quarta-feira, 12 de junho de 2013

Quando não dá certo...


Às vezes parece que essa história não é minha, aconteceu com outra pessoa, de tanto tempo que já passou, de tanta coisa que aconteceu e que mudou. Mas aí eu vasculho na memória e acho uma cicatriz pequenininha, uma marquinha que testemunha que realmente aconteceu comigo...


Eu estava no terceiro ano do Ensino Médio, no fim do primeiro semestre. Estudava com esse garoto desde o primeiro ano - na sala de aula e muitas vezes também na casa dele. Ele tinha namorada - a filha do técnico de futebol dele, todo mundo sabia e quando começamos a estudar juntos ele não era prá mim nada mais do que um amigo. Um amigo muito burro. Sabe aquele tipo de garoto fútil, que se preocupa excessivamente com a aparência, com carros, com músicas, que não tem bagagem suficiente para levar adiante uma conversa? Era ele. Quase tão alto quanto meu filho é hoje, jogava futebol razoavelmente bem e sonhava seguir carreira - acho que por isso não ligava muito prá estudar (mas a família forçava...).

Sempre me chamava prá ir na casa dele, que era perto da escola, prá ensinar matemática, física, química - todas matérias nas quais eu tirava notas altas e ele mal entendia o básico das quatro operações matemáticas(até na soma de frações ele se embananava todo...). 

Eu ia, não tinha nada melhor prá fazer mesmo...

Até que, um dia, a mãe dele disse prá ele que precisava de pão fresco, a padaria era perto e ele saiu. Ela chegou perto de mim, sentadinha na mesa da cozinha, corrigindo exercícios do filho dela e disse:

-"Escuta aqui, garota! Não pensa que eu não entendi esse seu joguinho! Você vem aqui, com essa cara de boazinha, usando o pretexto de ajudar meu filho, mas tá é tentando fazer ele gostar de você! Pode tirar o cavalinho da chuva, viu? Nós somos gente muito boa, meu filho jamais namoraria uma pé rapado como você, vê se se enxerga! Pensa que eu já não vi aquela casinha onde você mora? Se enxerga! Olha como você se veste! Você não é ninguém!!!".

Nesse momento a avó dele, sogra dessa mulher, apareceu e a controlou com palavras que não me recordo, pois eu fiquei meio fora do ar naquele momento. 

A avó se sentou na mesa comigo, disse prá eu desculpar a nora, que estava passando por um momento difícil com a chegada da menopausa, andava uma pilha de nervos. Me disse que eu era uma boa garota, que sempre seria bem vinda ali, que eu ajudava muito o neto dela - que ela bem sabia que era um cabeça oca. 

Meu amigo voltou e nem percebeu o que tinha acontecido. Me encontrou comendo a famosa torta de cebola da avó dele - que me ensinou a receita, uns dias depois, tudo mais calmo. A mãe nunca mais apareceu quando eu estava lá...

Acredita que só com a gritaria da mãe dele é que eu percebi que tava apaixonada? Até aquele momento eu não tinha assumido isso prá mim... Eu adorava estar perto dele, ajudá-lo em suas dificuldades... Tolerava ele zombar do Freddie Mercury, chamando ele de bicha prá todo lado - coisa que eu achava ofensiva, não tolerava de ninguém...

Ele imitava todos os meus personagens favoritos dos desenhos da televisão e me fazia rir... Ele era tão burro, mas tão burro, que pegava livros de poesia, copiava numa folha de caderno um poema de amor qualquer, mudando algumas palavras e me dava como se ele é que tivesse escrito - justo prá mim, que vivia com livros na mochila, debaixo do braço... E eu achava fofo - o amor não é só cego, também é surdo, não sente cheiro e é abestado...

Bom, eu achei que ele gostava de mim porque não me largava - jamais achei que era só porque precisava da minha ajuda... Achei que, com o tempo, da mesma forma como eu demorei a perceber que o amava, ele também ia perceber, cedo ou tarde - e achei que a mãe dele ia acabar gostando de mim (afinal eu ajudava tanto o filho dela...).

Estudávamos no período da tarde, das 13 às 17:30. Eu saía de casa umas 9 da manhã, passava na casa dele, via se ele tinha feito todas as lições, os trabalhos, se tinha estudado direitinho prás provas e íamos pro colégio. 

Certo dia, descendo a rua dele escutei sua voz vinda de duas casas acima da dele - a casa do seu melhor amigo. O muro era alto, o portão de madeira, eu ia dar uma batidinha prá chamá-lo quando escutei meu nome na conversa...

-"E aí, já deu umas pegadas na Rosa?" - dizia o amigo.

-"Você tá louco? Ela não faz meu tipo, de jeito nenhum! Eu, hein!!!"

-"Mas ela até que é bonitinha...".

-"Pode pegar ela prá você! Ah, mas vê se espera o ano acabar... Preciso dela prá me livrar dessa m* de colégio, depois é seguir minha vida jogando futebol...".

-"Mas você não sente nenhuma vontade de dar pelo menos uns beijinhos nela? Olha que ela tá caidinha por você...".

-"Deus me livre! Parece a Mortícia Adams, uma fugitiva do cemitério. Não tem carne nenhuma naquele corpo, faça-me o favor!!!".

Ah, como são trágicos os amores não correspondidos - especialmente na adolescência! É tudo uma sangria desatada, o fim do mundo!!! Eu dei meia volta e não fui pro Colégio naquela tarde, nem no dia seguinte, nem no resto do semestre - faltava menos de dez dias prás férias. Cheguei em casa e me acabei de tanto chorar, sentindo muita peninha de mim. No dia seguinte ele veio na minha casa me ver, mas eu pedi prá minha mãe dizer que eu não estava em casa. Voltou no outro dia, e no outro... E minha mãe falando prá eu dar uma chance dele se explicar...

Tive que ir na festa junina do Colégio, pois eu era encarregada de uma das barracas. Pedi ajuda à minha melhor amiga, prá não ficar sozinha nenhum momento e, em todas as vezes que ele tentou falar comigo, eu conversava com outra pessoa, como se ele não estivesse lá - bem calma e quietinha, sem estardalhaço, do meu jeitinho tímido, sem levantar poeira...

Antes do retorno às aulas fui à sala da diretora (que era freguesa de costuras da minha mãe) e pedi prá ela me transferir pro período noturno. Ela disse que só se eu estivesse trabalhando... 

Pois eu saí dali, tirei carteira de trabalho e arrumei emprego numa loja de lãs e linhas que tinha no meu bairro, chamada Bazar Tokyo. Levei a carteira assinada prá diretora e, quando o semestre começou, passei a estudar à noite. 

Ele apareceu por diversas vezes na minha casa, querendo conversar comigo, vindo me convidar prá uma festa, um cinema... Eu sempre mandava minha mãe dizer que eu não estava. Sempre. 

Mesmo um ano depois ele ainda passava de carro, vez ou outra,  na minha porta... Parava o carro do outro lado da rua, esperando prá ver se eu saía prá conversar. Veio me chamar prá uma festa onde toda a classe ia se reunir e minha mãe disse que achava que eu não estava interessada, mas que ia passar o convite.

Nunca mais o vi, nunca mais falei com ele. Se tem uma coisa que eu realmente sei de mim é que eu corto mesmo o mal pela raiz quando é preciso, quando não me faz bem e tenta abalar meu amor-próprio. Ninguém pisa em mim e continua do meu lado.

Como moramos próximos, menos de 1 km de distância, minha mãe acabou sabendo por conhecidos em comum que ele se casou, tem uma filha e moram num apartamento no centro da Penha. Nunca se tornou jogador de futebol. Nunca fez faculdade. O pai dele montou uma lojinha de artefatos eletrônicos em cima de uma ótica e ele vive bem modestamente.

Gozado como são as coisas... Não pensava nele há anos! Mais ou menos 3 semanas atrás, trazendo a Naninha prá casa, depois de pegá-la no Metrô Penha, encontrei ele saindo da Drogaria São Paulo - igualzinho, igualzinho (bem, o cabelo tava guizalho...). Falei pros meus filhos (o Ike tava dirigindo) -"Olha, aquele era o rapaz por quem a mamãe foi apaixonada antes de conhecer o papai!". Eles conhecem a história...

A título de exemplificar como a vida da gente pode dar voltas eu sempre conto prá eles meus sucessos e meus fracassos, que é prá eles não pensarem que eu sou a dona da verdade, mas que já tropecei e já levantei e segui em frente.

Mágoa? Talvez um pouquinho. Muitas cicatrizes doem às vezes, quando muda o tempo, quando vai chover. Quando a gente se põe a lembrar...

Mas do fundo do coração espero que ele esteja bem, seja feliz, e principalmente espero que ele tenha amadurecido a ponto de não tratar mal os outros, especialmente quem quer bem a ele.

Com a maioria de nós é assim: em algum ponto da vida, de um jeito ou de outro, a gente pensa que tudo está perdido, que nada vai dar certo, que não tem um lugar certo prá gente no mundo... 

A gente quer tanto uma coisa, sofre porque ela nos é negada, porque nos escapa das mãos... Pensa que aquela ilusão é o que de melhor a vida pode nos oferecer...

Deus é muito bom. Sem que a gente se dê conta, fecha na nossa cara portas nas quais a gente não devia entrar, espalha pedras que atrapalham um caminho por onde a gente não devia seguir...

Depois de anos de solidão mudou o rumo da minha vida, me deu um propósito, uma porção de gente prá eu amar incondicionalmente e alguém que segura na minha mão prá adormecer. Alguém que sempre me vê com beleza nos seus próprios olhos, alguém que supera, no meu coração, qualquer ilusão ou sonho que eu já tenha tido...  

Às vezes, quando a gente perde é que a gente ganha.


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22 comentários:

  1. Às vezes ... é sempre assim!! Pra ganhar sempre perdemos algo! Como aquela passagem da Bíblia que diz: Quando estou forte, sou fraco e quando estou fraco, sou forte!
    Quando pensamos que tudo se perdeu, é que Deus está nos preparando pra encontrar algo especial lá na frente!
    Tenha um bom dia dos namorados!
    bjs Nina

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    1. Verdade. Perdi a conta das vezes que algo me surpreendeu prá melhor depois que a tempestade passou... Obrigada pelo comentário tão esperto. Beijos, Nina querida!

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  2. d rosa a vida é assim mesmo né? li uma vez uma frase e nunca mais esqueci diz assim.... para fazer bom uso da vida, deveríamos ter na juventude a experiencia dos anos avançados, e na velhice o vigor da juventude. pena que não é assim, mas como a senhora disse serve de exemplo para os nossos filhos não sofrerem como nós, afinal depois do sofrimento deus sempre traz acontecimentos melhores bjs.

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    1. Quem dera fosse assim, não é, Elisabete querida? Ter sabedoria quando se é jovem e saúde na maturidade... Ah, mas - fazer o quê, não é? Deus é quem sabe o que nos reserva. Beijos!

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  3. Que linda história de vida, minha amiga! Você perdeu naquela ocasião, mas como você mesma disse, ganhou depois. Tem uma família linda onde ama e é amada. Sabe-se lá se você tivesse ficado com ele, se sua vida seria como é. Se teria as experiências que teve, boas ou más. Deus sempre nos conduz para o melhor caminho, com certeza. Cabe à nós mesmos descobrirmos o caminho de Deus para nós. Feliz Dia dos Namorados! Namore e ame bastante o "Marildo". Beijos carinhosos, querida amiga.

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    1. Pode deixar, Lígia querida, o "Marildo" é sempre muito namorado e apreciado. E seus comentários, como sempre, tão carinhosos... Fica com Deus, um grande beijo.

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  4. chorei com sua história, talvez um dia eu possa escrever a minha. feliz dia do amor
    bjs

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    1. Vai escrever sim, minha querida, e vai ser um romance lindo, tenho certeza. Beijos!

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  5. Rosa querida, que historia comovente!
    Sabe que vc deveria ser escritora?...vc consegue tocar fundo a alma. Com palavras simples vai nos conquistando. Adoro ler seus posts. Amo vc mesmo sem nunca ter te visto (olha o plágio...rs), pq é assim que a gente se identifica com os autores...amando-os.
    Mas a vida é assim mesmo...as vezes os ensinamentos vem como uma brisa, as vezes como um ciclone devastador. Mas se náo for assim, qual a graça de ter vivido?!
    Um beijo no coraçao !
    Cris

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    1. Nossa, quanto carinho! Me sinto atingida por uma onda de amor muito grande! Muito obrigada mesmo pelo carinho, pelos elogios e concordo com você: se a vida não tivesse umas tempestades de vez em quando, a gente não apreciaria como se deve os dias de sol. Beijos!

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  6. Vc tem toda razão, amor de adolescente marca muito na vida da gente. Todos passamos por isso e seguimos em frente mais escoladas para a próxima vez.
    Mudando de assunto, assim que eu fizer o queijo de soja, posto a foto e a receita.O leite de soja ficou ótimo,Ades nunca mais,KKKKK.Bjs

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    1. Que bom que você gostou do leite! Mil vezes melhor que os de caixinha, fajutos, com quase nada de soja e preço alto. Quero ver o tofu... Beijos e obrigada pelo carinho!

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  7. Rosa, tens mesmo dom para a escrita! Teus textos são lindos, bem escritos, comoventes. Adoro.
    Obs: dia dos namorados? foi buscar no baú essas recordações, hein?
    Beijos

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    1. Dom para escrita eu não acho... Só gosto de partilhar recordações e sentimentos, só isso. E o baú tá coberto de pó, mas tem coisa prá caramba dentro... Beijos e obrigada, minha linda.

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  8. Ahhh...a adolescência...

    Sou como você, Rosa, firme em minhas decisões...não desejo mal algum, seja feliz...porém bem longe de mim!!

    Suas bençãos estavam logo adiante...que bom que a vida continuou, que os dias passaram, que seus olhos voltaram a brilhar, que seu coração voltou a amar...e ser amada!!

    Querida,

    tenha um lindo dia,

    beijinhos,

    Lígia e =^^=
    ♥⊰✿⊱♥

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    1. Minha sogra dizia: "Eu planejo e Deus realiza". Nem sempre é o que a gente quer, mas sempre é o que tem que ser, embora a gente nem sempre aceite nem entenda. Nesse meu caso foi mil vezes melhor do que eu esperava - então dei sorte. E a adolescência foi uma meleca - queria já ter nascido com a idade e a cabeça que estou, não me faz falta nenhuma...

      Ah, mas deixa estar... Prá você um lindo dia, minha querida.

      Beijos!

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  9. Rosinha, hoje, ao de leve, muito ao de leve, falei dos meus amores da adolescência, fortes, arrebatadores. Deles ficou uma coisinha que nem lembrança é. Mas, indiscutivelmente, eles fizeram de mim a pessoa que hoje sou.
    Um grande beijinho para a minha amiga do coração.

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    1. Grandes mentes estão sempre em sintonia mesmo, não é? Hi, hi, hi... Acho que o Dia dos Namorados atravessou o oceano e foi romantizar Portugal, não é, minha linda! Adorei teus corações. Espero ver mais. Beijos!

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  10. Rosa, quem nunca passou por um amor não correspondido, não viveu a adolescência. Linda história, como sempre!!
    beijos

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  11. Rosa, dá prá ver que você desde cedo já tinha a cabeça no lugar, mesmo sendo inexperiente. Como vc, eu tbm conto prá meus filhos minhas histórias não tão bonitas, as que não são nada engraçadas (conto as engraçadas tbm!!! que ainda bem são várias! ) Impressionante como esse exemplo vale mais do que os conselhos ou sugestões, as vzs a G me pede prá repetir, e repetir a mesma história. Eu vejo a insegurança dela e sei na pele o que é isso, aliás, a insegurança dela me confronta e me desafia a me superar prá poder ter mais uma história prá contar-lhe, mais uma ilustração que, eu espero, consiga ajuda-la a encontrar a si mesma e seguir fiel a quem ela é, forte e determinada como a minha amiga Rosa.

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    1. Acho que compartilhar com os filhos nossos erros e acertos nos aproxima deles de um jeito que, assumindo uma postura superior do tipo "Estou sempre certa! Me obedeça porque sou sua mãe!", não conseguimos.

      Sua filha é uma sortuda: tem uma mãe amorosa, inteligente, criativa e super amiga - ela vai se dar bem, com certeza.

      Beijos!

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