Era uma vez um Rei jovem, que não temia nem respeitava a Deus
nem a ninguém. No máximo, algumas vezes ele ouvia o que lhe dizia seu velho tutor,
um homem cheio de sabedoria, mas também atormentado de remorsos, que em vão
tentava aconselhá-lo, mas que não era mais ouvido...
O Rei governava o país com mão de ferro e escárnio, fazendo
o povo trabalhar mais e mais a fim de pagar impostos que nunca bastavam para
satisfazer sua cobiça. Decretava prisões e mortes sem piscar os olhos e passava
seus dias em festas, caçadas e viagens luxuriantes.
Enquanto isso, o velho e acabado tutor, que tinha um lugar
de honra na corte real por ter educado dois reis, se sentia culpado pela má
índole do rei atual.
-"Como posso ter errado tanto? Quando era jovem ele
era tão cheio de bondade, sensível às dores dos semelhantes... Bastou subir ao
trono e um horrendo rosto foi revelado: ninguém parece ser seu semelhante, todo
mundo vive apenas para servi-lo, só ele é que importa...".
Sofrendo dessa forma, dia e noite, o velho tutor passeava
pelas ruas empobrecidas do reino, machucando mais e mais sua alma com toda
miséria que via...
Um dia, cansado de não achar resposta, embrenhou-se na
floresta que dava continuidade às terras reais, tencionando jamais voltar.
Depois de caminhar por horas, exausto, sentou-se encostado no carvalho mais
antigo da floresta, muitas vezes mais velho do que ele. Ali, chorando de
desalento, orou por ajuda para seu reino e seu povo, mas, principalmente para
seu aluno - aquela alma tão perdida em egoísmo.
Não se sabe se sua prece foi atendida - ou se tudo não
passou de um sonho. Uma linda mulher, transparente e fluida como água e
luminosa como a luz atravessando uma fresta lhe apareceu e disse:
-"Entendo a dor no seu coração e mais ainda o
sofrimento do seu povo. Mas esse desejo de morrer não resolveria nenhum
problema... Se você quer mesmo ajudar, deixe-me transformá-lo em um
pernilongo."
-"Como?! Um pernilongo? Mas, se o Rei não teme a homem
nenhum, nem mesmo é temente à Deus, como posso ajudá-lo me tornando um ser tão
pequeno?"
-"Você saberá como. Às vezes, é preciso muito pouco para
se fazer muita coisa..."
Transformado em pernilongo, o velho tutor voou rápido até o
Rei e foi direto ao seu ouvido, tentando, como sempre, aconselhá-lo. O soberano,
contudo, não ouvia palavra alguma, somente um zumbido irritante e interminável.
Toda vez que o Rei ia proclamar alguma prisão, decretar alguma lei injusta,
aumentar algum imposto, ordenar a execução de alguém, lá ia o tutor no seu
ouvido, gritando conselhos, implorando misericórdia... E assim o Rei, por dias,
não conseguiu terminar uma sentença sequer - pois o zumbido do pernilongo o
irritava mais que tudo.
Nem à noite o Rei tinha sossego: tentando ensiná-lo a ser
bom durante o sono, lá ia o velho tutor transformado em pernilongo recitar
orações, cantar antigas cantigas de criança, tentando chamar seu coração às doces lembranças da infância.
Após uma semana sem dormir, mal se alimentando, em
irritante desespero, o Rei decretou que se caçassem todos os pernilongos do
país e que lhos trouxessem. O Ministro do Tesouro lhe disse que, como tinham no
reino um pântano, haviam muitos pernilongos e que caçá-los poderia levar muitos
meses. Essa caçada comprometeria o tesouro real, uma vez que os trabalhadores
não poderiam ganhar o dinheiro dos impostos e ao mesmo tempo perder tempo com
insetos.
Mais irritado e desesperado ainda, o Rei ordenou que a
caçada fosse feita e que, a cada pernilongo apresentado, deveriam ser pagos 50
centavos ao caçador.
Escandalizado - mas
obediente, assim fez o ministro.
Em breve, naquela mesma tarde, sacos e sacos de pernilongos
apareceram nos portões do palácio, todos regiamente comprados pelo encarregado
do Rei.
Foram tantos que logo o povo recuperou tudo que lhe tinha
sido usurpado, mas ao Rei pouco
importava o esvaziamento dos cofres. Ele sabia que todo dinheiro seria seu, de
novo, logo no dia seguinte. Tencionava ele dormir bem aquela noite, livre -
finalmente - do pernilongo e iniciar novamente seu tirânico reinado.
Nessa mesma noite, nem bem o Rei se aconchegou nas reais
cobertas, mal começara a pegar no sono - lá veio de novo o pernilongo.
"Zuim! Zuim! Zuim!" - a noite toda, sem descanso ...
Mais caçadas, mais pernilongos e mais noites sem dormir...
Já desesperado, com os olhos em fogo e o corpo alquebrado,
o Rei finalmente abriu o coração numa prece, perguntando ao Deus que ele não
respeitava o porquê daquilo tudo, daquele desassossego... O mestre - em forma
de pernilongo - zumbiu no seu ouvido real e, desta vez, o que o Rei ouviu foram
palavras, como se fossem vindas de sua própria consciência... A voz lhe falou do sofrimento o povo, de sua
fome, miséria e abandono - de como o próprio povo se sentia atormentado dia e
noite - não por um zumbido, mas por suas leis injustas, seus desmandos... Falou
da missão sagrada do Rei, como protetor desse povo e não como usurpador de
todos os seus bens. Amargurado, o Rei chorou.
Chorou tanto, tanto, que acabou
por pegar no sono e dormiu a melhor noite de sono de sua vida.
Na manhã seguinte, revigorado, acordou de bom humor e com
disposição para uma nova vida: a lição fora aprendida. Pensou ter tido um
sonho, no qual seu antigo mestre, desaparecido a um tempo que ele não lembrava,
lhe dava conselhos e reprimendas justas.
Daquele dia em diante foi para o povo o melhor rei de
todos: protetor e justo, sábio e misericordioso.
O mestre? Nunca mais foi visto, mas seus conselhos ecoaram
nos ouvidos do Rei por toda a vida - como um zumbido de pernilongo...
Rezemos todos para que os maus se arrependam e se tornem
bons - essa é a nossa parte. Deus se encarrega de enviar os pernilongos...
(Historinha que eu contava para meus filhos quando eram
pequenos - não faço idéia de quem é o autor...)
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