sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Trégua de Natal


A incrível trégua não oficial em 25 de Dezembro de 1914.

Longe de casa, soldados de ambos os lados das trincheiras viam chegar o dia de Natal longe de suas famílias, em meio ao terror da batalha: a Primeira Guerra Mundial havia se iniciado menos de 6 meses antes, em 28 de julho.   


Para a maior parte das testemunhas que sobreviveram ao hediondo conflito - a primeira guerra mecanizada, com o uso de metralhadoras e também a primeira na qual se usou gás tóxico - e que viveram esse Natal não oficial, o mesmo foi iniciado pelas tropas alemãs estacionadas defronte às forças britânicas, onde uma distância relativamente curta separava as trincheiras ao longo da "Terra de Ninguém" – como se costumam chamar os locais que não estavam ocupados por nenhuma das tropas.

Muitos soldados alemães tinham o costume, em seus lares, de montar árvores de Natal adornadas com velas acesas; há meses longe de casa, sentiram a necessidade de transportar esse costume para as trincheiras, com a exceção de que, desta vez, as posicionaram ao longo das mesmas, no Front Oeste, em Flandres.

Inicialmente surpresos e, a seguir, desconfiados, os observadores britânicos reportaram a existência dessas árvores aos seus oficiais superiores. A ordem recebida foi de que eles não deveriam atirar, mas, em vez disso, observar cuidadosamente as ações dos alemães.

Do lado alemão começaram a surgir melodiosos cânticos de Natal, entoados em seu idioma... A seguir, os ingleses responderam, em alguns lugares, com seus próprios cânticos. 

Alguns soldados alemães, que falavam inglês, a plenos pulmões gritaram votos de “Feliz Natal!” para “Tommy” (que era o nome popular que os alemães davam para os soldados britânicos). Os ingleses, em meio a esse clima, retribuíram de seu lado das trincheiras com saudações similares, dirigidas da mesma maneira para os "Fritz".

Em algumas áreas, soldados alemães convidaram “Tommy” para avançar pela “Terra de Ninguém” e visitar os mesmos oponentes alemães que eles estavam tão absortos em matar havia poucas horas antes.

Edward Hulse, um tenente dos Scots Guards, regimento da guarda britânica, com 25 anos de idade, escreveu no diário de guerra do seu batalhão: "Nós iniciamos conversações com os alemães, que estavam ansiosos para conseguir um armistício durante o Natal. Um batedor chamado F. Murker foi ao encontro de uma patrulha alemã e recebeu uma garrafa de uísque e alguns cigarros e uma mensagem foi enviada por ele, dizendo que, se nós não atirássemos neles, eles não atirariam em nós”.

Em razão desse acordo não oficial, as armas daquele setor ficaram silenciosas aquela noite.

A notícia se espalhou.

Histórias começaram a ser contadas sobre visitas trocadas entre as forças aliadas (não apenas inglesas, mas também algumas francesas e belgas) e os inimigos alemães. Tais visitas não estavam restritas somente aos soldados rasos : em algumas ocasiões, o contato inicial havia sido feito entre oficiais, os quais definiram em conjunto os termos da trégua, acrescentando somente o quanto seus homens poderiam avançar em direção às linhas inimigas.

Estes termos permitiram o enterro das tropas de cada lado que jaziam ao longo da “Terra de Ninguém”, alguns mortos há apenas alguns dias – outros, que haviam esperado meses pela dignidade de um funeral. Sem que essa trégua surgisse, todos teriam que ser deixados onde haviam caído, pois metralhadoras cobriam o local onde eles jaziam, na desolação entre as trincheiras opostas...

Homens das equipes encarregadas dos funerais entraram em contato com os membros das equipes similares do inimigo e, face ao duro trabalho que realizavam ali, lado a lado, conversas foram entabuladas e cigarros foram trocados. Cartas foram encaminhadas para serem entregues às famílias ou amigos, tanto dos vivos quanto dos mortos, que viviam em cidades ou vilarejos ocupados.

O mais incrível de tudo foi, talvez, a história que aconteceu no dia seguinte: um soldado alemão apareceu com uma bola de futebol e, em pouco tempo, estavam formados os times e iniciada, com todo o ânimo, a partida entre o regimento inglês de Bedfordshire e as tropas alemãs.

Não eram mais os mesmos inimigos que queriam se matar há poucas horas antes: eram homens livres de vontade, partilhando na neve e na lama um animado jogo de futebol.

Ao final, os alemães venceram o jogo por 3 a 2. A diversão acabou quando a bola foi furada ao atingir um dos emaranhados de arame farpado que circundavam as trincheiras...

Em muitos setores, a trégua durou até a meia-noite do dia de Natal; em outros, prolongou-se até o primeiro dia do ano seguinte.

Antes de esses fatos ocorrerem, a Igreja Católica, através do Papa Benedito XV, havia solicitado uma interrupção temporária das hostilidades para a celebração do Natal. O Governo alemão havia indicado sua concordância, mas os aliados, rapidamente, discordaram: a guerra tinha que continuar, mesmo durante o Natal.

Quase que imediatamente à trégua, as mensagens enviadas chegaram para os familiares e amigos daqueles servindo no front, através do método usual: cartas para casa. Estas cartas foram rapidamente utilizadas por jornais locais e nacionais (incluindo alguns na Alemanha) e impressas regularmente, para que o mundo se desse conta do ocorrido.

Nessas cartas para casa, os soldados na linha de frente foram praticamente unânimes em expressar seu espanto com os eventos do Natal de 1914.

Um alemão escreveu: "aquele foi um dia de paz na guerra; é uma pena que não tenha sido a paz definitiva".

O Cabo John Ferguson contou como a trégua foi conduzida no seu setor: "Nós apertamos as mãos, desejando Feliz Natal e logo estávamos conversando, como se nos conhecêssemos há vários anos. Nós estávamos em frente às suas cercas de arame e rodeados de alemães – Fritz e eu no centro, conversando, e ele, ocasionalmente traduzindo para seus amigos o que eu estava dizendo. Nós permanecemos dentro do círculo como oradores de rua. Logo, a maioria da nossa companhia (Companhia ‘A’), ouvindo que eu e alguns outros havíamos ido, nos seguiu... Que visão! Pequenos grupos de alemães e ingleses se estendendo por quase toda a extensão de nossa frente! Tarde da noite, nós podíamos ouvir risadas e ver fósforos acesos, um alemão acendendo um cigarro para um escocês e vice-versa, trocando cigarros e souvenires. Quando eles não podiam falar a língua, eles tentavam se fazer entender através de gestos e todos pareciam se entender muito bem. Nós estávamos rindo e conversando com homens que, somente umas poucas horas antes, estávamos tentando matar!"

Bruce Bairnsfather, o autor dos famosos cartuns ‘Old Bill’, resumiu os sentimentos de muitas das tropas britânicas quando escreveu: "Todos estavam curiosos: ali estavam aqueles malditos comedores-de-salsicha, que tinham começado aquela infernal guerra europeia e, ao fazer isso, nos enfiaram no mesmo lamaçal junto com eles... Não havia um átomo de ódio em qualquer dos lados aquele dia e ainda, no nosso lado, nem por um momento havia a vontade de guerrear, somente a vontade de deixá-los relaxados".

Infelizmente, junto aos comandos da guerra, as reações foram outras, tão sérias que precauções especiais foram tomadas durante os Natais de 1915, 1916 e 1917 para evitar que acontecesse novamente. Um dos expedientes usados foi aumentar, na data natalina, os bombardeios de artilharia – matando mais e mais seres humanos nos fronts de batalha.

Os eventos do final de Dezembro de 1914 nunca mais se repetiram. Triste, não é mesmo?

Mais triste ainda é saber que, mesmo naquele aparentemente pacífico dia de Natal, a guerra não havia sido completamente esquecida; muitos dos soldados que apertaram as mãos de Tommy ou Fritz em 25 de Dezembro de 1914, trataram de observar a estrutura das defesas do inimigo, a fim de que se pudesse tirar vantagem de qualquer falha delas no dia seguinte...

Investigações foram conduzidas para determinar se a trégua não oficial foi de alguma maneira organizada de antemão; o resultado da apuração foi negativo. Aquilo havia sido um evento genuinamente espontâneo, que ocorreu em alguns setores, mas não em outros. Uma vez e somente uma vez, em meio à guerra, houve “boa vontade para todos os homens” – por um pequeno período...


Desde a primeira vez que eu soube desta história, eu chorei. Chorei pela miséria humana, pela fragilidade do homem perante a vida e chorei também pela grandeza humana, pela aptidão que nossa espécie tem de emergir da treva e da dor, pela sua incrível capacidade de amar e de perdoar e por sua força...

A alma humana anseia pela paz. O ser humano comum quer estender a mão, quer ser solidário – ser irmão. Mas nos deixamos arrastar por discussões sem sentido, distrações sem conta - a grande parte delas, no final, sem nenhum valor, pois a maioria das coisas pelas quais batalhamos tanto, deixamos prá trás, quando vamos embora daqui, quando chega ao fim nossa vida...

Que todos nós saibamos sempre “lutar o bom combate” – como dizia o Apóstolo Paulo; que saibamos dar o devido valor a tudo o que “a traça corrói e os ladrões desenterram e roubam” – diferenciando os verdadeiros tesouros da vida daqueles sem valor algum. E que saibamos sempre estender as mãos, perdoar e fazer trégua. Sempre.

Feliz Natal! 

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14 comentários:

  1. Rosa, que história emocionante. Muito linda mesmo, vou até copiar e guardá-la para mim. Feliz Natal para você e que seja feliz conforme você tanto deseja. Bjs

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    1. Muito obrigada, Maria Alice. Um Feliz Natal prá você também. Beijos.

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  2. Rosa, que história linda, infelizmente uma das maiores fontes de sofrimentos na vida é causada pelo próprio ser humano. A luta do homem contra o homem.
    Feliz Natal
    Bjs

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    1. É mesmo... Ainda bem que também somos capazes de fazer o bem, senão estaríamos perdidos em meio a nós mesmos. Bom, que este Natal te traga coisas boas, boas memórias prá recordar. Beijos!

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  3. Olá, Rosa querida...

    Muito triste haver guerras, que apenas saciam a fome dos poderosos engravatados que manipulam vidas, e mentes em sistemas desumanos...

    Linda e comovente história de anseio pela Paz pela Vida!

    Tenha um lindo final de semana,

    beijinhos,

    Lígia e turminha
    ♥ˆ◡ˆ♥

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    1. Obrigada, Lígia. Acho essa história linda demais, principalmente porque aconteceu em tempo de guerra e nunca mais se repetiu. Acho que o sentido sagrado do Natal está se perdendo, aos poucos - parece só trocar presentes e comer bastante, sei lá... Mas espero que seu Natal tenha aquele "algo mais" que faz dele o dia mais esperado do ano. Beijos!

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  4. Olá, Rosa
    Costumo dizer que pra haver guerra há que se enviar homens, porque se enviassem mulheres resultaria em trégua mutua. Muito triste levar a vida de jovens tão inutilmente...
    Desejo-lhe um natal e ano novo com muita paz, saúde e com a família unida.
    Bjs
    Mara

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    1. É, talvez você esteja certa: trocaríamos receitas, dicas, contaríamos estórias... Acho que o mundo tem testosterona demais... Um Feliz Natal prá você também, com tudo de bom que essa data inspira. Beijos!

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  5. Olá Rosa!
    É muito triste lembrar das aflições que passaram esses soldados e suas famílias...
    Mas lembrando de coisas boas e presentes,quero lhe desejar um feliz natal repleto de paz e harmonia para você e toda sua família!!
    Bjss

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    1. Pois é, Josye... Dificuldades não existem somente em tempos de guerra - nesses acontecimentos terríveis, elas apenas ficam mais aparentes. Mas, em meio a tudo o que vivemos, temos sempre que lembrar das coisas boas e usarmos elas como combustível prá seguirmos frente, não é mesmo? Assim sendo, Feliz Natal prá você e prá toda sua família, repleto de amor. Beijos!

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    1. Feliz Natal prá você também! Beijos.

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    2. Olá Rosa,só hoje que estou vendo meus emails,pois estamos de luto pelo falecimento da minha nora,nossa querida Raquel,que completaria 34 anos no dia 24/12.
      O câncer tirou ela de nos bem no dia 23/12.
      Rosa,linda mensagem de natal que você mandou ,obrigada. Deus te ilumine sempre.Que este ano seja repleto de alegria e muita saúde para todos nós bjus.

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    3. Querida Bete: que Deus dê força a todos vocês para superarem essa trágica perda. 34 anos - ainda uma menina... Mas Deus é Pai dela, a ama infinitamente mais que qualquer pessoa pode ter amado e, com certeza, está cuidando bem dela. Que em 2013 Ele proteja a você e a todos os teus, iluminando vossos caminhos e fazendo vocês felizes novamente. Beijos.

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