E também se desaprende.
Quando eu era uma menina bem pequena, perto da minha casa morava apenas uma pessoa negra: uma senhora já idosa, sozinha, que residia no porão de uma casa na esquina da minha.
O porão fora arrumado para se assemelhar a uma casa, com as paredes pintadas do lado de fora de cor amarela de cal tingido. Para enfeitar, alguém da família da velhinha havia pintado, mesmo sendo residência alugada, umas pintas marrons que se assemelhavam a pegadas de cachorro. Ela não mantinha amizade com quase ninguém da vizinhança e, as poucas vezes que eu passava pela porta dela, sentia muito medo, porque uma prima minha me havia dito que as pegadas de cachorro na fachada da casa tinham sido feitas com pés de cachorro de verdade, e que a mulher havia cortado as patinhas de cachorros prá fazer isso. Eu era pequena e acreditava...
Ao completar sete anos de idade entrei para a escola - uma ansiedade, um medo, uma alegria (vocês sabem do que eu estou falando - também devem ter sentido isso...).
Nesse primeiro dia eles fizeram assim: reuniram todas as crianças no pátio, em um canto. Do outro lado, posicionaram as professoras, cada uma com um papel nas mãos. Cada uma lia o nome de uma criança e esta ia até a professora, para formar a classe. Hoje não se faz mais assim - nem com meus filhos foi feito assim.
Eu fui chamada pela professora mais bonita, Dona Ivani. Era alta, ruiva, de olhos enormes e verdes, mãos bonitas, de unhas bem esmaltadas, jóias, pó de arroz e batom impecável. Me senti tão feliz! Parecia uma das artistas das novelas da Globo, que minha mãe e minha avó assistiam no fim do dia...
Dois dias depois entrou na sala a Assistente da Diretoria e chamou pelo nome meia dúzia de crianças, incluindo eu. Fomos remanejadas para outras salas, devido super lotação da que estávamos.
Fui colocada na sala de Dona Ana. Que decepção. Ambas as professoras não podiam ser mais diferentes! Dona Ana tinha a pele mais escura que eu já tinha visto, era pouco mais alta do que eu, se vestia de modo diferente, tinha um semblante carrancudo. Até sua voz me assustou!
Cheguei em casa chorando, implorando à minha mãe (que tinha mais o que fazer na vida...) que fosse reclamar na escola, para que me colocassem de novo na classe da professora alta e bonita.
Minha avó me pegou pela mão, me levou para a cozinha, sentou-se comigo e me fez contar porque eu não queria estudar com aquela professora. Eu disse (me envergonho de lembrar) que ela devia ser uma pessoa má por ter aquela aparência, tão escura e tão sisuda; que a outra professora parecia um anjo e que eu queria ter aulas com ela, pois ela era linda e perfumada.
Minha avó, muito triste, me disse:
-"Rosa, você tem muito o que aprender na vida. A gente não pode julgar ninguém pela aparência: nossos olhos não conseguem enxergar o coração dentro do peito das pessoas. Muitas vezes a pessoa tem a aparência linda por fora, cabelos e olhos claros como anjos de pinturas, mas o coração é escuro e podre de maldade. Você vai dar uma chance para essa professora, uma chance de conhecer o coração dela - e vai fazer isso com todo mundo, porque você não sabe que coração Deus colocou no peito de cada uma. Só então você vai achar alguém bonito ou feio, filha, se não quiser ser injusta e feia por dentro."
E eu fiz o esforço que minha avó me pediu. Dona Ana calhou de ser a melhor professora que eu tive: com ela aprendi a escrever, ler, matemática... Dela ganhei minhas duas primeiras medalhas de 1ª aluna da classe. Como eu aprendi a amá-la! Ela era digna disso - seu rosto sisudo era uma invenção do meu preconceito: na verdade, o que existia era um rosto doce e terno, digno de um anjo, que eu demorei a acostumar os olhos prá ver.
Quando passei para a 3ª série, qual não foi minha surpresa ao saber que outra professora iria me dar aula: saí correndo pelos corredores da escola, atrás de Dona Ana e interrompi sua aula, perguntando porque ela não queria mais dar aula prá mim! Ela me respondeu que só dava aula para alunos da 1ª e da 2ª série, mas que eu ia me dar muito bem com Dona Antonia, minha nova professora.
Prá variar, ela estava certa - e eu segui minha vida, de professora em professora, entre tombos e aprendizados.
Muitos e muitos anos depois, grávida da minha primeira filha, Lola, estávamos eu e o "Marildo" fazendo feira, num sábado, quando encontrei, no meio da multidão e do burburinho, aquela figura minúscula e amada, amparada pelo braço de uma filha. Gritei "Dona Ana!", assustando a velhinha. Abracei aquela pessoa querida, apertando meu barrigão nela, falando sem parar pro "Marildo" quem ela era, o quanto ela havia sido boa para mim na infância, o quanto ela era amada. Choramos todas - eu, ela, a filha, até o "Marildo" ficou de olhos molhados... Que presente de Deus esse reencontro. E - ao mesmo tempo - posso jurar que senti, ali, chorando junto, minha avózinha querida, mais uma vez vitoriosa em seus ensinamentos...
Ainda estou caminhando - carregando fardos desnecessários como preconceitos, tentando ser uma pessoa melhor. Com todo mundo acho que é assim: a vida nos coloca, todos os dias, em situações que nos testam e nos ensinam - cabe a nós abrir os olhos e ver, aprendendo.
Agora, terminada essa reminiscência minha, quero mostrar a vocês uma foto:
Este é o atual Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal brasileira, famoso por sua posição racista, machista e homofóbica.
Nesta foto estão ele, sua mãe e o padrasto.
Duvido que essa sorridente senhora, de bom semblante, tenha culpa em todas as discriminações cometidas por esse cidadão - que alega que os africanos são seres amaldiçoados, que é um azar nascer negro.
Nesta foto estão ele, sua mãe e o padrasto.
Duvido que essa sorridente senhora, de bom semblante, tenha culpa em todas as discriminações cometidas por esse cidadão - que alega que os africanos são seres amaldiçoados, que é um azar nascer negro.
Acreditem: esse "senhor" quer ser candidato à presidência do Brasil nas próximas eleições - JÁ PENSARAM? Toda a polêmica gerada por suas frases discriminatórias ele julga positiva: falem mal, mas falem de mim - diz ele. Se você já se livrou de preconceitos pelo caminho, se está nesta vida procurando evoluir como ser humano, não esqueça de sua responsabilidade para com o mundo que o cerca.
"Para que o mal vença, bastam que as pessoas de bem não façam nada!".
No nosso Código Penal, omissão de socorro também é crime! Não se omita! O Brasil precisa de todas as vozes unidas contra o que é errado, para se tornar um lugar melhor para as futuras gerações. Assine já a petição abaixo:
"Para que o mal vença, bastam que as pessoas de bem não façam nada!".
No nosso Código Penal, omissão de socorro também é crime! Não se omita! O Brasil precisa de todas as vozes unidas contra o que é errado, para se tornar um lugar melhor para as futuras gerações. Assine já a petição abaixo:
Ajude divulgando no seu blog, no seu twitter, Orkut, Facebook.
Não se cale.
Rosa,
ResponderExcluirQue linda mensagem!
Abraço neste coração gigantesco....
Abraço no teu também, Rita querida!
ExcluirRosa, tenho muito orgulho por ser tua amiga.
ResponderExcluirOH! pessoinha maravilhosa!
Oh! grande mulher!
Deus te abençoe!
Eu é que tenho orgulho e felicidade por você me ter em tão elevada conta, sem merecimento. Beijos, minha querida.
ExcluirRosa, linda história.Chorei junto com vcs! Apesar de minha familia ser branca, fui criada em meio a negros,meus vizinhos e amigos eram na maioria desta etnia, e eu sempre quis ter aquela cor maravilhosa, todo mundo me chamava de barata descascada,rsrsrs
ResponderExcluirEntão, acho que não tenho preconceito!Meu marido é meio mulato...Mudando o assunto amei tua regatinha!!!
Bjus amiga!
Que abençoada você - e que sortuda - por poder viver desde pequena uma situação de grande ensinamento. Parabéns! Beijão e obrigada.
ExcluirOi Rosa, chorei de emoção com sua história, que avó sábia e maravilhosa você teve! Ela te ensinou a experimentar o desconhecido e avaliar por si mesma o valor das coisas e das pessoas, e não julgar pelas aparências.
ResponderExcluirQue sorte ter encontrado sua antiga professora, que grande lição essa mulher te deu!
Fiz um post sobre a mulher do Guimarães Rosa, uma mulher extraordinária que arriscou sua vida para salvar muitas outras. Dê uma olhadinha...espero que goste.
Bjs e ótimo final de semana
Obrigada, Cris, pelas palavras e especialmente pela postagem magnífica no seu blog: adorei. Que mulher extraordinária, que alma incomparável! Parabéns pela postagem. Beijos.
ExcluirEstou chorando...são minhas as palavras da Cristiane Marino sobre sua avó. DEUS abençoe sua linda avó...
ResponderExcluirEu assino a revista Veja, e o rapaz acabou de me entregar... Ao abrir, qual não foi minha surpresa... já nas primeiras páginas está uma reportagem onde este homem tenta explicar suas "belas" declarações.
Estou muito feliz por ter sua companhia lá no meu blog.
Beijo.
Obrigada, Rosangela, eu é que fico feliz em ter te conhecido. Beijos!
ExcluirJá assinei a petição...
ResponderExcluirFico feliz!
Excluirgisartes1@gmail.com
ResponderExcluirRosa querida que historia emocionante ; estou chorando até agora. Você é uma pessoa abençoada e sei que levará para sua família o que aprendeu com sua avó, como é bom saber de pessoas da sua estirpe, como é bom saber que em
meio a tanta estupidez da humanidade existem pessoas como você.
Um grande beijo
Não mereço estes elogios, querida Gisa, pois ainda tenho muitas coisas nas quais preciso melhorar. Mas agradeço-os mesmo assim, pois sei que saíram da sua bondade. Beijos.
ExcluirRosa, vim conhecer seu blog e já li as pastagens antigas.
ResponderExcluirTenho preconceito com preguiçoso e gente burra. Só isso.
De cor nunca nem prestei atenção, que me lembre.
Eu uso qualquer coisa usada e ajudo, doando, muitas coisas para Bazar de animais. Nao tenho problema com isso.
Chocolate? Como pouquíssimo. Tenho medo do peso das calorias.
Seu blog tem um nome lindoooo
Só nao entendo, vc responder comentários, no blog. Quando a gente envia uma carta nao vai na casa do destinatário, buscar resposta. Pense nisso.
Esqueci de dizer: mamãe diz que sou organizada desde pequena. Marido, tb organizado. Sorte minha.
Você está certa quanto aos comentários, quando parei prá pensar nisso. Mas, sabe, tem alguns motivos prá eu fazer como eu faço: tem gente que comenta anônimo, fazendo um desabafo ou tendo vergonha de se identificar - aí não tenho como ir atrás, não é mesmo? Respondo na esperança de que a pessoa volte prá ver se eu li e respondi. Tem também quem entra prá ler os comentários que foram feitos - e aí eu imagino que essas pessoas também gostariam de saber minha resposta, se se deram o trabalho de chegar até ali. Na maioria das vezes, respondo nos dois lugares: no meu blog e no da pessoa. Só quando são elogios pura e simplesmente é que não vou também até o blog da pessoa para isso: vou prá conhecer e virar seguidora mesmo. Quanto à organização, quem sabe meus filhos me consertam? Senão, continuam me amando...Beijos e obrigada pelo comentário inteligente e agradável!
ExcluirOlá Rosa!
ResponderExcluirAdorei conhecer o seu blog.Li a sua estória com muita atenção... gostei muito! daí, se pode tirar uma lição de vida. Eu, acho que não sou perconceituosa pelo menos, tento não o ser... mas, perfeito só Deus.
Desejo-lhe um feliz domingo
Beijinhos
Linda
Você é uma pessoa iluminada, por não ter preconceitos - a maioria de nós não tem essa sorte. Obrigada pelo comentário e feliz domingo prá você também, querida Linda. Beijos.
ExcluirRosinha, quando eu for rica, quem sabe?
ResponderExcluirBeijo
Depois te conto e te chamo e te abraço, muito, muito forte!
Vou torcer prá você, para sermos (quem sabe?) conterrâneas? Beijo.
ExcluirAh... e voltei para ver o que vc respondeu no meu comentário... rsrsrs.
ResponderExcluirNa minha opinião é esta troca, que faz um blog ter vida. Todo mundo anda na maior correria, mal leem o que a gente escreve... e vão deixando um comentário qualquer ou nem deixam. De cem seguidores que temos só uns dez se comunicam.Enfim, mas graças à DEUS todos são livres para comentar, para não comentar e também para responder seus comentários no próprio blog...
Adorei e adoro cada vez mais seu blog.
Durma com os anjos.
Beijo.
Obrigada, Rosangela. Eu gosto de responder comentários, no meu blog e no das outras pessoas. Só falho quando tô muito corrida ou ruim da saúde. Bom domingo pá você. Beijos!
ExcluirRosa, minha amiga linda, sabe que em tempos estive muito entusiasmada com a ideia de comprar aí no Brasil. Valia muito a pena como aplicação de capital. Entretanto, o mundo deu muita volta e confrontamo-nos diariamente com o Euro a perder terreno. Ninguém sabe muito bem como isto irá parar, mas, definitivamente, esta não é a altura certa para fazer ondas.
ResponderExcluirEu, mais atrevida e mais disposta do que o marido, sou sempre a impulsionadora dos projetos.
Adorava viver os meses do nosso inverno aí, e voltar para os meus pintaínhos (que já ganharam asas e voaram...) no verão. Vamos ver.
Se adorava ser tua vizinha e conterrânea e aluna e discípula e um pouquinho tua professora ( que há sempre experiências a trocar...) claro que sim, amore mio.
Tem um bom domingo.
Eu ainda não parei.
Agora aproveito que o bolo de iogurte asse para te deixar um beijinho.
Ah, se todos os sonhos pudesse se realizar de tanto a gente querer, não é? Nessa hora, estaríamos a dividir um café e um pedaço desse bolo de iogurte, além de muitas e muitas histórias boas... Beijos.
ExcluirQue mensagem tão linda D. Rosa!
ResponderExcluirFiquei com lágrimas nos olhos ao ler a sua história tão bonita e ao mesmo tempo tão útil para nos abrir os olhos contra os preconceitos que temos. A sua avozinha devia ser uma pessoa linda e sábia, que lhe deixou bons ensinamentos. E você foi uma boa aluna :)
Obrigada por partilhar connosco a sua história e por ser uma pessoa que se preocupa em crescer e evoluir e ajudar os outros a fazer o mesmo.
Eu confesso que tinha guardados em mim alguns estereótipos (preconceitos) em relação a alguns ‘tipos’ de pessoas, mas vida tem-se encarregado de me ensinar e tem-me feito perceber que afinal eu estava enganada… E já aprendi que a verdadeira beleza de uma pessoa está dentro dela e não no seu exterior.
Já conheci pessoas muito bonitas por fora, muito bem vestidas e arranjadas, mas com um coração de pedra, maldosas e invejosas, ou seja, feias e podres de maldade por dentro, como disse a sua avozinha.
E já conheci pessoas com um aspecto ‘duvidoso’, que me assustou ao início e depois de as conhecer melhor percebi que eram muito boas pessoas e que eram lindas por dentro.
Já diz o velho ditado popular: “As aparências iludem.”
Só temos de aprender a não nos deixarmos iludir por elas e ver com os olhos do coração.
Muito obrigada pela partilha da mensagem.
Beijinhos
Que abençoada você é então, Marta querida, por aprender tão fácil as lições da vida! Eu, de minha parte, tenho sempre uma cicatriz, ainda que pequena, que não me deixa esquecer cada lição nova - e acaricio todas, por serem todas de estimação e muito bem vindas... Beijos e obrigada!
ExcluirOlá Rosa,muitos aprenderam com esta mensagem, que Deus te abençoe sempre!Beijos no coração de todos
ResponderExcluirObrigada, Bete querida! Beijão.
Excluir