domingo, 4 de outubro de 2020

As Quatro Estações


 

E como continuar acreditando que existem quatro estações nesse mundo de hoje? Quase 40 graus no começo de outubro - eu aqui imaginando como será lá prá dezembro, janeiro, com pandemia, com o Pantanal e a Amazônia sendo incinerados do planeta...

Me vejo de coração apertado pensando em toda biodiversidade que se vai sem retorno, tudo em nome do lucro. E nosso Excrementíssimo Presidente culpando os índios, as Ongs, que segundo ele estão queimando tudo prá sujar o nome e a reputação dele.

Aliás eu não paro de perguntar a Deus POR QUÊ isso tudo está acontecendo com nosso amado país... 

Não sei se Ele responde e eu não ouço ou se a pergunta já tem sua resposta clara e gritante: Bolsonaro é o reflexo do nosso próprio povo - algo que estava o tempo todo na minha frente e eu inocentemente ou propositalmente não percebia...

Um tempo atrás - um ano ou dois, não me recordo - meu cunhado nos convidou prá um duplo aniversário: dele e do seu casamento. Foi numa comemoração na Igreja dele, na qual um pastor foi "contratado" prá fazer uma pregação especial pela ocasião.

Meus filhos não quiseram ir, pois não tem paciência prá frequentar quaisquer tipo de festas familiares que não sejam os aniversários dos sobrinhos - especialmente pela eterna ladainha de nos arregimentar prás religiões deles. 

Fomos então apenas eu e o Marildo. 

Foi como era esperado. Pregação privilegiando o Antigo testamento, com menção de nomes como Efraim, Manassés - nomes que na minha cabeça eu sempre interpreto como Jambolão (que é nome de fruta mas que me lembram aqueles nomes mencionados no Antigo Testamento...). 

Prá mim, como pessoa formada em Direito e razoavelmente bem informada, o próprio nome "Antigo Testamento" significa algo ultrapassado pelo Novo - tanto é que no antigo se pregava extermínio em nome de Deus e o próprio Filho Dele veio derrogar tais leis primitivas e contrárias ao amor e ao perdão...

Mas, continuando... 

Lá estava eu sentada no templo - que fica a uma quadra da minha casa - ora ouvindo uma pregação sem pé nem cabeça, um monte de palavreados bíblicos inócuos, ora escutando canções entoadas pelos fiéis com uma ou duas estrofes apenas, repetidas à exaustão, frases que diziam prá Deus o quanto queriam estar diante do Seu Trono, o quanto Ele era grande e poderoso, o quanto esperavam que Ele destruísse seus inimigos - com meus sobrinhos tocando os instrumentos, minha sobrinha puxando o canto. O de sempre.

Então, quase ao fim do culto o pastor resolve falar sobre o motivo da reunião - o aniversário do meu cunhado e a comemoração de mais um ano do seu casamento.

E de forma absurda prá mim - pelo menos - o pastor começou a discorrer sobre homossexualidade. Sobre como isso era pecado e as pessoas que viviam dessa forma iam queimar no fogo do inferno. Como isso era abominável, vergonha prá família, crime...

Vários familiares da minha cunhada foram ao microfone dar os parabéns e também deram suas opiniões sobre homossexualidade.

E eu pensei: "Que negócio é esse? De onde tiraram isso?"

Bom, acabou o culto, fomos todos pro salãozinho da igreja comer as guloseimas - eu desesperada por uma cremosa fatia de bolo - cumprimentei todos que eu conhecia, outro tanto de desconhecidos e, sentadinha confortavelmente numa cadeira fiquei quietinha observando as pessoas enquanto era servida pelo Marildo, sempre preocupado com a moela trituradora de sua amada esposa.

Reparei nas pessoas conversando coisas do tipo; "Acho que dessa vez ele se toca", "Ele precisa entrar no caminho do bem" "Do jeito que tava não podia continuar, só causa vergonha prá família"...

Terminei de comer e fui no jardim do templo pegar um ar fresco, dentro do salão tava muito cheio de gente, muito abafado, muito barulhento. Lá estou eu sentada no banquinho de madeira em meio às folhagens frescas, aquela noite linda estrelada, aquela paz da barriga cheia de gostosuras quando eu ouço...

O filho mais velho da irmã da minha cunhada conversando emocionado, quase aos prantos, com alguém do outro lado da linha que parecia ser muito íntimo dele, a quem ele confortava e era por sua vez confortado, a quem ele repetia que tudo ia dar certo.

Ao me ver ele desligou às pressas o telefone e caminhou rápido de volta pro templo e aí eu entendi tudo.

Essa irmã da minha cunhada queria desde sempre ser mãe. Era a mais velha, tia dos filhos das irmãs e dos irmãos mas nunca nem ficava grávida. Cansada de esperar e com muito amor de mãe prá dar ela e o marido adotaram um menino - e, como é comum nesses casos, ela finalmente engravidou.

O tempo foi passando, o marido dela cada vez mais demonstrando de que material era feito - beberrão, violento, preguiçoso - acabaram se separando. E ela continuou trabalhando e mantendo a casa e os filhos, como já fazia antes, só que sem ter que carregar um peso morto.

O menino mais velho - o adotado - era a criança mais doce, bem comportado, estudioso, logo começou a trabalhar prá ajudar a mãe. Frequentador da igreja, se dando muito bem com os primos, cantando no coral.

O segundo filho, entretanto  - o de sangue - uma verdadeira peste: sempre malcriado, desobediente, brigão. Sempre com as piores companhias desde cedo, agressivo com a pobre mãe, se tornou usuário de drogas, praticante de pequenos furtos aqui e ali até ser preso na FEBEM.

E - por incrível que possa parecer - era contra o menino mais velho aquele sermão encomendado pelo meu cunhado, sua esposa e a mãe do rapaz.

Ser homossexual é, para eles, o maior dos crimes. Preferível ser desordeiro, violento e ladrão a ser homossexual. De que adianta ser responsável, carinhoso, companheiro? Se você é tudo isso mas é gay você é um pária, um condenado ao inferno.

E esse é o país em que vivemos. 

Uma nação que se escondia atrás do politicamente correto fermentando no peito todo tipo de preconceito. E, com a ascensão de uma criatura corrupta e mentirosa, que não tem filtro nem vergonha de se expor com toda sua baixeza, todos os insetos e cracas que se escondiam debaixo das pedras resolveram vir à luz.

Está aberta a caça aos homossexuais, a todos os que pensam diferente desse grupinho torpe e vil que nos governa, a todos que não tem a pele branca e que não se encaixam nas religiões por eles aceitáveis: está completamente dentro da lei ser racista, misógino, zombar do fraco, do diferente...   

Acha-se no direito de se candidatar à Prefeitura de São Paulo um reles cocôzinho de mosca que fez fama no Youtube e que, com a atual conjuntura do país, se vê no direito de ofender e incitar agressões contra um padre idoso que trabalha em prol dos moradores de rua... Afinal, vivemos numa democracia...

Não sei mais o que dizer e tenho tanta coisa prá falar mas, de que adianta?

Essa é a atual estação climática do Brasil. Nada da Primavera trazendo a esperança da renovação, nada da calmaria do Outono...

A lua está vermelha das queimadas no Pantanal e na Amazônia, o Sol está escaldante como os ânimos acirrados de todos os demônios disfarçados de gente caminhando pelo nosso solo amado...

Mas não são todos demônios - meu Deus, longe disso! Pessoas simples, desinformadas, facilmente manipuladas por notícias falsas nas mídias, nos grupos de WhatsApp...

Nesse panorama infeliz, um simples comentário que a gente faça pode ter consequências desastrosas na nossa vida - eu sei bem disso.

Quando o fogo no Pantanal já estava totalmente fora de controle eu comentei com um dos meus irmãos que tinham 160 pessoas tentando combater os focos de incêndio e que nenhuma delas havia sido enviada pelo Governo Federal - eram todas voluntárias. Prá quê? Bolsonarista roxo meu irmão usou essa brecha prá destilar veneno, prá ofender, prá desejar que as reformas do governo acabem com a estabilidade do meu marido e dos meus filhos - todos funcionários públicos - que é pros meus filhos verem "como é bom trabalhar pela CLT ou mesmo perder o emprego, que é prá deixarem de ser um bando de mimadinhos privilegiados"... Meus filhos, que entraram em concurso público depois de estudarem muito - concursos esses que meu irmão também prestou, mas que achou que entraria por merecimento divino e assim nem se deu ao trabalho de estudar.

Desde esse dia ninguém mais da minha família fala comigo. Não atendem ligações, não respondem mensagens...

Em nenhum momento ofendi meu irmão nem ninguém, só comentei que com um contingente tão grande de soldados no nosso exército, todos parados, sem fazer nada, mais lógico seria mandá-los combater o fogo na Amazônia e no Pantanal - apenas isso.

Que tipo de mãe corta relações com a filha que mais cuida dela por uma absurda questão política? Que tipo de mãe só ouve um lado da história? Que tipo de mãe não dá a uma filha sequer o direito de falar?

Todo dia eu acordo triste. Às vezes sinto vontade de continuar na cama, simplesmente olhando pro teto, esperando o sono voltar, o tempo passar, a tristeza ir embora.

Mas essa vontade dura apenas alguns segundos: dentro de mim uma voz me diz que não fazer nada não muda coisa alguma, então eu respiro fundo e vou prá máquina de costura. 

Agora estou fazendo calcinhas e cuecas prá doar pros moradores de rua. Padre Lancelotti disse numa entrevista que os moradores de rua ficam muito felizes quando podem vestir uma peça íntima que é só deles, que usar calcinha e cueca velha dos outros é muito triste - e como acabaram meus moletons e como o frio já foi embora eu agora estou me dedicando às calcinhas e cuecas. 

Com o dinheirinho das costuras comprei cortes de malha de algodão, cortei centenas de peças e estou costurando. Comprei também pacotões de absorventes femininos e quando as peças costuradas estiverem prontas eu vou montar kits com 3 calcinhas e dez absorventes para as mulheres e kits de 3 cuecas para cada homem.

Às vezes me dá agonia de ficar aqui trancada, longe do Marildo, longe da família, sem bater minha hora diária de papo com minha mãe e meus irmãos. Sou humana e sinto solidão, fazer o quê.

Mas não cai um só fio de nossa cabeça sem que nosso Pai assim o permita, não é o que Jesus dizia?

Olhando agora, tão de perto, no olho desse furacão, tudo o que vemos à nossa volta é desordem, discórdia, cataclisma, dor... 

É assim mesmo. Em meio a toda comoção sempre existe essa sensação de que nada vai mudar, que tudo está perdido, que não tem conserto...

Mas o tempo passa. 

Tudo passa.

Quando minha família precisar de mim de novo sei que eles voltam a falar comigo. Já aconteceu antes e essa não vai ser a última vez em que se portam como idiotas.

Esse governo também vai passar.

Os direitos que foram tomados dos trabalhadores voltarão a ser conquistados, pois é prá frente que o carro anda, mesmo quando momentaneamente ele pára por causa de um pneu furado.

Algumas sementes morrem com o fogo, outras tem a casca tão dura que só eclodem em meio às chamas.

"Coragem!" - eu grito prá mim mesma. "Não desanima!". 

"Trabalha!"






"Cria coisas úteis prá combater essa sensação de mãos amarradas, tenta produzir beleza prá combater a feiúra da situação.

E segue vivendo, que se a genética se cumprir você ainda tem bem uns 40 anos pela frente neste mundo" - haja paciência...

Ah, se por acaso você é um dos eleitores do "coiso", por comungar com as ideias dele ou por haver sido enganado pelas mídias, saiba que eu te perdoo. Afinal acredito nas palavras de Jesus e perdoar é uma das suas mais lindas lições de vida. 

Mas saiba também que os comentários continuam sendo moderados pelos meus filhos - então não perca seu tempo me ofendendo se discorda de mim, afinal o blog é meu.

Que Deus te abençoe e vamos todos rezar prá vir logo a Primavera...

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4 comentários:

  1. A senhora tem o coração muito bom, mesmo com tudo o que acontece.
    Que isso possa se espalhar entre as pessoas, que o amor e o cuidado sejam os parâmetros pra tocar a vida.
    Tudo passa mesmo, logo estaremos todos juntos e vivendo bons momentos, joga do conversa fora e lutando por novas coisas.
    A senhora me inspira a cada dia, demonstrando conhecimento, resiliência e carinho

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  2. Ahh, D. Rosa, tempos difíceis estamos vivendo, realmente.....
    A política causa isso, esse "emburrecimento" nas pessoas, e elas só enxergam aquilo que querem ver, não adianta falar, argumentar....
    Um simples comentário como o seu gera raiva!!!

    Mas dentre todos, creio que pra sua mãe inventaram coisas a mais, talvez fosse o caso de um telefonema só pra ela....

    Espero em breve ter novos textos, a senhora é maravilhosaa!!!
    Fique com Deus!!!

    Ana

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  3. Amei seu texto e quero que saiba que não está sozinha. Por vezes, também me sinto incapaz e perdida em meio a tantos absurdos! Vivemos num país extremamente hipócrita e por isso o coiso foi eleito. Parabéns pela sua iniciativa. Sigamos trabalhando!

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  4. Concordo com tudo que vc disse Rosa e tenho fé e esperança que isso passe e, aos poucos nosso espírito vá se refazendo. hoje estamos quebradinhos mas, vamos conseguir juntar todos os pedaços novamente, com a Graça do Nosso Bom Deus!

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