sexta-feira, 25 de julho de 2014

Um doce amor



Esta história minha mãe me contou quando eu era menina - e repetia sempre que Dona Mafalda voltava da Penha, carregada de flores de açúcar, chocolate granulado, papéis de bala e dava uma paradinha na nossa porta, prá descansar os pés do "esporão" (coisa que judiava muito e muito da tadinha...).


Quando minha mãe era mocinha o mundo era muito diferente do que era no meu tempo e mais diferente ainda do que ele é hoje... 

Mães e filhas se arrumavam com suas melhores roupas no domingo à tarde, assistiam a missa e depois iam dar voltas na praça da igreja, saborear um sorvete, aproveitar o comecinho da noite e se exibirem para potenciais pretendentes.

Minha mãe conta com orgulho que fazia seus próprios vestidos, todos imensamente rodados, com várias saias e dezenas de botõezinhos forrados a fechar-lhe as costas. Conta - também com orgulho... - que enquanto circundava a praça de braços dados com sua mãe, era seguida pelos rapazes, que faziam apostas e vinham atrás delas tentando adivinhar quantos botões o tal vestido tinha...

Mas um dos rapazes nunca participava dessa brincadeira... Alexandre, o mais bonito de todo o bairro - carinhosamente chamado de Alexandrinho - e também o mais tímido dos homens. Supõe-se erradamente que um homem bonito deveria ser extrovertido e alegre - mas o Alexandre era o oposto disso... 

As famílias com filhas em idade de casar costumavam convidar para um café da tarde as outras famílias - que tinham moços em igual condição - prá facilitar o conhecimento de ambas as partes, os namoros...

Mas o Alexandrinho, prá onde quer que fosse convidado, entrava mudo e saía calado. Tinha até quem dizia que ele era estranho, não gostava de mulher... Um desperdício - dito pela boca das mocinhas...

Minha mãe teve uma quedinha por ele - o que era difícil de acreditar, já que jamais alguém poderia ter uma quedinha por um homem gordo e careca como ele era. Na minha cabeça de criança, era difícil imaginar que ele nem sempre fora assim...

Na mesma rua, cheia de mocinhas em ponto de bala prá casar, havia também uma que era tida por todas como coitadinha - a Mafalda. Quando pequena diziam que ela havia tomado banho e saído no vento - e seu rosto torto teria vindo de um golpe de ar. O mais provável é que fosse sequela de um AVC - pois não é só gente velha que tem derrame (isso hoje eu sei..). Era magricela, tinha belos olhos, mas uma boca extremamente torta, quase no meio da bochecha esquerda...

Um dia, como a irmã mais velha da Mafalda estava em tempo de namorar, lá se foi a família do Alexandrinho visitá-la - e ele, como sempre, com a boca vazia da língua que o gato tinha comido...

A uma certa altura da visita, com a intenção de ajudar a irmã, sai e volta a Mafalda, trazendo uma garrafa de vidro lapidado numa bandeja com tacinhas, a fim de servir o licor de figos que ela mesma fazia com as frutinhas do quintal.

Provado o licor (que realmente era delicioso, provei muitos anos mais tarde...) eis que a língua do moço voltou a crescer na boca e descobriu prá que havia sido feita: o líquido levemente espesso e doce lhe soltou as palavras e, olhando pros olhos doces da moça, ele nem reparou na sua boca torta... Tomou uma segunda taça - e, nesse ponto, a irmã mais velha saiu de cena, vencida, dando lugar àquela que ninguém queria...

Por causa de um licor de figos é que Dona Mafalda fisgara o homem mais lindo do bairro - e com ele viveu uma vida de amor e trabalho: ela fazendo e vendendo bolos, balas de coco que derretiam na boca, docinhos e licores (foi ela quem me ensinou muitas coisas...) e ele entregando com uma perua Leite Paulista, nas padarias e casas do bairro, até morrer. 

Tiveram quatro filhos lindíssimos - um garoto, com o mesmo nome do pai e sua igual timidez e três meninas, as três com os olhos doces da mãe e a desinibição que só quem sabe que é linda é que tem...

Há muito tempo esse casal amoroso e feliz já se foi pro céu, só ficou a história...

Minto: também ficou a saudade, de uma mulher bondosa, doce como os doces e licores que fazia, que soube conquistar um grande amor com um licor de figos...
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14 comentários:

  1. Rosinha ficou a história de um amor feliz, beijo amiga

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    1. Que bom que gostou, Maria da Graça querida! Beijos!

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  3. Rosa, que linda história com doce sabor!
    Esses amores são eternos...
    Beijo

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  4. Olá Rosa querida!!
    Que lindo!!!Pena que quase não existem mais amores como esses!!
    Quase....pois acredito que ainda existam......
    Beijos querida!
    Doces beijos!
    Cristina Peres RJ

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    1. Eu também acredito, afinal eu vivo um amor desses... Beijos, Cristina querida!

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  5. Como a vida tem histórias lindas!! Amor verdadeiro, de espíritos afinizados, de amor puro.

    Rosa, uma coisa estranha aconteceu comigo durante sua viagem de férias. Pode parecer uma coisa boba mas vou te contar...
    Você programou suas postagens para suas semanas de ausência. Eu as lia mas eu sentia uma coisa estranha ao responder e acabava apagando o meu comentário. Veja só...eu sentia que estava adentrando na sua casa e que por você não estar lá...ficava sem graça a visita.

    Agora que você voltou, a sensação é diferente, É boa, é de troca, é como tocar a campainha da sua casa e ser recebida pela própria dona, sorrindo, abrindo o portão, dando as boas vindas, convidando para entrar, sentar, tomar um chá com bolo. Essas coisas boas que acontecem quando encontramos pessoas queridas.

    Pronto!! desabafei (hehehe)

    Bjs e ótimo fds p/vocês.

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    1. Incrível você se sentir assim, Fatinha querida... Mas saiba que você e todas as amigas eram muito bem vindas... Mas acho que nunca mais faço postagens programadas prás férias: ficam muitos comentários prá eu responder depois, tô camelando...

      Beijos!

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