quinta-feira, 12 de junho de 2014

O lado clichê do amor


Eu nunca fui bonita. Bom, isso não é bem verdade: fui um bebê bonito, mas não são assim todos os bebês? Tem até umas fotos minhas bem pequena, com uns quatro anos de idade, nas quais estou uma verdadeira bonequinha...


Mas quando realmente interessava ser bonita, eu fui praticamente invisível - se eu tivesse que contar quanta gente se apaixonou por mim na vida, usando os dedos de uma mão, ainda sobravam dedos...

Quando eu era menina assisti um filme da Judy Garland no qual ela tentava arranjar emprego de cantora num cabaré. Ela era uma moça muito simples e, apesar da belíssima voz, não davam o emprego prá ela porque ela não era bonita o bastante - nenhum homem viraria prá trás prá olhar prá ela duas vezes. No desespero de provar que era mesmo bonita ela pediu ao empregador que a seguisse na rua, alguns passos atrás, pois ela ia provar que os homens viravam prá olhar prá ela SIM.

Pois bem: o homem a seguiu e ficou de queixo caído, pois todos os homens paravam de andar, viravam prá trás e a seguiam com os olhos, com ar de espanto. Logicamente ela conseguiu o emprego - mas o que o empregador não sabia era que ela havia trapaceado. Enquanto andava, ela ia fazendo caretas, estufando prá frente os lábios como um bico de pato - por isso todos os homens olhavam prá ela...

Achei nessa hora que inteligência era tão ou mais importante que beleza e imaginei que teria que ser muito inteligente, sempre...

Apesar disso, nesse tipo de situação, minha inteligência nunca me foi de grande valia - todas as minhas amigas tinham namorado, menos eu... 

Então, por razões que só Deus sabe, apareceu o "Marildo" - que não se chama assim, é só um nome carinhoso pelo qual eu o chamo às vezes, quando estou inspirada. "Sua Majestade", "Sua Excelência", "Capitão" e por aí vai...

Imagina a cabeça de uma garota bem comunzinha casada com um homem muito requisitado, que dentre todas as garotas disponíveis, belezas de primeira grandeza, foi ela a felizarda escolhida... Nunca foi fácil - especialmente quando eu era mais jovem, insegura, ciumenta demais da conta...

Eu já tinha minhas duas meninas, consegui ficar uns meses sem engravidar  e tentava acabar de fazer a faculdade. Trabalhava das sete às treze horas, chegava em casa tinha toneladas de fraldas prá lavar, comida prá fazer, livros prá ler. Vivia praticamente no automático, como uma zumbi: nunca tinha tempo prá arrumar o cabelo, não usava brinco, não costurava nada prá mim - me vestia como uma mocoronga... Eu tinha uma colega de trabalho que viajou de férias prá Europa e voltou dizendo que eu faria o maior sucesso na França, pois era magricela, nariguda e sem bunda. Esqueceu de dizer também cabeçuda - talvez porque não quisesse me magoar...

Essa história aconteceu durante uma daquelas greves da Previdência Social - nas quais, prá quem não sabe, os funcionários trabalham prá caramba (eu, pelo menos)... Eu comparecia no mesmo horário, trabalhava minhas seis horas e saía no horário de sempre - não tinha essa de fazer corpo mole. Os processos não eram informatizados, era tudo montanhas e mais montanhas de papel prá analisar, prá arquivar, cartas prá enviar, memorandos... Depois que eu colocava tudo em ordem no meu setor, minha chefe me emprestava pros outros setores - Aposentadoria, Perícia Médica, Auxílio Doença, Pensão por Morte... Eu sempre fui muito competente, diga-se de passagem. Tudo o que parava na minha mão era feito de forma rápida e eficiente.

Lá estava eu, perto do horário de saída, arquivando umas fichas no Setor de Inscrição de Segurados. O arquivo ficava embaixo de uma enorme janela de vidro, cuja luminosidade era regulada por persianas. Olhando prá fora da janela vi o "Marildo", parado com o carro do outro lado da rua, me esperando - como sempre. Ele nem almoçava: vinha de Guarulhos até a Penha, todo santo dia, me buscar no meu horário de saída, me levava prá casa prá eu chegar logo e ficar com as meninas e voltava pro trabalho. Só jantava à noite...

Ele havia chegado um pouquinho mais cedo - eu ainda tinha um bocado de coisas prá fazer. Quando eu fui afastar a persiana prá abrir o vidro e chamar a atenção dele eis que chegam duas moças, do mesmo lado da rua em que ele estava e, atrapalhando um pouco o trânsito dos carros, foram até a janela do motorista, falar com ele...

Eu conhecia as duas - trabalhavam comigo. Uma delas tinha acabado de entrar na mesma faculdade em que eu cursava o último ano - eu sabia seu nome, mas não éramos amigas. A outra tinha já uma história comigo: sempre que podia me tratava mal, zombava do meu desodorante, das minhas roupas... Era uma moça lindíssima, parecida com a cantora Rihana (já falei dela nesta postagem AQUI). 

Demoraram ali alguns minutos, conversando com ele, esbanjando sorrisos - e eu nem consegui terminar o que estava fazendo, tamanha a raiva... Quando deu a hora eu passei a mão na minha bolsa, disse "Até amanhã" pro chefe do setor e fui embora. Quando estou atravessando a rua, em direção ao carro, lá vieram as duas, na minha direção - e a morena com um sorriso de escárnio no rosto, me medindo da cabeça aos pés como se eu estivesse enrolada em trapos sujos...

Entrei no carro com a maior das caras feias, perguntei prá ele qual era a conversa que ele tinha tido; ele desconversou, disse que elas tinham pedido uma informação e eu, possuída pelo mais puro ódio, andei de carro os mais longos vinte minutos da minha vida até chegar em casa, sem dizer uma só palavra...

À noite, quando ele veio jantar, servi a comida no prato, não quis comer, fui fazer outras coisas. Não fui na aula - disse que não estava me sentindo bem...

Mais tarde, quando ele voltou da faculdade, abri o portão pro carro entrar e fui me deitar, virada pro outro lado, mordendo a língua. Ele provavelmente achou que era TPM...

Amanheci o dia azeda, calada, com o mais venenoso dos humores. Desci do carro prá trabalhar sem sequer olhá-lo no rosto - imaginando mil coisas horríveis que iriam acontecer dali prá frente (como ele ia me deixar por ela, porque ela era linda e eu não, porque eu era ranzinza e ela tinha riso fácil, porque ela era charmosa e eu... era eu...).

Lá prás oito e meia da manhã fui obrigada a ir no Setor em que ela trabalhava - e prá meu alívio ela não estava, como sempre. Morava em Itaquera e fazia o turno das nove até às quinze - mas normalmente chegava às dez, folgada toda vida.

Numa mesa estavam algumas moças, numa conversa animada, falando alto e rindo, dizendo coisas tipo "Foi uma lição e tanto prá ela!", "Ela merecia isso e muito mais!!!" - e uma delas me chamou pelo nome: "Vem cá, Rosa! Era de você que a gente tava falando agorinha mesmo!".

E eu fui, imaginando qual grampeador eu ia atirar na cabeça de quem se viessem me dizer alguma besteira - "É hoje que eu sou despedida, tô de saco cheio" - tudo por causa de uma noite mal dormida e de umas caraminholas quicando dentro da cabeça...

Então eu reparei que quem me havia chamado era a outra moça, a que acompanhava a morena e que estava cursando Direito como eu. E ela começou a dizer assim:

-"Você faz ideia do quanto você é sortuda?"

Eu, desarmada e confusa, nem falei nada...

-"Lembra ontem quando você foi indo pro carro encontrar com teu marido e viu eu e a Camile terminando de conversar com ele? Pois você nem imagina o que aconteceu... Eu e ela estávamos voltando da padaria e ela viu o carro do teu marido parado ali na porta e disse que queria ter uma palavrinha com ele..."

Me contou, na frente das outras - que estavam ouvindo a mesma história pela segunda vez... - que disse prá ela não fazer isso, mas que não adiantou nada.

Se aproximando da janela do motorista ela disse assim:

-"Oi, tudo bem? Tá esperando alguém?"

Meu marido, segundo ela, respondeu que sim, que estava esperando a esposa que trabalhava ali dentro. Ela disse então:

-"Ah, eu sei, é a tal de Rosa, não é? Escuta, meu querido...Como é ser casado com uma mulherzinha assim como ela, tão sem sal, sem açúcar, sem tempero nenhum?... Um homem como você, com certeza, podia ter coisa muito melhor só estalando os dedos...".

Senti tanta raiva... É difícil a gente aceitar que existe gente capaz de fazer esse tipo de coisa - especialmente porque a gente não seria capaz, então acha que ninguém é... Descobrir isso até machuca.

-"Sabe o que o teu marido disse?" - ela falou. "Achei tão lindo, você é uma danada de uma sortuda... Ele ficou calado um minuto, olhou prá ela e disse assim:

- 'Olha, minha irmã, eu não me meto nesses assuntos de prostituição...' - e ela ficou de boca aberta. Mas ele não parou por aí, disse mais:

- 'Me perdoe, eu não quis ofender... 

Sabe, prá mim, a vida é como uma grande loja, onde se vende de tudo - e tudo tem um preço. Na porta da loja estão as ofertas - geralmente produtos de baixa qualidade, defeituosos, a preços baixos. Prá vendê-los o quanto antes o dono da loja coloca cartazes chamativos, coloridos, que atraem quem não conhece ou quem não tem dinheiro prá comprar melhor... Mas lá dentro, arrumadinho na prateleira mais alta, o dono da loja deixa guardado o que ele tem de melhor qualidade, escondido dos ladrões e das pessoas comuns e só oferece prá vender prá quem ele sabe que pode pagar o quanto vale... Na minha vida eu já comprei muita mercadoria avariada, de qualidade duvidosa, muita oferta. Levei muito tempo e esforço prá conseguir, do dono da loja, o direito de possuir o que ele tinha de mais valioso...".

-"Você precisava ver a cara dela, sendo chamada de mercadoria vendida em baciada..." - e todo mundo rindo (pois ela não era muito querida por ninguém, talvez por toda aquela arrogância e convencimento).

Até hoje meu coração bate feliz quando eu lembro disso...

É incrível como, apesar da descrença da maioria das pessoas, o amor está sempre acontecendo a nossa volta, das maneiras mais surpreendentes e inesperadas... Talvez por isso - por ele ser tão abundante na terra - é que muito daquilo que o compõe se torne clichê (pois o clichê nada mais é do que a repetição de alguma coisa...).

Diz-se muito que "O amor é cego" - mas talvez ele enxergue coisas que ninguém mais consegue ver... Talvez a verdade do "Quem ama o feio, bonito lhe parece" se explique porque cada um enxerga o mundo ao seu redor com seus próprios olhos, através de imagens filtradas por tudo aquilo que mais deseja o seu coração... 

Afinal, talvez o ditado "O amor está nos olhos de quem vê" seja a explicação lógica e plausível para o fato de que até mesmo flores que nascem em rachaduras encontram quem goste delas e lhes aprecie a beleza...


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23 comentários:

  1. Rosa...uma bela história e é bem verdade: "O AMOR está nos olhos de quem vê!" BJ

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  2. Que bonita história neste Dia dos Namorados, Rosa! Não havia pensado sobre o lado clichê do amor. Verdade, só é clichê o que é abundante. Faz bem pra alma lembrar disso: o amor está por toda parte, basta ter olhos para vê-lo.
    Beijos com carinho,

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    1. Graças a Deus que é assim, não é mesmo, Vanessa querida? Beijos e muito obrigada.

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  3. Queridíssima amiga, que linda sua história! E que prova de amor do Marildo! Muito lindo! Parabéns pelo dia de hoje, dia dos Namorados, afinal, marido, eterno namorado! Que o Senhor continue os abençoando, que o amor de vocês seja eterno. É lógico que ele não iria querer nada com a outra, pois tem a maior joia que um homem pode ter, uma esposa que o ama e é amada. Abraços fraternos a ambos e um beijo carinhoso para você.

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    1. Obrigada, Ligia querida. Acho que, inteligente do jeito que ele é, certamente não daria uma trupicada feia dessas na vida - hoje eu tenho mais que certeza disso.

      Beijos!

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  4. As vezes beleza não conta, mas a inteligencia sim.
    bjs
    http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/

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    1. Ainda bem prá mim que é assim... Beijos, Simone querida!

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  5. É, Rosa, o amor tem dessas coisas: respeito, confiança, cumplicidade, gestos de incentivo, sorrisos, palavras positivas e generosas tanto de um lado quanto do outro e é por isso tudo que amar vale a pena, quew amar estará sempre na moda :-D

    Tadinhas das suas "amigas", que esculacho dos bons elas receberam, hein? foi merecido e seu marildo está de parabéns pela integridade moral.

    Bom, Rosa, hoje Dia dos Namorados, dia de meu Aniversário de Casamento, Dia de Festejos e de Namorar muito apesar da Copa estar aí, estarmos ouvindo as buzinas, os fogos e tudo mais porém vamos comemorar nosso aniversário.

    Bjssssssss e até a próxima:-D

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    1. Ah, mas eu aposto que quando vocês estão juntinhos, as buzinas na rua nem atrapalham tanto, pois a companhia é mais que suficiente prá fazer o momento ser especial...

      Beijos e obrigada, Fatinha querida!

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  6. Rosa, fazia tempo que eu não ria tanto! Imagino a cara dela com seu marido falando tudo isso….kkkkk
    Amor não se explica, a gente apenas sente. É uma ligação de alma.
    feliz dia dos namorados!
    Bjs

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    1. É, Doutora querida, eu também acho o amor inexplicável, especialmente no meu caso...

      Beijos!

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  7. Rosa, que história linda! Teu marido te amam muito e te valoriza! Meu namorico também é uma jóia que achei, amo demais meu português! bjs
    Nina

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    1. Que bom, Nina querida! Meus parabéns prá você e prá ele, por terem se achado neste mundo tão grande!

      Beijos!

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  8. Grande MARILDO! Meu herói!
    Tu mereces, querida Rosinha, mereces, sim.
    Beijinhos

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  9. Rosa, não parei de ler...queria saber o que aconteceu...rs
    Ai ai ai...fiquei até com vergonha aqui imaginando a reação da "moça".
    Já pensou algum homem falando isso para nós? Só Deus viu!!!
    Hum...mas cá entre nós...o que é "ser bonita"? Sabe de nada inocente...rsrsrs
    Esperto o "Marildo"....rs...
    Costumo dizer que Felicidade é ter a sorte de fazer a escolha certa!
    Voce deve ser linda, vive na Janela :)
    Amei a postagem!
    Beijo

    *

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    1. Fazer a escolha certa... bonito isso e acho que tem muita verdade aí...

      Beijos, Ivete querida!

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  10. Minha linda Rosa!
    É um caso sério ter marido lindo não,querida?
    Pois é....assim como você, também não me acho bonita,mas sou a dona do coração do homem de dois lindos olhos azuis para quem eu acho que o tempo não passa.....rsrsrs
    Nada melhor que sermos seguras dos nossos sentimentos e de quem está ao nosso lado não é mesmo Rosa querida?
    Parabéns ao seu Marildo pela atitude!Você merece tudo de bom desta vida!E....só se vê bem com o coração....o essencial é invisível aos olhos...
    Seja feliz sempre!
    Beijos doces..........Cristina Peres RJ

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    1. É uma dor de cabeça danada, às vezes, não é? Ter marido bonito... Mas Deus é quem toma conta...

      Beijos, Cristina querida!

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  11. Rosa
    Sua história está servindo exemplo para mim...É jóia rara que Deus prepara a união que deve ficar juntos onde não há outros que possa separa-los. Quando Deus escolhe o varão e varoa uni-los, é porque Ele sabe das necessidades dos dois e até mesmo gera o amor verdadeiro porisso devemos confiar no Senhor no que Ele prepara é sempre o MELHOR dos seus sonhos e não os nossos que somos falhos. Esse amor é o mesmo amor de Deus por nós, muitas vezes não entendemos mesmo mas Deus nos mostra tão claramente.
    Me acho simples mas sempre sinto que sou especial e valorizada e virtuosa recebida do Pai, tive namorados de uma grande decepção inclusive o último que estou terminando. Muitos deles falam que sou bonita mas infelizmente não enxergam naquilo que tanto espero que veja dentro de mim de quanto sou especial, não é a beleza que me importa mas é util para agradar homem escolhido. E muita decepção e tristeza que me enganaram, mas fui desobediente por não ouvir a voz do Pai e aprendi essa lição. Mas com fé, vou retomar fazendo a vontade de Deus pra minha vida. :)
    Que Deus abençoe grandemente seu casamento! Bjs

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    1. Fé em Deus e paciência, que tudo tem sua hora certa, Mimika querida. Que Ele te abençoe e encaminhe prá tua vida alguém prá compartilhar da tua história.

      Beijos!

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  12. Nossa, acabei de conhecer seu blog Rosa...
    não consigo parar de ler... Apaixonei! :)

    Parabéns pelo dom de escrever tão gostosamente de ler!
    bjs
    Claudia

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