domingo, 8 de maio de 2011

Minha Vida Querida



Há muito tempo atrás, na China, havia um jovem comerciante que estava tremendamente apaixonado por sua noiva, não vendo a hora de se casar com ela. 


Seu amor por ela era tamanho que ele nem a chamava mais pelo próprio nome: para ele, era "Minha Vida Querida", a razão dele ser e existir... 


Todos os dias, após o trabalho, lá ia ele para a casa de "Minha Vida Querida", passar agradáveis e preciosos momentos em sua companhia.


Uma noite, quando lá chegava, viu um enorme vulto parado do lado de fora da janela de seu quarto e, assustado mas cheio de coragem, foi até lá ver quem era e o que queria aquele estranho, àquela hora... 

Mal conseguiu vê-lo, o jovem, em seu íntimo, percebeu de quem se tratava: era o Anjo da Morte


- "O que você faz aqui, ao lado da janela de "Minha Vida Querida"?", perguntou, corajosamente o jovem.


-"Hoje é o último dia de vida dela. Chegou a hora de levá-la" - respondeu o anjo.

Assustado, em meio a revolta e desespero, o jovem implorou para que a Morte não levasse "Minha Vida Querida", que era seu grande e único amor, que estavam destinados a se casarem e viverem felizes por toda vida...

Comovido pelas súplicas do jovem, o Anjo da Morte então lhe propôs o seguinte acordo:

- "Você tem ainda pela frente 46 anos de vida. O que eu posso fazer é dividir esse período em dois e dá-lo à sua futura esposa, assim ambos viverão mais vinte e três anos neste mundo, morrendo no mesmo dia e na mesma hora. Você acha que esse tempo é justo e suficiente para que vocês vivam e aproveitem da companhia um do outro"?

Depois de pensar muito, o jovem ainda não tinha decidido, afinal era uma questão de "Vida e de Morte". Pediu então ao anjo o prazo de um dia, para conversar com seus melhores amigos e decidir. Concordando, a Morte marcou de encontrá-lo naquele mesmo local, à mesma hora, na noite seguinte e desapareceu como fumaça no vento.

Alarmado, o jovem nem entrou para visitar "Minha Vida Querida" naquela noite, sem saber que a mesma se encontrava acamada, com uma febre repentina, e que sua falta ainda a fez sentir-se mais fraquinha e triste...

Àquela hora da noite, sem se alimentar, banhar ou descansar, peregrinou o jovem até as residências de seus três melhores amigos.

O primeiro, que era um soldado e caçador, forte e musculoso, era homem de temperamento fanfarrão e violento, para quem cada minuto da vida deveria ser aproveitado ao máximo, sem dramas ou arrependimentos. Após ouvir a narração do jovem, bebeu até o fim uma garrafa de vinho de arroz e, de rosto vermelho, disse:

- "Que dar metade da vida, que nada! Mulheres existem muitas no mundo, umas mais bonitas que as outras, mas a vida é só uma. Quem garante que, depois de tamanho sacrifício feito por você ela não vai se apaixonar por outro e viver e aproveitar os TEUS vinte e três anos com ele!!! Eu não daria nem um minuto de minha vida para mulher nenhuma, nem para ninguém..."

Saindo dali, pensativo, o jovem foi à casa de um outro amigo seu, um artista, pintor e poeta, de alma sensível e comportamento apaixonado pela vida. Ao ouvir também os relatos do jovem, o amigo então disse:

- "Mas claro que você deve dar esses 23 anos de vida para ela! Que eu me lembre, você sempre me disse o quanto a amava... Aliás, você mesmo não a apelidou de "Minha Vida Querida"? Eis aí mais um motivo: depois de tamanho sacrifício, esse apelido não será mais apenas um amontoado de palavras bonitas, mas a mais pura verdade! E mesmo se nosso amigo caçador estiver certo, se o amor dela não for tão grande e verdadeiro como o seu, se ela te trair e for embora com outro, mesmo assim é válido seu sacrifício, pois o verdadeiro amor não exige nada em troca!"

Ainda mais confuso, o jovem se pôs a caminho da casa de seu terceiro amigo, um contador, homem calmo e racional, acostumado a ligar com a lógica fria de cifras e números. Este, após algumas considerações, falou o seguinte:

- "Ambos os nossos amigos têm suas razões, observadas por ângulos de romantismo e praticidade. Sugiro que você proponha ao Anjo da Morte uma solução que agrade a todos: que sua noiva receba os 23 anos de sua vida para vivê-los ao teu lado e que, caso o amor por você deixe de existir no coração dela, os anos restantes retornem a você imediatamente e que ela morra, como traidora que se tornar..."

Agradado com essa ideia, o jovem foi para sua casa já quase amanhecendo o dia, e durante o trabalho mal se concentrou no que fazia, face a preocupação do novo encontro com a Morte, à noite.

Feito o acordo, o Anjo da Morte desapareceu novamente e o jovem, naquela noite mesmo, marcou o casamento, pois não queria mais perder nem um minuto de felicidade.

Passados dois anos, tendo já um filhinho de colo e vivendo um eterno romance com "Minha Vida Querida", que era a esposa e mãe ideal, carinhosa e dedicada, o jovem precisou se ausentar para abastecer seu comércio de mercadorias em um país distante, recomendando a seus três amigos que tomassem conta de sua esposa e de seu filho.

Retornando, quase quatro meses depois, encontrou seus amigos tristes e abatidos nos portões da cidade e, desesperado, perguntou se havia acontecido algo ao seu filhinho (pois sabia que nada poderia ter acontecido com sua esposa, a quem presenteara seus anos de vida)... Sem acreditar, escutou deles o relato de como sua esposa, sem estar doente nem nada, caiu morta de um momento para o outro, havia pouco mais de um mês.

Revoltado, amaldiçoando tudo e todos, o jovem andou feito um desvairado pela cidade, bebendo, brigando, até que, ao passar na porta de um velho muito doente, que estava prestes a morrer, avistou ali o Anjo da Morte...

Gritando as piores barbaridades que podia o jovem acusou a Morte de trapaceira, mentirosa e desalmada, que lhe roubara vinte e três anos de vida por nada...

Calma, a morte simplesmente disse:

- "Há pouco mais de um mês, seu filhinho adoeceu gravemente. Apesar de todos os cuidados, todo amor e dedicação de sua esposa, foi chegada a hora de levá-lo comigo. Sua "Vida Querida" implorou e entrou em acordo comigo, para que seu filho fosse salvo..."

"Enquanto você hesitou em dar a ela metade de sua vida, ela, sem pensar duas vezes, deu toda vida que tinha para que o filho vivesse..."

Amor de mãe...

Historinha que eu contava para meus filhos quando eram pequenos, baseada em um conto do escritor brasileiro que usava o pseudônimo de Malba Tahan... - Adaptação minha...
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