então, Judas... Me traíste com um beijo?"...

Que todos os beijos fossem sinal do mais profundo amor nessa vida...


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13 comentários:

  1. Antecipando o dia dos namorados? Também sou piegas assim...rsrs Linda sua história Rosa. Não é à toa que a união de vocês é abençoada.
    Acho uma ótima ideia você fazer uma capa. Assim, onde ele estiver, seu carinho protetor estará junto.
    Bjs

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  2. Rosa...que lindo!!
    E não é nada piegas o que contaste sobre a árvore, o 2º beijo, achei lindo, romântico. Eu também sou assim por locais, por coisas que se ligam a fatos de minha vida e da de meu marido. Até hoje tenho escritos dele (meu marido lógico) de quando éramos apenas namorados.

    Tanto ele quanto eu somos assim com um banco de praça perto da casa de minha mãe e mais outras coisas que nos remetem à adolescência. No mês de Junho faremos aniversário de namoro e de casamento. Um mês sempre muito aguardado por nós dois e sabe, Rosa, que vc até me inspirou a ser piegas também....rsrsrsr estou até pensando em preparar algum post sobre isso.

    Vc perguntou e respondo...meu 1º beijo foi aos 16 anos e também estranhei muito. Pensava que era só tocar os lábios e ao final fazer aquele "smac" e pronto. O 1º beijo não foi com o que seria meu marido mas era um rapaz bacana também mas não era destinado a estarmos juntos depois. Ainda bem que não foi beijo forçado pois acho essa experiência quase que como estupro embora não tão grave. Bom, Rosa, essa é a minha opinião pois não gosto de nada forçado em matéria de amor e de relacionamentos.

    Você agiu corretíssima e com auto-respeito perante esse rapazinho loiro, lindo, o "deus grego da praia". Beleza não é tudo, caráter sim é o que importa.

    Achei linda a tua história de início de namoro. Que bom que foi com seu futuro marido pois vcs já eram destinados um ao outro. E a história continua...linda e abençoada.

    Affe, Rosa...desculpe, escrevo demais e já ocupei o teu tempo.
    Agradeço pela paciência.

    Até mais e tem respota p/vc no meu blog.

    Beijo

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  3. Oi Rosa! Puxa que história! Acho que muitas de nós teve seu momento nojo de beijo...eu tive assim como você, o primeiro que foi roubado como o seu! Nossa eu detestei! Mas quando beijei meu marido que era tão inexperiente como eu, foi mais bonito, foi uma descoberta mútua!
    Bom fim de semana
    Nina

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  4. Rosa...histórias que fazem parte da nossa vida!
    Eu comecei a namorar aos 14 e casei aos 18...e divorciei-me 21 anos depois! dessa relação tenho 2 filhos (trintões)!
    Hoje estou numa relação mais madura há quase 10 anos!
    também me recordo de muitos momentos...mas não sou muito dada ao passado!
    Atualmente...apenas o presente! Bj amigo

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  5. Ah, que história linda, Rosa...muito romântica!
    Na verdade o segundo foi o primeiro...porque o beijo só vale quando a gente gosta e se entrega.
    Bjs querida e ótimo final de semana

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  6. Rosinha, confesso, nesse capítulo fui bastante precoce! Porém não dou importância!
    Só valorizo o presente!
    Beijinhos e bom domingo

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  7. Bonito .....beijos roubados nem sempre são bons
    uns sim outros nem tanto, mas gostei e sabe rum pouco
    mais de vc rsrsrs até dei risada do seu jeito de contar
    Mas o melhor é quando tudo da certo quando amamos
    Elogios..
    Bom domingo e um começo de semana
    cheinho de muita paz
    Abraços com carinho!

    └──●► *Rita!!

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  8. Esse beijo traiçoeiro dispensamos, mas os beijos do nosso amor,
    esses são como joias que enfeitam nossa vida, expressões de amor,
    beijo Rosinha querida

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  9. Ah Rosa, se eu tivesse lido essa história em outro lugar, teria certeza de que era sua!! Um beijo virtual, mas com todo carinho prá você!!

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  10. Sabe Rosa adoro seu blog e viajo com as histórias que conta .Penso como você ,hoje em dia as pessoas se encontram nas "baladas" já vão se beijando ,saem dali e dormem juntos ,depois nunca mais se olham na cara .Somos de uma época em que carinho ,afeto e amor tinha muito valor e ensinamos isso para nossos filhos ,Quando saio passear com meu marido ,vemos coisas tão absurdas que até nos questionamos se estamos ficando velhos ,pois na nossa época não se via o que vemos hoje .Mas fazer o que ? Esse é o mundo em que vivemos atualmente .Rosa por favor quando tiver um tempinho ( sei que é muitooo ocupada) mas se te sobrar um tempo poderia ensinar em vídeo como fazer cava raglan e blusa ? amei aquela blusa de cruz mas não consegui fazer o raglan ,ficou deengonsada a minha , a sua ficou perfeita .Abração Rosa .

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  11. Olá, Rosa

    ... passando para desejar-te um Feriado, muito bom.
    Um abraço.

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  12. Mais uma história linda, e que por sinal me identifico muito.
    Saudades de ti.
    Linda semana para todos aí.
    Beijo.

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