A inexorável passagem do tempo...

Minha mãe teve sete filhos antes de mim.

Alguns nasceram e morreram depois de minutos, alguns nasceram mortos. Minha irmã mais velha nasceu e durou um dia inteiro antes de morrer - era linda, minha mãe conta, tinha bastante cabelo bem pretinho e olhos azuis. 


Eu sou a número oito - minha mãe fez tratamento durante dois anos prá eu conseguir nascer com saúde. 

Nasci prematura e fui muito festejada - a primeira que vingou. Muito desejada, muito amada e acho que isso influencia a gente, desde o momento que a gente abre os olhos pro mundo. Desde antes, aliás: acho que o bebê sente que está sendo esperado com amor.

Meu pai me levava no bar que tinha na esquina da nossa casa, me colocava de pé em cima de uma das mesas e me pedia prá cantar - todo mundo se admirava como eu cantava qualquer música do rádio direitinho e eu decidi que seria cantora quando crescesse...

Aos quatro anos me apaixonei pela primeira vez, pelo meu primo que tinha sete. Estávamos no cinema com minha mãe, assistindo Bambi e eu comecei a chorar de tristeza porque a mãe dele morria e meu primo me abraçou e disse que era tudo faz-de-conta, que a mãe do Bambi tava fingindo porque era artista e os artistas fingiam nos filmes - como não se apaixonar? Decidi que ia ser médica, porque ele dizia que ia ser médico e nós seríamos médicos juntos...

Não durou muito - eu também quis ser bombeira, cientista, escritora, bailarina... Quis ser tanta coisa!

Nunca quis ser mãe. Cresci dando banho nos meus irmãos menores, ajudando-os na lição de casa, fazendo comida. Todas as minhas tias e primas traziam suas crianças pequenas prá eu cuidar - já tinham crianças demais na minha vida...

Incrível, não é mesmo? De todas as coisas que eu quis ser, não fui nenhuma e justamente aquela com a qual eu nem sonhava Deus me deu de bandeja - e é justamente o que eu mais gosto de ser: mãe. 

Nunca mais fui a pessoa que eu era antes de trazer esses filhos ao mundo. Abandonei vaidades, desejos, sonhos e abracei sonhos e desejos ainda maiores, abracei o mundo e o carreguei nas costas com a maior alegria que já senti na vida - nada se compara. Acho que cada pessoa está destinada a fazer algo muito bem, algo que ela vai fazer porque gosta e vai querer fazer prá sempre e comigo é ser mãe...

Hoje o mundo completou mais uma volta na minha vida e meus três filhos, que estão em casa hoje, resolveram me dar um "Dia de Rainha": vão cozinhar, limpar, fazer tudo enquanto eu deixo meu burro na sombra...

O que eu queria de presente de aniversário? Prá mim nada, tenho mais do que preciso. Mas... Um gênio da lâmpada e alguns desejos, nem tanto prá substituir os que abandonei - já nem lembro deles... -, mas prá estender os desejos que tenho pros meus filhos pro resto da humanidade...

Eu queria que ninguém nunca se sentisse só. Queria que cada pessoa, quando fechasse os olhos, sentisse a presença de Deus em sua vida, amando, cuidando, encaminhando o rumo dos acontecimentos, apesar das aparências das coisas...

Queria que existissem árvores de mortadela, de presunto, linguiça, salsicha... Pés de bife, arbustos de onde brotam coxinhas de galinha - já pensou? Vasinhos de torresminhos... Nunca mais ninguém ia precisar judiar dos bichinhos prá se alimentar! E esse tipo de árvore nem tinha que ser plantada: suas sementes seriam leves como plumas e, carregadas pelo vento, brotariam em qualquer pedacinho de terra, em qualquer rachadura - e ninguém nunca mais sentiria fome na vida. Dariam seus frutos o ano todo. 

Pé de pão também seria bom...

Queria que todo mundo gostasse de ouvir e de contar histórias - histórias lindas, cheias de lições de bondade, perdão, misericórdia. Nada de tons de cinza: tons de todas as cores do arco-íris. E queria que todo mundo tivesse paixão por aprender, que ler fosse um hábito como escovar os dentes ou tomar banho - a coisa mais natural a se fazer, diariamente.

Queria que envelhecer fosse encarado como uma coisa boa: que os cabelos branquejassem, que as carnes não continuassem tão firmes, que o tempo bordasse a vida que levamos em traços finos no nosso rosto - como já bordou a ruguinha de preocupação no meio das minhas sobrancelhas e os risquinhos nos cantos dos meus olhos a cada risada que dei na vida... - mas que a saúde continuasse intacta, que é prá gente nunca se sentir um fardo e continuar trabalhando e servindo aqueles que amamos até o dia de nossa partida.

Queria que todo mundo tivesse certeza que a morte não é o fim - as despedidas seriam menos dolorosas. A gente choraria cada morte somente pela momentânea saudade, nunca mais pela incerteza...

E - por fim, mas não menos importante - eu acabaria com todo o mal do mundo, com um desejo simples e muito eficaz: câimbra. Eu tenho câimbras, de vez em quando - no meio da noite elas me atacam de surpresa, numa das pernas... É uma dor excruciante, imobilizadora, absurda! O pobre do Marildo acorda assustado e faz o que pode, todo sonolento, massageando até a dor passar...

Pois bem: eu desejaria que toda pessoa que pensasse em cometer uma maldade - assaltar, matar, estuprar, trair, enganar (e todas as outras variantes sujas e medonhas que a falta de Deus no coração faz o ser humano cometer) tivesse a câimbra mais violenta e sofrida que pode existir, mas não na perna ou outro lugar do corpo: câimbra no "orifício de saída dos nossos dejetos sólidos". Pensa bem: o pedófilo tá indo atacar uma criança e nessa exata hora sente uma câimbra bem no "fiofó" - ele cai no chão e se torce de dor por meia hora, faz até xixi nas calças: vai pensar duas vezes antes de sequer pensar em fazer o mal de novo...

Então tá: se alguém de vocês tem um gênio da lâmpada e não quiser me emprestar, pelo menos dê umas desejadas nos meus desejos - vocês viram que eu não pedi prá ganhar na loteria nem prá ganhar plástica grátis no corpo inteiro, só pedi coisas das quais todos nós podemos tirar proveito. Mas, se quiserem me emprestar, prometo que devolvo, depois de fazer bom uso.

Obrigada Paizinho do Céu por mais esta volta que a terra deu em torno do sol, por mais este dia que nasceu e no qual eu vou comer bolo, pastel, beber Coca Cola - ainda mais agora que disseram que o rato era de mentira... - e pelas oportunidades de dizer coisas boas, dizer besteiras, amar muito e ser amada. Amém.