Era um dia como todos os outros: eu abria meu guichê pontualmente às sete horas da manhã e já tinha uma fila enorme de gente me esperando, com dúvidas, reclamações, protocolando seus interesses.
Muitas dessas pessoas vinham somente prá eu lhes preencher o carnezinho de autônomo, antes de ir ao banco pagar - nos despachantes era cobrado pelo serviço e eu fazia de graça, mesmo sem ser minha função - não me custava nada e, para a maioria dos que vinham, o dinheirinho era contado...
Eu não trabalhava mais no Serviço Social - agora eu era funcionária do Setor de Inscrição de segurados, o que significa dizer que no meu guichê vinham os autônomos, as domésticas e os desempregados, entre outros.
Tantos dramas por trás de cada rosto!
Gente que havia contribuído prá Previdência Social a vida toda e que havia sido mandado embora porque estava velho - perdiam um tempão procurando emprego e, quando não arrumavam nada, vinham até ali prá começar a contribuir por conta própria, sem patrão...
Muitas vezes ficavam tanto tempo desempregados que perdiam a carência - tinham que recomeçar a contribuir pelo salário mínimo e fazer uma nova carência de cinco anos prá se aposentar, mesmo se só faltasse um ano prá isso - injustiças da lei...
Todo santo dia vinha todo tipo de gente. Gente humilde, falando de cabeça baixa. Gente grosseira, falando alto, querendo mandar em tudo. Gente ignorante, tratando funcionário como lixo. Gente espertinha, querendo levar vantagem.
Prá todas elas o mesmo tratamento respeitoso, "Pois não?", "senhor", "senhora", "por favor" - "Próximo!" - e a fila andava mas não diminuia, todo mundo precisando de alguma coisa...
Até que me aparece essa mulher - loura, magra, bem vestida - que entrou no posto e não pegou fila, veio direto no guichê. Talvez ela tenha pensado que mulheres de salto alto também tivessem direito a atendimento preferencial, assim como os idosos, deficientes e gestantes - vá saber... Com cortesia eu a informei que era necessário aguardar sua vez na fila e ela, me fuzilando com os olhos, foi ocupar nela o seu lugar...
Impaciente, revirava os olhos, dirigia ao vento reclamações pela demora do atendimento - mas eu não me apressava, dava a cada pessoa a atenção devida, mesmo se não fosse pertinente ao meu setor (afinal, a pessoa havia esperado tanto tempo na fila... Eu dava algumas informações, fornecia alguns formulários que eu tinha comigo somente prá esses casos e a encaminhava já "meio atendida" pro setor correto...).
Chega a vez dela e seu assunto não era comigo. Quer dizer, "era e não era". A tal mulher era funcionária pública de um órgão qualquer que não me recordo e havia protocolado uma "contagem recíproca" - que é prá juntar o tempo contribuído prá Previdência Social comum ao tempo de serviço atual como funcionária. Havia protocolado no meu setor, tinha passado pelos trâmites normais e sido indeferido por alguma irregularidade e agora estava em fase de recurso, a fim de serem anexadas novas provas. Nessa fase o processo já não pertencia ao meu setor - na verdade, nem pertencia mais ao meu posto, estava sendo julgado na Superintendência e ela tinha que aguardar o retorno do mesmo e uma cartinha de convocação.
Eu explicava e explicava e explicava e a mulher - de uma certa cultura e de muita ignorância - não parecia entender (ou não se conformava).
"- Foi aqui que eu protocolei e vocês é que tem que me resolver o assunto, nada de Superintendência. Você, menina, trata de pegar o meu processo que eu sei que está perdido em um desses arquivos fedorentos e resolve logo, senão eu vou na polícia! Quem você pensa que é? Uma funcionáriazinha de guichê, uma balconista qualquer e querendo me "engrupir"? Chame a sua chefia que eu quero falar com quem entende!"
E eu chamei. Minha chefe tinha todo um setor prá cuidar, não dava prá ficar parando a todo momento prá resolver esse tipo de assunto, me disse prá repetir mais uma vez a informação e, se a mulher continuasse criando caso, chamar a segurança.
Eu ia ter que abandonar o guichê prá chamar a segurança - e só ia criar mais confusão ainda. A essa altura a fila toda já estava em polvorosa. Todo mundo que já sofreu uma injustiça em algum órgão público empaticamente tomou prá si as dores da mulher. Era: "Ninguém atende direito nessa jossa!"; "A gente é tratado com total desrespeito pelo governo!"; "Tem que reclamar mesmo! Tem que exigir nossos direitos!!!"
De repente, meu coração - que estava bem acelerado pelo agitado da situação - se aquietou, minha mente ficou clara e eu simplesmente disse:
"- Tá bem, tá bem, a senhora venceu!"
A mulher, estupefata, abriu a boca. Pensou por alguns segundos, se recompôs - deixando de lado a agressividade expansiva e retornando para a agressividade contida - e, assumindo novamente um ar de superioridade, disse assim:
"- Ainda bem que você ouviu a voz da razão, menina. Com vocês, é assim mesmo: se a gente não esperneia, não consegue nada. O tempo todo você podia resolver meu assunto e só não queria, não é mesmo?" - e riu da minha cara...
"- A senhora não entendeu" - eu disse. "Eu realmente não posso resolver seu processo, pois o mesmo não está aqui, está na Superintendência."
"- Então - como é que eu venci?!" - disse a mulher, com os olhos saltando do rosto, cheios de raiva...
"- Sabe o que é (eu inventei)... A gente aqui no prédio faz, todo ano, um concurso prá escolher a pessoa mais chata que nós atendemos no ano todo - geralmente é no final de dezembro... Sei que estamos ainda no começo de setembro, mas a senhora - com certeza - não vai ser ultrapassada por ninguém. O prêmio é uma viagem, com tudo pago, com direito a acompanhante (se a senhora tiver quem queira lhe fazer companhia...), só de ida, pros Quintos dos Infernos... Aliás, vou conversar com meus colegas e ver se a senhora não ganha também o troféu de mais chata da década - a gente ainda vai decidir qual vai ser o prêmio...".
A mulher ficou mais furiosa ainda... Eu já estava no pique mesmo, as palavras escorriam da minha boca como água de uma torneira:
"- Ué, a senhora não gostou do prêmio? Continua nervosa, mesmo tendo ganhado? Olha, isso não é normal, a senhora não está bem emocionalmente, devia procurar ajuda profissional. Ah, mas se não puder pagar um tratamento psiquiátrico, faz assim: pega um chinelo havaiana, se enfia debaixo da cama e vai roendo ele, que o nervoso passa - com a minha cachorra resolve!..."
Extrapolei, eu sei - mas até a lua tem seu lado escuro, que dirá eu. Minha chefe, meus colegas de trabalho, todos se levantaram de suas mesas e estavam ali próximos de mim, boquiabertos, estupefatos...
A mulher quase teve um ataque - e eu quase senti pena dela... Me ameaçou de processos, de prisão - só não disse que ia me fazer uma macumba, de resto disse tudo. Ia fazer queixa de mim na gerência do posto.
"- É aquela primeira porta, logo ali em frente. O nome dela é Angela." - eu disse.
E a mulher foi prá lá, fazer queixa de mim, dizendo que ia fazer eu ser despedida imediatamente.
Eu continuei atendendo minha fila - agora todos calmos, talvez com medo de serem mandados pro mesmo lugar que eu havia mandado a mulher. A verdade é que, nesta vida, se você tem medo, se demonstra fraqueza, tá perdido! Tá cheio de gente que chuta cachorro morto, por incrível que pareça...
Uns quinze, vinte minutos depois sai da sala a gerente - pessoalmente.
"- Rosa, você me dá um minutinho aqui, na minha sala?"
Ao atravessar a pequena distância entre meu guichê e a sala dela lá estava a mulher - nariz empinado, ar de vitória. Eu pensei: "Seja o que Deus quiser", me imaginando na saída do trabalho carregando uma caixa de papelão com minhas coisinhas e dizendo pro Marildo "Fui despedida" ou algo assim, mas sem um pingo de arrependimento. "Seja o que Deus quiser"...
A gerente - uma mulher lindíssima e super inteligente, a competência em pessoa, do tipo que impõe respeito em qualquer sala que entra sem nem mesmo abrir a boca - me fez sentar em frente à mesa dela, cruzou as duas mãos na altura do rosto e me contou tudo o que a mulher havia dito.
"- É verdade tudo isso, Rosa? Você realmente disse tudo isso prá essa senhora?".
"- Disse."
Ela me olhou nos olhos, primeiro séria como condizia à sua função, depois esboçou um sorriso e, por fim, disse:
"- Muito bem. Gostei de ver. Essa mulher já deu o que falar aqui dentro, é antiga conhecida de outros setores. Eu mesma, quando trabalhava no Setor de Aposentadoria, já tive uma discussãozinha com ela, a respeito da aposentadoria do marido dela. É uma figura essa aí, sempre cheia de razão, sempre de pedras na mão... Olha, prá evitar que ela arrume uns segurados como testemunhas e vá te processar por aí vamos fazer de conta que você levou uma bronca minha, tá bom? Quando sair da minha sala finge que tá triste..."
Agora eu é que tava pasma... Olhei prá ela, agradeci e fui saindo. Ela me chamou de volta e disse:
"- Muito boa a tirada da viagem com direito a acompanhante. O chinelo, então... Adorei."
Do outro lado da porta a mulher me esperava. Encarei seus olhos bem firme, mas não sorri como estava com vontade - também não fiz cara de triste, não nasci prá ser atriz.... Ela nunca soube se eu levei bronca mesmo...
E até hoje rio muito quando conto essa história, pensando "Será que a mulher tinha acompanhante prá viagem?"...
(Essa longa história eu contei prá todas as pessoas que pensam que eu sou uma boa pessoa: como Jesus dizia: bom é Deus. Nós somos apenas humanos...)
Grande Rosinha!
ResponderExcluirSou uma paz de alma, fujo da confusão a sete pés, mas, medrosa não sou e encaro de frente uma provocação!
Vê? Mais uma ponte!
Eu é que agradeço, muito, muito, sempre, sempre!
Beijo, linda!
Obrigada, Nina querida, por tanto carinho, minha amiga.
ExcluirBeijão!
Rosa..por vezes a nossa paciência esgota!
ResponderExcluirAinda ontem perdi o controlo perante uma operadora de internet e televisão...que tem feito questão de brincar com a minha paciência!
Meu sobrinho...que escutava...no final da conversa disse:
_ Puxa tia...não te reconheci!
Mas é assim mesmo, a gente tem que reagir, senão sucumbe aos insultos. Ainda bem que você não deixou por menos.
ExcluirBeijos, querida Maria da Graça!
Vc é porreta mesmo...Muito boa a tirada da viagem...rsrsrsr rindo muito...
ResponderExcluirQue bom que você gostou, Sandra querida! Beijos!
ExcluirAi d rosa otimo, vivendo e aprendendo rsrs nao sei se teria essa imaginacao e sutileza mas depois de um fato desses quem sabe bjs.
ResponderExcluirAh, na hora a gente se vira, o que não pode é aguentar ofensa calada...
ExcluirBeijos, Elisabete querida!
Passei por acaso mas fiquei presa pelo seu relato...gostei muito e do blog também ...já estou a seguir!
ResponderExcluirMaria
Eu também adorei que você veio e eu pude te conhecer, Maria querida!
ExcluirBeijos!
Se você é boa? Queria eu ter essa imaginação, esse sangue frio e não partir prá ignorância total! Gostaria de estar nessa fila, só prá ver a cena e aplaudir. Dá nojo de gente assim, que se acha melhor que os outros. Essa de "roer o chinelo" é muito melhor do que " tirar a calcinha e pisar em cima", já ouviu essa?
ResponderExcluirbeijos
Nunca ouvi essa de "tirar a calcinha e pisar em cima" - me pergunto agora o que será que significa...
ExcluirBeijos, Luci querida, e uma linda semana prá você!
Por muitas vezes temos que suportar maus tratos , e assim se leva a vida,
ResponderExcluirNão sei se teria esta coragem de falar tudo.
bjs
http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/
Ah, Simone, tem que arrumar coragem - a gente não tem que suportar tudo na vida, só tem que suportar o que não tiver como evitar...
ExcluirBeijos, minha querida!
Rosinha há gente muito, mas muito chata, ás vezes temos que levar
ResponderExcluircom elas, beijos doces
Concordo. Gente chata, muitas vezes, a gente deixa prá lá, atura... Mas ofensa não - ofensa tem que rebater, sem partir prá ignorância, não é mesmo, Mira querida?
ExcluirBeijos!
Ai Rosa estou com dor na barriga de tanto rir, imaginando você falando tudo aquilo e a cara da fulana!
ResponderExcluirMe senti de alma lavada, quantas vezes quis falar umas verdades para algumas pessoas e não consegui….
AMEI a história! Você é um dos melhores seres humanos que conheço!
Bjs
Que bom que gostou, Doutora!
ExcluirSabe, eu sou uma mulher muito calma, muito quieta e pensativa e, talvez por isso, na maioria das vezes sempre acho o que falar quando preciso... Mas isso está longe de ser bondade...
Beijos, minha querida!
Meu Deus!! como é bom rir dessa gente que gosta de abusar dos outros!!
ResponderExcluirMe diverti muito e se ela sumiu depois disso, com certeza, deve ter ido para onde você a mandou.
Bjs
Bom, ela sumiu mesmo - arranjou um procurador prá ver o processo no lugar dela... Talvez tenha ido curtir a viagem grátis que ganhou, não é mesmo?
ExcluirBeijos, Fatinha querida!
Ai Rosa, ri demais! Vc tem uma imaginação hein! Realmente tem pessoas que precisam ouvir essas coisas. E só Deus é bom, como vc disse, somos apenas humanos! Bj
ResponderExcluirEliane (Mundo da Casa)
É mesmo, Eliane querida, tem gente que precisa mesmo ouvir umas verdades, de vez em quando - e é nas interações sociais que a gente, muitas vezes, recebe o que merece e precisa, não é?
ExcluirBeijos, minha querida, e obrigada!
Adorei a história!! E tem gente assim mesmo, acha que é melhor que os outros. Nos dias de hoje é pior ainda. Beijos amiga, e vá arrumando mais histórias.
ResponderExcluirAh, Ligia querida - histórias não faltam... O problema é achar tempo ptá contá-las...
ExcluirBeijos e obrigada!
Não arredo o pé! Na minha opinião você é GENTE boa demais!Pois, não creio que ser boa seja sinônimo de ser capacho. Tudo tem limite. E como dizia minha mãe “quem quer respeito tem que se dar ao respeito”. Infelizmente as pessoas são assim mesmo, ou porque têm dinheiro, ou porque se acham mais espertar, ou porque o rei na barriga é maior que elas, o que não falta é gente pisando em outros seres humanos como se esses fossem grama. E, o pior, muitas vezes as pessoas aguentam tudo caladinhas porque não podem nem sonhar em se dar o luxo de perder o emprego, ainda mais nos dias de hoje... Quanto mais a pessoa ganha, mais ela é escrava...
ResponderExcluirSua atitude foi dez!
Bjs
É, infelizmente tá cheio de gente engolindo muita coisa, passando por maus bocados de verdade somente prá manter o emprego de que precisam. Eu detesto gente que tira vantagem dos outros, que humilha - se eu pudesse mandava uma câimbra prá cada um deles, bem "lá"...
ExcluirBeijos, Mara querida, e obrigada!
Boa tarde e um lindo sábado pra vc!
ResponderExcluirVim deixar meu abraço pelo ano todo que você
esteve comigo, desejo que me 2014 nossa amizade
permaneça sempre com muito amor e nossos sonhos
e realizações venha com grande vitória, mais uma vez
agradeço por tudo que ganhei nesse Blog , volto em janeiro
Boas festas e um ano cheio de muita paz e luz!!!
Rita!
Ϡ₡ღ¸✿-:¦:-•´¯` ✻.¸¸.ღ♡ღ .¸¸.✻´´¯`•-:¦:Ϡ₡ღ¸✿-:¦:-•´¯` ✻
Obrigada, Rita querida! Fui lá no teu blog te desejar Boas Festas adiantado, já que você já entra de férias. Tudo de bom, minha querida, muita saúde e muita paz.
ExcluirBeijos!
Ai comadre, eu preciso aprender a soltar cachorros...
ResponderExcluirtem gente que só vai assim, né? Vai ver por isso eu tenho tido contato constante com alguém que precisa ouvir umas poucas prá fazer a sua parte. Mas eu detesto, não tá em mim, queria ser mais despachada.... vou reler sua resposta nota 10 e memorizar.... hehehehe
bjo
Tem que fazer assim, Elisana querida: manter a cabeça fria e dizer o que precisa ser dito de forma coerente, sem gritar e, de preferência, sem usar palavras ofensivas, somente a razão. Se a gente aguenta tudo calado faz mal prá saúde da gente, é assim que eu penso.
ExcluirBeijos, minha querida, e obrigada pela visita!
Rosinha querida, muito obrigada pelo afago.
ResponderExcluirO ponto pipoca será em breve posto em prática, mas não na blusa preta que está quase concluída.
Beijinhos e bom domingo.
Não vejo a hora, então, de ver a tal blusa preta. Vai estar linda, com certeza.
ExcluirBeijos!
Rosa nunca fiz isso a n ser uma vez na vida, e infelizmente ou felizmente p mim, foi muito bom. n soltei os cachorros mas coloquei os pingos nos iiiissss e o q foi muito bom. nossa lembrar já me dá raiva, odeio gente que anda com nariz empinado como se fossemos inferiores, e pior aquelas q acham q são alguma coisa mas n são nada....afff aja paciencia,
ResponderExcluirbjs rose jp
É sempre bom quando a gente consegue desabafar, tirar o que estava preso na garganta. Sou totalmente contra aguentar calada.
ExcluirBeijos, rose querida!