A incrível
trégua não oficial em 25 de Dezembro de 1914.
Longe de casa, soldados de
ambos os lados das trincheiras viam chegar o dia de Natal longe de suas famílias,
em meio ao terror da batalha: a Primeira Guerra Mundial havia se iniciado menos
de 6 meses antes, em 28 de julho.
Para a maior parte das
testemunhas que sobreviveram ao hediondo conflito - a primeira guerra mecanizada, com o uso de metralhadoras e também a primeira na qual se usou gás tóxico - e que viveram esse Natal não
oficial, o mesmo foi iniciado pelas tropas alemãs estacionadas defronte às
forças britânicas, onde uma distância relativamente curta separava as
trincheiras ao longo da "Terra de Ninguém" – como se costumam chamar os locais que não estavam ocupados por
nenhuma das tropas.
Muitos soldados alemães
tinham o costume, em seus lares, de montar árvores de Natal adornadas com velas
acesas; há meses longe de casa, sentiram a necessidade de transportar esse
costume para as trincheiras, com a exceção de que, desta vez, as posicionaram ao
longo das mesmas, no Front Oeste, em Flandres.
Inicialmente surpresos e, a
seguir, desconfiados, os observadores britânicos reportaram a existência dessas
árvores aos seus oficiais superiores. A ordem recebida foi de que eles não
deveriam atirar, mas, em vez disso, observar cuidadosamente as ações dos
alemães.
Do lado alemão começaram a
surgir melodiosos cânticos de Natal, entoados em seu idioma... A seguir, os
ingleses responderam, em alguns lugares, com seus próprios cânticos.
Alguns
soldados alemães, que falavam inglês, a plenos pulmões gritaram votos de “Feliz Natal!” para “Tommy” (que era o
nome popular que os alemães davam para os soldados britânicos). Os ingleses, em
meio a esse clima, retribuíram de seu lado das trincheiras com saudações
similares, dirigidas da mesma maneira para os "Fritz".
Em algumas áreas, soldados
alemães convidaram “Tommy” para
avançar pela “Terra de Ninguém” e visitar os mesmos oponentes alemães que eles
estavam tão absortos em matar havia poucas horas antes.
Edward Hulse, um tenente dos
Scots Guards, regimento da guarda britânica, com 25 anos de idade, escreveu no diário de guerra do seu
batalhão: "Nós iniciamos
conversações com os alemães, que estavam ansiosos para conseguir um armistício
durante o Natal. Um batedor chamado F. Murker foi ao encontro de uma patrulha
alemã e recebeu uma garrafa de uísque e alguns cigarros e uma mensagem foi
enviada por ele, dizendo que, se nós não atirássemos neles, eles não atirariam
em nós”.
Em razão desse acordo não
oficial, as armas daquele setor ficaram silenciosas aquela noite.
A notícia se espalhou.
Histórias começaram a ser
contadas sobre visitas trocadas entre as forças aliadas (não apenas inglesas,
mas também algumas francesas e belgas) e os inimigos alemães. Tais visitas não
estavam restritas somente aos soldados rasos : em algumas ocasiões, o contato
inicial havia sido feito entre oficiais, os quais definiram em conjunto os
termos da trégua, acrescentando somente o quanto seus homens poderiam avançar
em direção às linhas inimigas.
Estes termos permitiram o
enterro das tropas de cada lado que jaziam ao longo da “Terra de Ninguém”,
alguns mortos há apenas alguns dias – outros, que haviam esperado meses pela
dignidade de um funeral. Sem que essa trégua surgisse, todos teriam que ser
deixados onde haviam caído, pois metralhadoras cobriam o local onde eles jaziam,
na desolação entre as trincheiras opostas...
Homens das equipes
encarregadas dos funerais entraram em contato com os membros das equipes
similares do inimigo e, face ao duro trabalho que realizavam ali, lado a lado, conversas
foram entabuladas e cigarros foram trocados. Cartas foram encaminhadas para
serem entregues às famílias ou amigos, tanto dos vivos quanto dos mortos, que viviam
em cidades ou vilarejos ocupados.
O mais incrível de tudo
foi, talvez, a história que aconteceu no dia seguinte: um soldado alemão
apareceu com uma bola de futebol e, em pouco tempo, estavam formados os times e
iniciada, com todo o ânimo, a partida entre o regimento inglês de Bedfordshire
e as tropas alemãs.
Não eram mais os mesmos inimigos
que queriam se matar há poucas horas antes: eram homens livres de vontade,
partilhando na neve e na lama um animado jogo de futebol.
Ao final, os alemães venceram
o jogo por 3 a 2. A diversão acabou quando a bola foi furada ao atingir um dos emaranhados
de arame farpado que circundavam as trincheiras...
Em muitos setores, a trégua
durou até a meia-noite do dia de Natal; em outros, prolongou-se até o primeiro
dia do ano seguinte.
Antes de esses fatos
ocorrerem, a Igreja Católica, através do Papa Benedito XV, havia solicitado uma
interrupção temporária das hostilidades para a celebração do Natal. O Governo
alemão havia indicado sua concordância, mas os aliados, rapidamente,
discordaram: a guerra tinha que continuar, mesmo durante o Natal.
Quase que imediatamente à
trégua, as mensagens enviadas chegaram para os familiares e amigos daqueles
servindo no front, através do método usual: cartas para casa. Estas cartas
foram rapidamente utilizadas por jornais locais e nacionais (incluindo alguns
na Alemanha) e impressas regularmente, para que o mundo se desse conta do
ocorrido.
Nessas cartas para casa, os
soldados na linha de frente foram praticamente unânimes em expressar seu
espanto com os eventos do Natal de 1914.
Um alemão escreveu: "aquele foi um dia de paz na guerra; é uma pena que não tenha sido a
paz definitiva".
O Cabo John Ferguson contou como a trégua foi conduzida no seu setor: "Nós apertamos as mãos, desejando Feliz Natal e logo estávamos
conversando, como se nos conhecêssemos há vários anos. Nós estávamos em frente
às suas cercas de arame e rodeados de alemães – Fritz e eu no centro,
conversando, e ele, ocasionalmente traduzindo para seus amigos o que eu estava
dizendo. Nós permanecemos dentro do círculo como oradores de rua. Logo, a
maioria da nossa companhia (Companhia ‘A’), ouvindo que eu e alguns outros
havíamos ido, nos seguiu... Que visão! Pequenos grupos de alemães e ingleses se
estendendo por quase toda a extensão de nossa frente! Tarde da noite, nós
podíamos ouvir risadas e ver fósforos acesos, um alemão acendendo um cigarro
para um escocês e vice-versa, trocando cigarros e souvenires. Quando eles não
podiam falar a língua, eles tentavam se fazer entender através de gestos e
todos pareciam se entender muito bem. Nós estávamos rindo e conversando com
homens que, somente umas poucas horas antes, estávamos tentando matar!"
Bruce Bairnsfather, o autor dos
famosos cartuns ‘Old Bill’, resumiu os sentimentos de muitas das tropas
britânicas quando escreveu: "Todos estavam
curiosos: ali estavam aqueles malditos comedores-de-salsicha, que tinham
começado aquela infernal guerra europeia e, ao fazer isso, nos enfiaram no
mesmo lamaçal junto com eles... Não havia um átomo de ódio em qualquer dos
lados aquele dia e ainda, no nosso lado, nem por um momento havia a vontade de
guerrear, somente a vontade de deixá-los relaxados".
Infelizmente, junto aos
comandos da guerra, as reações foram outras, tão sérias que precauções
especiais foram tomadas durante os Natais de 1915, 1916 e 1917 para evitar que
acontecesse novamente. Um dos expedientes usados foi aumentar, na data
natalina, os bombardeios de artilharia – matando mais e mais seres humanos nos
fronts de batalha.
Os eventos do final de
Dezembro de 1914 nunca mais se repetiram. Triste, não é mesmo?
Mais triste ainda é saber
que, mesmo naquele aparentemente pacífico dia de Natal, a guerra não havia sido
completamente esquecida; muitos dos soldados que apertaram as mãos de Tommy ou Fritz em 25 de Dezembro de 1914, trataram de observar a estrutura
das defesas do inimigo, a fim de que se pudesse tirar vantagem de qualquer
falha delas no dia seguinte...
Investigações foram
conduzidas para determinar se a trégua não oficial foi de alguma maneira
organizada de antemão; o resultado da apuração foi negativo. Aquilo havia sido um
evento genuinamente espontâneo, que ocorreu em alguns setores, mas não em
outros. Uma vez e somente uma vez, em meio à guerra, houve “boa vontade para
todos os homens” – por um pequeno período...
Desde a primeira vez que
eu soube desta história, eu chorei. Chorei pela miséria humana, pela fragilidade do
homem perante a vida e chorei também pela grandeza humana, pela aptidão que
nossa espécie tem de emergir da treva e da dor, pela sua incrível capacidade de amar e de perdoar e por sua força...
A alma humana anseia pela
paz. O ser humano comum quer estender a mão, quer ser solidário – ser irmão.
Mas nos deixamos arrastar por discussões sem sentido, distrações sem conta - a
grande parte delas, no final, sem nenhum valor, pois a maioria das coisas pelas
quais batalhamos tanto, deixamos prá trás, quando vamos embora daqui, quando chega
ao fim nossa vida...
Que todos nós saibamos
sempre “lutar o bom combate” – como dizia o Apóstolo Paulo; que saibamos dar o
devido valor a tudo o que “a traça corrói e os ladrões desenterram e roubam” –
diferenciando os verdadeiros tesouros da vida daqueles sem valor algum. E que
saibamos sempre estender as mãos, perdoar e fazer trégua. Sempre.
Feliz Natal!
Rosa, que história emocionante. Muito linda mesmo, vou até copiar e guardá-la para mim. Feliz Natal para você e que seja feliz conforme você tanto deseja. Bjs
ResponderExcluirMuito obrigada, Maria Alice. Um Feliz Natal prá você também. Beijos.
ExcluirRosa, que história linda, infelizmente uma das maiores fontes de sofrimentos na vida é causada pelo próprio ser humano. A luta do homem contra o homem.
ResponderExcluirFeliz Natal
Bjs
É mesmo... Ainda bem que também somos capazes de fazer o bem, senão estaríamos perdidos em meio a nós mesmos. Bom, que este Natal te traga coisas boas, boas memórias prá recordar. Beijos!
ExcluirOlá, Rosa querida...
ResponderExcluirMuito triste haver guerras, que apenas saciam a fome dos poderosos engravatados que manipulam vidas, e mentes em sistemas desumanos...
Linda e comovente história de anseio pela Paz pela Vida!
Tenha um lindo final de semana,
beijinhos,
Lígia e turminha
♥ˆ◡ˆ♥
Obrigada, Lígia. Acho essa história linda demais, principalmente porque aconteceu em tempo de guerra e nunca mais se repetiu. Acho que o sentido sagrado do Natal está se perdendo, aos poucos - parece só trocar presentes e comer bastante, sei lá... Mas espero que seu Natal tenha aquele "algo mais" que faz dele o dia mais esperado do ano. Beijos!
ExcluirOlá, Rosa
ResponderExcluirCostumo dizer que pra haver guerra há que se enviar homens, porque se enviassem mulheres resultaria em trégua mutua. Muito triste levar a vida de jovens tão inutilmente...
Desejo-lhe um natal e ano novo com muita paz, saúde e com a família unida.
Bjs
Mara
É, talvez você esteja certa: trocaríamos receitas, dicas, contaríamos estórias... Acho que o mundo tem testosterona demais... Um Feliz Natal prá você também, com tudo de bom que essa data inspira. Beijos!
ExcluirOlá Rosa!
ResponderExcluirÉ muito triste lembrar das aflições que passaram esses soldados e suas famílias...
Mas lembrando de coisas boas e presentes,quero lhe desejar um feliz natal repleto de paz e harmonia para você e toda sua família!!
Bjss
Pois é, Josye... Dificuldades não existem somente em tempos de guerra - nesses acontecimentos terríveis, elas apenas ficam mais aparentes. Mas, em meio a tudo o que vivemos, temos sempre que lembrar das coisas boas e usarmos elas como combustível prá seguirmos frente, não é mesmo? Assim sendo, Feliz Natal prá você e prá toda sua família, repleto de amor. Beijos!
ExcluirQue história!
ResponderExcluirFeliz Natal!
Beijo
Feliz Natal prá você também! Beijos.
ExcluirOlá Rosa,só hoje que estou vendo meus emails,pois estamos de luto pelo falecimento da minha nora,nossa querida Raquel,que completaria 34 anos no dia 24/12.
ExcluirO câncer tirou ela de nos bem no dia 23/12.
Rosa,linda mensagem de natal que você mandou ,obrigada. Deus te ilumine sempre.Que este ano seja repleto de alegria e muita saúde para todos nós bjus.
Querida Bete: que Deus dê força a todos vocês para superarem essa trágica perda. 34 anos - ainda uma menina... Mas Deus é Pai dela, a ama infinitamente mais que qualquer pessoa pode ter amado e, com certeza, está cuidando bem dela. Que em 2013 Ele proteja a você e a todos os teus, iluminando vossos caminhos e fazendo vocês felizes novamente. Beijos.
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