quarta-feira, 26 de março de 2014

A Fórmula da Felicidade


As meninas da minha geração foram criadas para serem esposas de alguém, mães de muitos filhos - e ninguém me diga o contrário se ouviu contos de fadas com o final "Felizes para Sempre", se brincou de casinha e de bonecas, se assistiu novelinhas da Globo na década de 70. A gente era praticamente condicionada a pensar que o nosso fim maior era encontrar o nosso "Príncipe Encantado"... 



Mas era engraçado: a doutrinação que minha mãe e o resto do mundo faziam comigo entravam o tempo todo em choque com a realidade que eu observava - e eu tenho grandes e observadores olhos, ah se tenho...

Minha mãe, por exemplo: a melhor mãe do mundo, toda ela amor e sacrifício. 


Ela é uma criatura doce e romântica - graças a Deus a vida dura que levou não conseguiu roubar isso dela. Até hoje, quando converso com ela, percebo uma esperança quase infantil no que diz respeito a romances - quando sabe de algum namoro dos netos, por exemplo. Muito lindo. Por mais que eu tenha criado meus filhos a serem totalmente independentes desse tipo de condicionamento, a se dedicarem a ter primeiro uma profissão, estudar bastante e crescerem como indivíduos, minha mãezinha ainda torce prá que cada um encontre a sua "metade da laranja"... Começou a namorar com meu pai aos 14 anos, casou-se com 21, teve uma vida de muito sofrimento e abnegação, muito trabalho, apanhava quase todo dia, era tratada com desrespeito - mas as grandes almas são assim - conseguem transformar até o mal em bem, como a terra boa que transforma esterco e matéria morta em adubo de flores...


Já minha avó teve uma vida muito diferente. Forçada a se casar com um homem mais velho que seu próprio pai descobriu, quando estava grávida do seu primeiro filho, que ele já era casado em Portugal - nessa hora ele a abandonou. Depois de muita dor e sofrimento (ela era analfabeta, não sabia que esse casamento não tinha validade jurídica e que poderia ser anulado...) acabou encontrando meu avô - e com ele viveu feliz por toda a vida, mesmo sem nunca terem se casado.

Assim, dentro de minha própria família, eu já tinha um exemplo de que a felicidade não é sempre encontrada da forma como nos dizem, nos moldes que nos são estabelecidos forçadamente...



Mas o condicionamento nunca parava. Por exemplo: minha mãe tinha umas primas - todas professoras. Eram mulheres bonitas, portuguesas muito sérias e prendadas. Moravam as quatro irmãs juntas numa casa maravilhosamente arrumada, com toalhinhas de crochê em todo canto, colchas lindíssimas, cortinas, enfeitavam cada canto com jarros de flores... Falavam baixo, se vestiam modestamente mas sempre com bom gosto e sempre nos visitavam. Quando elas saíam, eu sempre me ressentia da pena que minha mãe e minha avó sentiam delas, "pobres solteironas"... Haviam sofrido muito com um pai mal e abusivo, depois uma delas teve uma desilusão amorosa e assim, meio por decisão, meio por destino, nenhuma delas se casou. Eu me ressentia porque, na verdade, eu achava que elas estavam melhor assim do que se estivessem sofrendo ao lado de um beberrão, apanhando, tendo um filho atrás do outro e tendo que batalhar pelo leite e o pão prá dar prá eles... A casa delas parecia casa de boneca, elas tinham seus próprios salários, passeavam, viajavam - prá mim elas estavam bem demais. 

Mas minha mãe e minha avó diziam: "Você não percebe, Rosa, a tristeza no olhar delas? A gente foi criada prá se casar e ter filhos, tá na Bíblia...".

Bíblia. Tem tanta coisa na Bíblia que eu não entendo... Tem hora que cortam as cabeças das pessoas, mesmo nos Dez Mandamentos dizendo prá não matar - vá entender. Prá mim, o que a Bíblia tem de bom mesmo dá prá ser bem resumido assim: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" - não precisa estender, não precisa complicar...

Eu ainda era uma menina, cheia de mais pensamentos do que uma cabecinha podia suportar quando a li inteirinha, procurando respostas - e foi na vida que achei algumas delas...

No fundo do quintal da minha casa tinha um terreno enorme, que pertencia ao meu avô, que às vezes estava baldio, às vezes alugado como depósito - mas a maior parte do tempo só servia prá gente deixar viver algumas galinhas. Ele era circundado por muitas casas, que ficavam no meio da quadra que eu morava - e uma das minhas diversões era espiar pela quina de encontro de duas delas, onde tinha um vão de um centímetro aproximadamente. Dali eu via uma casa que ficava muito abaixo do nível do terreno e das casas ao lado (terreno que havia sido aterrado prá que fossem construídas), então eu olhava de cima e enxergava um outro mundo, no qual havia uma moça pela qual eu nutria intensa curiosidade...

Ela era diferente das outras mulheres que eu conhecia: muito loura, muito alta, meio gordinha, usava os cabelos cortados muito curtinhos e era sempre alegre, risonha, muito simpática. Era solteira, também professora, dava aulas na escola que eu estudava. Nunca a vi com cara chateada ou triste. Morava naquela casa com o pai e a mãe velhinhos e, espiando a vida dela por aquela fresta eu a via cuidando do jardim, ganhando limonada da mãezinha, conversando com amor com ela, aproveitando a tarde na varanda. Eu não via briga e não ouvia gritaria - como acontecia na maioria das casas ao meu redor, inclusive na minha...

Assim, cresci com a noção de que nem sempre o que nos empurram pela goela abaixo é o alimento certo prá gente... E eu gosto muito de escolher o que me apetece, vocês não?


Em todas as férias e feriados que eu passo no sítio sempre tem muita gente na casa dos caseiros. Os filhos, irmãos e irmãs, cunhados, visitas - o pessoal é muito amistoso mesmo. Uma das presenças constantes é Dona Elza, que é a antiga dona do meu sítio. Um ano depois que o compramos, o marido dela morreu de ataque cardíaco e ela ficou sozinha - e olha que já faz um tempão mesmo. Dona Elza continua vindo e aproveitando o verde, graças à hospedagem na casa dos caseiros, que continuaram a amizade - e prá nós tá tudo bem, não nos atrapalha em nada.

Nas férias passadas ela estava lá e a Débora (neta dos caseiros) comentou comigo que ela estava muito triste pois há anos andava tendo um relacionamento atrás do outro e nenhum deles ficava sério a ponto do velho querer casar com ela (Dona Elza já passou dos sessenta anos...). A Débora me disse que Dona Elza comentou com a avó dela que odiava estar sozinha, que o que ela mais queria no mundo era se casar de novo...

Daí, depois de pensar por um tempo, a menina perguntou assim prá mim:

"Dona Rosa, se a senhora ficasse sozinha ia querer casar de novo? Desculpa a pergunta mas é que eu vejo que a senhora e o seu marido se dão tão bem, nunca brigam, parecem personagens de Conto de Fadas - e eu não imagino a Branca de Neve se casando de novo se ficasse sozinha..."

Conto de Fadas? A vida de ninguém é Conto de Fadas - senti vontade de dizer prá ela. São contas prá pagar, roupa suja prá lavar, criança chorando de cólica à noite, ciúmes... 

É uma luta diária, uma conquista suada atrás da outra, com desilusões e risadas no meio de tudo - mas isso ela vai ter que aprender com o tempo e a vida, pensei que não cabia a mim lhe ensinar uma lição tão importante...

Olhei práqueles olhinhos ainda cheios da inocência da infância que já está acabando e disse:

"Bom, eu não sou mais jovem, não sou uma mulher bonita, nem interessante e muito menos rica. Se um homem me quisesse a esta altura da minha vida seria prá que eu cozinhasse prá ele e lhe lavasse e passasse as roupas - e eu não quero ser empregada de ninguém. Então, se meu marido me largasse ou se Deus o levasse, eu ficava muito bem sozinha, obrigada..."

Ela deu risada, disse que eu era bonita sim - enxergada por um coração que me conhece e aprecia eu devo ser mesmo... - e achou, por fim, que eu estava certa. 

- "Ser empregada de alguém não é legal mesmo..."

Acabei dando uma lição prá ela quando eu não queria - mas eu sou assim mesmo, sem querer acabo falando demais. 

Disse que, prá gente ser feliz, tem que ter planos na vida. Projetos, sonhos, seja lá como se chame. Seja batalhar prá conseguir dinheiro e trocar a janela da cozinha, depois o trocar o portão, comprar uma planta nova pro jardim. Fazer touca de lã pros filhos ou pros netos. Completar uns estudos, partir pros próximos. Batalhar um emprego novo, sonhar uma viagem. Aprender a fazer um artesanato novo, se apaixonar por ele...

A gente não pode parar, não pode achar que, quando chega "lá", já obteve tudo. Tem que ter sempre um alvo, se manter em movimento - porque tudo que é parado mofa, cria limo, fica coberto de pó e teia de aranha. Apodrece.

Os americanos tem um ditado que, traduzido, é mais ou menos assim: "Se você quer fazer Deus dar risada, faça planos". Minha nossa! Quanta besteira! Típico de alguém que não sabe se levantar depois da queda - e quer levar outros pro chão junto com ele... Como se Deus fosse um ser pequenininho, que se diverte com pegadinhas e tombos, como algumas pessoas que morrem de rir com as vídeo-cassetadas - estão medindo Deus por eles mesmos...

Prefiro muito mais o ditado da minha sogra: "Eu planejo e Deus realiza", muito mais de acordo com a realidade - mesmo que o que Deus realize, às vezes, não seja bem como a gente planejou. Mas a gente continua planejando - sempre!

Acho que foi o apóstolo Paulo quem disse algo mais ou menos assim: "Em tudo dai graças, porque essa é a vontade de Deus para convosco"... Muito sábio isso, se levarmos em conta que Deus é pai, amoroso, pleno de misericórdia. A criança também duvida que seja pro seu bem quando leva uma picada dolorida de injeção, não é mesmo? E o pai ou a mãe não estão sendo maus, muito pelo contrário... 

É importante também a gente se esforçar prá se levantar quando cai - seja sozinha ou com ajuda, mas tem que levantar, sacudir o pó, passar remédio nos machucados e arrumar um sonho novo prá repor o que a vida roubou da gente. Nunca pode "entregar o ouro pro bandido", nunca pode desistir.

Tem que se esforçar prá perdoar os outros e deixar prá lá - mágoa e ressentimento são trambolhos muito pesados prá se carregar na marcha da vida.

Acima de tudo, eu acho que felicidade tem a ver com acreditar em Deus. 

Graças a Ele, mesmo se você estiver sozinha numa caverna situada numa ilha deserta, ainda assim, você nunca estará só - mas a forma como você sente Deus na tua vida é muito importante também... 

Tem que aprender a enxergá-Lo não como um Deus distante, poderoso, que coloca obstáculos e nos castiga pelo caminho prá nos fazer fortes (através de acontecimentos que nos fogem, na maioria das vezes, à compreensão...) mas como um Pai que, nos querendo fortes mediante todos os percalços da vida, ainda assim é amoroso e presente dentro do nosso coração; que nos consola e aconselha sempre, mesmo que com palavras que não consigamos ouvir (como não conseguimos ouvir certos sons que alguns animais ouvem...).

Por fim, acabei dizendo a ela que esperava que Dona Elza conseguisse ser feliz - mas por ela mesma. Não acredito em alma gêmea, em metade da laranja - acho que Deus não faz nenhum filho incompleto, faltando pedaço. Todos nós temos lá dentro o necessário para buscar e atingir a felicidade na medida do possível para esta vida - e termos alguém do nosso lado é muito bom, mas não estritamente necessário. O mundo tá cheio de gente que pode nos ajudar a ser mais felizes, seja sendo nossos irmãos, amigos, companheiros de jornada ou simplesmente cruzando nosso caminho, um determinado dia e fazendo a diferença... 

Resumindo: amar a Deus, não fazer mal a ninguém, ajudar o mais possível e seguir vivendo, sonhando e batalhando pela felicidade de cada dia.

Sozinha ou acompanhada, mas sem nunca desistir de um amanhã que vai ser melhor do que o hoje foi - com a graça de Deus...


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21 comentários:

  1. Oh! "Sabia Rosa".
    Tuas crônicas deveriam substituir a novela das 9!!!!
    Tua ligação com Deus e contagiante.
    Mais uma vez, adorei!.
    Beijo, boa semana.
    Claudia

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    1. Obrigada, Claudia querida! Um lindo final de semana prá você.

      Beijos!

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  2. Nossa Rosa querida, você desabafou algo que todas nós sentimos.
    Todas recebemos uma mensagem dupla desde a infância, de que só é possível ser feliz se estiver dentro do padrão, com um homem e filhos, mas quem disse que só existe esse caminho?
    Mas muito bonito e profundo.
    Bjs

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  3. Obrigada Rosa, muitas vezes você escreve o que eu estou precisando ouvir,meditar, mudar. Deus lhe abençoe,
    Suzy Mendonça

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    1. Que bom! Fico feliz então, acho que deve ter sido um anjo me inspirando...

      Beijos!

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  4. Olá,querida Rosa!
    Só pessoas com o caminho florido e com um grande amor dentro do coração conseguem escrever coisas tão profundas para refletirmos e de alguma forma mudarmos para melhor!
    Obrigada querida por mais esta oportunidade!
    O mundo precisa de mais gente como você!!
    Beijos doces!
    Cristina Peres RJ

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    1. Obrigada por tanta gentileza, Cristina querida. Beijos e tenha um lindo final de semana!

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  5. Ai Rosa querida, quanta sabedoria em suas palavras!
    Eu também penso assim sabe, acho que todos nós somos completos como indivíduos e podemos fazer tudo, é só acreditar. E as pessoas ao nosso redor só enriquecem a nossa vida quando há respeito.
    Beijo no coração

    Eliane (Mundo da Casa)

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    1. Eliane querida, tudo isso é a bondade do teu coração falando... Muito obrigada!

      Beijos!

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  6. Rosa...uma bela postagem onde a mulher e a felicidade se completam e se abordam de modo bem pertinente!!! Gostei imenso! Bj

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    1. Muito gentil, como sempre, Maria da Graça querida.

      Beijos e um lindo final de semana!

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  7. Rosa
    Que lindíssima postagem, sensível, sábia, enriquecedora.

    Felicidade...para alguns é tão difícil de ser encontrada, não? Tem gente que complica tanto ou exige demais da vida que dificilmente consegue ser feliz.

    Ser feliz é ter paz dentro de si, paz que sente quando se faz coisas que te deixam com a consciência tranquila. Como é edificante sentir e cultivar essa paz interior. Paz que independe do que aconteça à nossa volta, sentir paz no coração e na mente.

    Embora não se tenha o que deseja, manter o pensamento e a crença de que o que tiver que ser será. Nós planejamos constantemente a nossa vida, nossa rotina, mas é Deus que realiza e se for de merecimento e de importância para nossa experiência terrena. assim será.

    Mas voltando a paz...como é essencial sentir paz.
    Tenho um exemplo de uma pessoa que conheci que gastou uma vida inteirinha querendo provar que era melhor do que os outros, correndo atrás do "tesouro" - coisas materiais - sendo avarento, orgulhoso, mas não tinha paz interior portanto não foi feliz. E como não tinha paz dentro de si, não deixava os outros em paz E assim passou a vida dele e ninguém conseguia mudar algo nele para melhor pois quem podia fazer algo era a propria pessoa.

    Ser menos exigente de si, se alegrar com pequenas coisas, rir mais, procurar ler e ver coisas boas, falar positivamente, criticar menos as outros,é o que aprendi com essa pessoa que comentei e fez parte da minha família biológica.

    Rosa, querida amiga, adorei seu texto, não há fórmula alguma para ser feliz. Felicidade existe e não é utopia. Esse assunto parece que não se esgota, e creio que ainda será muito falado por aqui pois a vida, constantemente, nos mostra diáriamente pequenas coisas e atos que nos fazer sentir a felicidade.

    Grande beijo

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    1. Ai, e dizem que eu escrevo bem... Que lindeza, concordo com tudo o que você disse, Fatinha querida...

      Beijos e tenha um lindo final de semana!

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  8. Rosinha, eu também tive um avô que abandonou minha avó em Portugal
    e arranjou outra mulher no Brasil, espero que não seja o mesmo da sua
    avó, o meu chamava-se ALEXANDRE COELHO DE CARVALHO
    beijos e diga o nome do seu avô

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    1. Já pensou, Mira - se fôssemos parentes?!! Mas o primeiro marido da minha avó se chamava João... Beijos, minha querida.

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  9. Rosa se viesse manual de instruções para casamento muitas mulheres ficariam solteiras. O trabalho é ardo, mas tem suas compensações, não é mesmo?
    Adorei seu post. Minha mãe me dizia: Menina homem quer casar com moça de família. Ela acertou,
    Somos felizes e isso é que vale.
    Beijos

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    1. Também acho, conheço tantas que se queixam, que dariam um outro rumo na vida se houvesse máquina do tempo... Que bom que você é feliz no casamento, Carla querida. Deus abençoe sempre.

      Beijos!

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  10. Sábias palavras amiga!
    Concordo com você quando diz "Eu planejo e Deus realiza"
    Bjus e um lindo fim de semana.

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