quinta-feira, 26 de março de 2015

Criação


Eu abria a porta da frente da casa, saía secando as mãos molhadas no avental e dizia:

-"Tá na hora, pessoal! Vamos entrando que a comida tá pronta!"


Eles - porque tava muito bom... - continuavam brincando juntinhos, três crianças maravilhosas que nunca brigavam, nunca se batiam nem se ofendiam... Ainda pergunto prá Deus porque nasceram assim, tão calmos e bonzinhos...

Então eu dizia:

-"Um... Dois..."

E eles obedeciam - entravam rindo, conversando, carregando os brinquedos...

Um dia Dona Gemma, minha vizinha de frente, me perguntou assim:

-"O que é que acontece se você chegar no 'Três'?"

-"Não sei... Nunca cheguei..."

Nunca. Nunca precisei bater, puxar orelhas, deixar de castigo... Sempre os tratei como seres inteligentes, capazes de entender a razão e o porquê das coisas através de conversas, desde pequenininhos. Sempre conversei muito com eles, sempre contei histórias... Sempre ajudei nas lições, estudar prás provas, fazer trabalhos escolares. Puro prazer, nunca obrigação - como devem ser as coisas que a gente faz prá quem a gente ama.

Eu tinha uma colega no trabalho que teve filhos nas mesmas épocas que eu, diferença de um, dois meses. Um dia peguei ônibus com ela e seus filhos e fiquei até atordoada. O mais velho se deitou no chão, esperneava e gritava porque ela não tinha comprado algo que ele queria, a chamava de nomes horríveis!  A pequena (que era trazida no colo...) lhe dava tapas no rosto...

No dia seguinte ela veio conversar comigo enquanto eu preparava o chá do dia, meio que se desculpando pela cena do dia anterior. Disse que eu tinha sorte, pois meus filhos eram calminhos como eu, que os dela tinham sangue quente como o dela... Me perguntou o que eu fazia prá mantê-los sempre tão obedientes e eu não soube que fórmula dar prá ela, a não ser conversar muito, dar amor, contar histórias... Ela me respondeu que não tinha paciência prá essas coisas...

Imagino que tipo de adultos serão hoje aquelas crianças...

Pouco depois dessa época - meus filhos já frequentavam a escola - veio um convite inesperado prá um aniversário. Não dava tempo de preparar um presente eu mesma - como gosto de fazer, por questão de capricho e também economia - então fui atrás de comprar alguma coisa.

Por sorte tinha na rua da minha mãe uma moça, artesã muito competente, que vendia diversos itens muito bonitos. Levei meus filhos até lá prá escolher - ela tinha meio que uma "loja" improvisada na sua sala de estar, na qual expunha suas peças na estante. Coisas muito bonitas, especialmente bonecas e itens de decoração e, com a opinião dos meus filhos, comprei uma linda boneca. Me lembro que enquanto estive lá reparei em seu filho, uns dois anos mais velho que minha Lola, a brincar no quintal com um amiguinho, gritando muito e usando palavrões pesados como palavras corriqueiras (e a mãe achando aquilo a coisa mais normal do mundo...).

Fomos embora, conversei com meus filhos sobre o uso daquelas palavras, dei a eles o jantar, contei histórias... Fomos ao aniversário no dia seguinte, seguimos com a vida.

Alguns anos atrás soube por minha mãe que essa moça havia contratado os serviços de advogado do meu irmão Leonardo para defender seu filho, que havia sido preso.

Veja como são as coisas: família bem de vida, marido empresário. Querendo dar emprego pro filho mais velho  - aquele menino dos palavrões, já um jovem adulto - mas o rapaz não queria trabalhar com o pai e a mãe deu o maior apoio. O moleque foi trabalhar como motoboy, entregando pizzas.

Até aí tudo normal, tudo bom demais - mostrou iniciativa, querendo fazer o próprio caminho...

Foi preso por praticar assaltos e demonstrou uma burrice fora do comum, assaltando as próprias casas onde estava acostumado a entregar pizzas!!!

A mãe queria que meu irmão o livrasse da cadeia - e achava que, como meu irmão era conhecido da família, faria o serviço de graça...

O pai do rapaz veio então conversar com meu irmão, dizendo agradecer muito ele ter perdido seu tempo, pagou pela visita, mas não queria que o filho fosse tirado da enrascada. Ele que enfrentasse as consequências dos seus atos...

O casamento acabou, a família se mudou, tudo deu prá trás...

A sogra dessa mulher, mãe do tal empresário, ficou devastada, mas disse que isso já era de se esperar. Contou prá minha mãe que achava que o neto estava envolvido com algo ruim, que já havia conversado com a nora a respeito e havia sido destratada por ela. 

-"Olha, meu filho me traz 'limpinho' 2 mil reais toda semana, me dá na mão! Não quero nem saber o que ele faz prá ganhar essa grana, prá mim o que importa é que meu filho sabe ganhar dinheiro, melhor que muito rapaz que perdeu a vida estudando..." - foi a resposta que a sogra obteve dela...

A gente nasce sem saber fazer nada na vida, só chorar e sujar fralda. O resto tem que ter alguém prá ensinar a gente a fazer: comer, se limpar, andar, falar... Aprender a diferenciar o certo do errado, seja através de conversas, histórias e também (e principalmente) exemplos de vida. 

Não sou uma pessoa obtusa a ponto de culpar os pais por todo crime e transgressão, pois - afinal - sempre existe o livre arbítrio. Os pais ensinam, mas tem criança que não aprende... 

Mas, se a gente for usar isso como desculpa, se a gente deixar a cargo do mundo ensinar as coisas mais importantes aos nossos filhos, melhor então seria abandoná-los na areia da praia, igual fazem as tartarugas...

Os meus eu levo pela mão até hoje e enquanto estiver viva. Sempre tenho tempo prá eles, mesmo se estiver doente, se estiver atarefada, se estiver cansada. Paro tudo, interrompo a rotação do meu mundo prá escutar o que eles tem prá me falar, abro os braços e o coração...

Se eu não fizer isso por eles, que serventia eu tenho, meu Deus?...

(Semana meio difícil, adoentada... Tempo de contar uma história, prá não deixar o blog entregue ao pó...)

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10 comentários:

  1. Querida amiga, bom dia! É assim mesmo a criação de uma pessoa, com amor, carinho, limites, educação e exemplos. E o que você diz que faz com seus filhos até hoje, eu faço também com a minha que já é mãe. Sempre tenho tempo para ela, não importa o que eu esteja fazendo, o que puder fazer para ajudá-la eu faço e farei. Os nossos meninos são exemplares na escola e em qualquer lugar por onde vão. São crianças queridas por todos, pela educação e limites. Tanto você quanto eu fomos criadas com limites e este foi o maior exemplo que pudemos dar para nossos filhos. Adoro suas histórias de vida. Grande e saudoso beijo.

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  2. Rosa...e fez muito bem!
    Seus textos são sempre de leituras agradáveis!
    Tenho um casal...atualmente os dois têm 32 anos e foram uns meninos maravilhosos!
    Espero que esteja tudo bem! Bj amigo

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  3. Rosa

    Em 1º lugar desejo melhoras para a sua saúde.
    Não se preocupe com a freqüência das postagens do blog, cuide-se acima de tudo e fique bem.

    Rosa, considere se você não precisa mesmo de alguém que te ajude na casa, pelo menos, quinzenalmente.

    Sobre seu texto....belíssimo! Não tenho nada a acrescentar, você analisou tão bem e de modo perfeito. Tudo na vida é intrínseco: ação e reação; plantar e colher, dar e receber.

    Bjs querida amiga.
    Melhoras.

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  4. Ai Rosinha, o que você tem? Espero que não seja nada grave...
    Estava mesmo sentindo falta de você, ia passar aqui para deixar um recadinho e vi o seu post novo.

    Olha, você é uma mãe maravilhosa, mas também teve sorte de ter filhos de alma pura e doce como você.
    Meu filho está se tornando um ótimo rapaz, mas deu bastante trabalho quando criança, sempre foi muito obstinado, até colocamos nele o apelido de Asterix, o irredutível gaulês...rsrsrs.
    Eu abri mão de alguns trabalhos quando ele era pequeno só para poder cuidar dele, pois não o queria nas mãos de babás. Decidimos viver de forma mais simples para ter mais tempo para a família. E meu marido sempre foi um pai presente.
    Nos dedicamos com todo carinho e demos limites, às vezes com firmeza, mas não foi fácil não...

    Bjs e cuide-se bem, viu? Você é muito querida.

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  5. Filhos são presentes de Deus. A medida deste presente (bom ou não) também é Deus que dá, de acordo com que merecemos. Aqui em casa também tenho um anjo, só que não tem asa. Aprendo mais que ensino, sou corrigida mais que corrijo, é um amor e um respeito intenso. Espero retribuir para nosso Criador, de alguma forma, Deus esta filha maravilho que Ele colocou em minha vida.
    bj, se cuida,
    Claudia

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  6. Rosinha querida, antes de mais espero que esteja melhor e não se preocupe com as visitas às amigas - elas / eu não fogem!
    Adorei o seu texto e estou 100% de acordo consigo.
    Um grande beijinho da Nina

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  7. Rosa, quando leio seus relatos sempre penso "ser mãe é um dom"! Infelizmente, se apenas as pessoas providas desse dom tivessem filhos... o mundo estaria quase desabitado...
    Nunca me estresso com o blog, com as postagens, faço quando dá... o importante é curtir esse mundo virtual, visitar as amigas, e quando possível fazer uma colaboração ou outra. Sua saúde é o mais importante. Acho que você deveria ter alguém pra lhe ajudar nos afazeres domésticos, ainda que esporatidamente. Sei que você é uma pessoa muito econômica, mas lembre-se não há dinheiro no mundo que valha a sua saúde e a sua companhia para sua família.
    Bjs Mil!

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  8. Rosa espero que tenha se recuperado ,penso igual a você ,a educação vem de casa ,filhos precisam sempre de carinho ,atenção e de estarmos sempre disponíveis para ouvir o que eles tem a dizer .Hoje o mal do mundo é que as crianças se criam em creches e mesmo quando estão com os pais ,estes não dão atenção e ai tentam suprir a ausência dando tudo o que os filhos pedem ,por mais absurdo que seja o desejo. Também tenho 2 filhos e dou toda atenção para eles também ,sei o quanto isso é importante .Adoro ler suas histórias ,são liçoes de vida .Abraços .

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  9. Rosa, amo seus textos e principalmente esses que falam dos filhos. Sempre levo ótimas lições de vida. Tenho uma filha de 3 aninhos e espero em Deus conseguir dar uma ótima educação para ela, impor os limites necessários, dar atenção... fazer tudo como você, minha mãe e várias outras mães fazem. Obrigada por compartilhar suas histórias que nos inspiram muito. Espero que você esteja melhor, que Deus continue te abençoando! bjsss

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  10. É Rosa, eu bem que desconfiei que você estava com algum problema...
    Mas você não entrega os pontos tão fácil, pro nosso bem!!
    História das mais verdadeiras: educar os filhos é nossa obrigação, e deve ser feita com muito amor, e você é o melhor exemplo de mãe!! A prova é os filhos maravilhosos que tem! Parabéns e desejo melhoras,
    beijos

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